Em recente artigo
publicado em nossa página, apresentamos a evolução histórica da
legislação brasileira relacionada à mulher, constatando o machismo ainda
persistente na sociedade moderna, além da gradual evolução social,
desde a vedação legal ao castigo físico do marido contra a esposa,
passando pelos direitos ao voto e ao trabalho, até as garantias mais
modernas tendentes à proteção do trabalho da mulher e sua promoção.
A despeito dos avanços
inegavelmente alcançados pela sociedade e não menos pela legislação
pátria, questões de cunho social, religiosas e históricas ainda exercem
grande influência na diferenciação entre homens e mulheres. A criação
dos filhos e as tarefas domésticas ainda são comumente tidas como
obrigações femininas, sendo apenas exemplos de paradigmas que ainda
precisam ser enfrentados pela sociedade.
Diante desse cenário, a
discriminação perpetrada historicamente em relação à mulher, continua a
ensejar a necessidade de políticas públicas e proteção legislativa que
coíbam a discriminação entre gêneros. Não é por outra razão que a
própria CF/88 prevê em seu artigo 7º, inciso XX, a garantia de "proteção
do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos
termos da lei".
Com efeito, não há que se
falar em contradição entre as previsões constantes nos artigos 5º, I e
7º, XX da CF. Ao revés, a proteção específica do trabalho da mulher
representa a concretização da máxima do Princípio da Igualdade, segundo o
qual os desiguais devem ser tratados na medida de sua desigualdade. Em
outras palavras, as questões sócio‐culturais que pesam sobre a mulher
são as maiores responsáveis pela necessidade de normas especiais,
destinadas a reverter as opressões sociais, mais até do qualquer
eventual limitação física.
Portanto, é nesse
contexto que se encontra a justificativa para normas legais tendentes a
compensar a desigualdade entre os gêneros, tal qual ocorre com a
obrigatoriedade de concessão de intervalo de 15 minutos às mulheres
antes da prorrogação da jornada normal, bem como as "medidas
concernentes à higienização dos métodos e locais de trabalho, tais como
ventilação e iluminação e outros que se fizerem necessários à segurança e
ao conforto das mulheres", a instalação nas empresas de "bebedouros,
lavatórios, aparelhos sanitários, cadeiras ou bancos, em número
suficiente, que permitam às mulheres trabalhar sem grande esgotamento
físico" (artigos 384 e 389 da CLT).
Mais uma proteção ao
trabalho da mulher está prevista no artigo 390 da CLT que proíbe a
contratação de mulheres para "serviço que demande o emprego de força
muscular superior 20 quilos para o trabalho contínuo". Aos homens, nos
termos do artigo 198 da CLT, é possível exigir o carregamento de até 60
quilos.
A legislação deveria
caminhar para estabelecimento de critérios considerando o trabalhador
individualmente, independentemente de sexo. Isso porque, em regra, é
sabido que a mulher consegue carregar menos peso que o homem, porém, a
imensa diversidade genética da população, nos demonstra que tal regra
comporta inúmeras exceções, não havendo justificativa de a proteção se
dar unicamente pelo critério de gênero do trabalhador.
Não é por isso,
entretanto, que se deve entender pela inconstitucionalidade da referida
norma, mas ao contrário, devemos caminhar para ampliação de sua
aplicação a todos que necessitem de tal proteção, independentemente de
sexo.
Ainda no que se refere à
proteção, caso semelhante é o da proibição de revista íntima nas
mulheres empregadas, que já tratamos em outro artigo específico, que de
igual forma, antes de inconstitucional, trata‐se de importante garantia
trabalhista das mulheres a ser ampliada a todos os trabalhadores.
Com o advento da
Constituição Federal de 1988 passou‐se a buscar, mais do que a proteção
da mulher em si, a promoção do trabalho feminino em igualdade ao
trabalho masculino. Para que isso se alcance, tornou necessário
minimizar as diferenças relacionadas à maternidade.
Para começar, a CLT
expressamente proíbe que se exija atestado ou exame de gravidez ou de
esterilidade, seja na admissão ou para permanência no emprego.
A maternidade não pode
ser utilizada para discriminação da mulher, motivo pelo qual a CLT prevê
mecanismos para garantir plenamente tal direito sem prejuízo de sua
carreira, de igualdade de oportunidade com os homens, de ocorrência de
dispensa arbitrária ou redução salarial.
Para isso é que a CLT
garante dois intervalos diários de 30 minutos para amamentação do filho
até seis meses de idade, o oferecimento de creche, licença maternidade,
com possibilidade de dilação por necessidade médica, o direito de
transferência de função durante a gestação, licença maternidade em caso
de adoção e possibilidade de rescisão contratual em caso de trabalho
prejudicial à gestação, sem cumprimento de aviso prévio.
Para promover a
eliminação da discriminação do trabalho por gênero, também se retirou do
empresariado a obrigação pelo pagamento do salário maternidade,
repassando‐a ao poder público.
Como retorno da mulher
após a gestação, é necessário garantir a ela as mesmas condições de
trabalho, sem redução salarial ou de função, garantindo ainda
estabilidade desde a confirmação da gravidez até o quinto mês posterior
ao parto, além de garantir condições para que não precise renunciar aos
cuidados necessários ao filho.
Algumas outras medidas
tendentes a coibir a discriminação e a promover o trabalho da mulher são
a vedação do oferecimento de emprego com referencia a sexo e situação
familiar. Assim como a proibição de recusa de emprego, promoção,
dispensa ou qualquer tipo de diferenciação de remuneração por esses
mesmos critérios.
Visando a aplicação
isonômica, a CLT permite, ainda, a "adoção de medidas temporárias que
visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e
mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que
afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições
gerais de trabalho da mulher" (parágrafo único do artigo 373‐A).
Infelizmente, parte dos
empregadores ignora a existência de referidas garantias, e quando não
ignoram às descumprem intencionalmente, sob a alegação de não ter sido
tal artigo recepcionado pela CF/88, por afronta ao princípio da
isonomia.
Diante do arcabouço legal
aqui compilado, é necessário que se combata o discurso habitual de que a
proteção legal das mulheres ensejará a preferência patronal pela
contratação de homens, com consequente exclusão das mulheres do mercado
de trabalho. Longe disso, a construção percorrida pela legislação
representa a evolução da própria sociedade, que ao reconhecer nas
mulheres suas particularidades, oferece‐lhes o tratamento correspondente
com vistas à construção de uma sociedade cada vez mais justa.
FONTE: MIGALHAS 3346
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* Leandro Thomaz da Silva Souto Maior é advogado do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.
* Sarah Cecília Raulino Coly é advogada do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogado