Finalmente
o STF, em 21/5/14, por maioria de votos, encerrou o rumoroso processo
criminal (HC 121.903) instaurado contra A.M.G., porque teria subtraído
uma galinha e um galo de um vizinho, avaliados em R$ 40,00. Mesmo tendo
havido a imediata devolução das “aves” ao seu proprietário (a palavra
“aves” é a que consta do portal do STF, que evitou afirmar que nossa
Máxima Corte gastou algumas horas para discutir acirradamente e julgar
um desatinado “ladrão de galinha”), instaurou-se inquérito policial para
apurar nos seus mínimos detalhes toda a engenhosidade da trama
criminosa. Em seguida o Ministério Público, com base no que ficou
largamente apurado, apresentou denúncia, postulando a condenação do réu
por incurso no art. 155 do CP (que prevê para o crime de furto a pena de
reclusão, de um a quatro anos). A denúncia foi recebida, nos seus
sacrossantos termos, pelo juiz da comarca de São João de Nepomuceno
(MG). Impetrou-se então HC, que foi supinamente denegado por
desembargadores do TJ de Minas Gerais. Novo HC junto ao STJ revelou-se
estéril como monge virtuoso, já que indeferida a liminar. Daí ter a
inusitada causa, certamente de grande repercussão para a vida nacional,
chegado à Suprema Corte do país, que foi desenhada (por alguns
desatentos legisladores constituintes) para dirimir apenas os conflitos
mais relevantes envolvendo a interpretação da Constituição Federal de
1988. O processo foi levado à augusta apreciação da egrégia Primeira
Turma da Colenda Corte, porque o ministro Luiz Fux também denegou
liminar (no começo de abril/14).
Não se pode negar que era grande a
expectativa em torno do desfecho da relevante contenda que foi parar no
STF (uma séria acusação de que um rapaz de 25 anos se apoderou
clandestinamente de um galo e de uma galinha em sua cidade, tendo
devolvido a “res” logo que descoberta a subtração). O público presente
no julgamento do HC não era multitudinário, mas espiritualmente ali se
encontrava mais meia dúzia de brasileiros desorientados que, sendo os
últimos que ainda não perderam a fé nos milagres terrenos, continuam
acreditando, piamente, mesmo em tempos revoltos de agudo populismo penal
(nova inquisição para a caça das bruxas), que a Justiça criminal não
deve intervir em casos insignificantes, aplicando-se o respectivo
princípio, que exclui o crime, conforme decisão já antiga do próprio STF
(HC 84.412-SP, relator Celso de Mello).
A Procuradoria da República, depois
de ter analisado exaustivamente a patética contenda (subtração de um
galo e de uma galinha, devolvidos ao dono), agudamente observou que o
autor dos fatos (A.M.G.) é primário e tem bons antecedentes. Além disso,
contrariando a opinião abalizada de todos os operadores jurídicos que
se debruçaram anteriormente sobre o caso, eloquentemente afirmou que “a
lesão ao bem jurídico é inexpressiva, tratando-se de conduta que, pelo
contexto em que praticado o delito, não se apresenta como socialmente
perigosa”. Dessa forma, pela primeira vez no caso (ufa!), veio à tona o
entendimento de ser razoável a aplicação do princípio da
insignificância, a fim de considerar como atípica a conduta atribuída ao
denunciado. Nesse mesmo sentido foi o acurado voto do ministro relator,
Luiz Fux, que, na esteira da consolidada doutrina da Excelsa Corte (que
não diz nada com nada, diga-se de passagem), sublinhou: ao analisar o
mérito da controvertida questão, noto que “o caso específico preenche os
requisitos da insignificância”, ou seja, “a) a mínima ofensividade da
conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a
inexpressividade da lesão ao bem jurídico”. Ninguém sabe bem até hoje o
que objetivamente tudo isso significada, de qualquer modo, tal qual uma
joia preciosa que se esconde nas profundezas das carcomidas leis,
crenças e decisões, de repente, como um vulcão rebelde, entrou em
sibilante erupção.
Tudo levava a crer que a relevante
controvérsia (subtração de um galo e de uma galinha) teria rapidíssimo
desfecho. Nada disso. O debate se acalorou e, no final, ficou vencido o
ministro Marco Aurélio, que indeferiu a ordem, com escólio na provecta
doutrina de que “A insignificância é praticamente uma ampliação
jurisprudencial” (ou seja: não tem base legal), ressaltou o ministro, ao
observar que, para o furto de coisa de baixo valor, há uma regra
específica prevista no parágrafo 2º do artigo 155 do Código Penal.
Segundo esse dispositivo, se o criminoso é primário e a coisa furtada é
de pequeno valor, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de
detenção, diminui-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de
multa. Teria esquecido o ministro que a aplicação do alfarrábico diploma
legal pressupõe a existência de um fato que seja típico e antijurídico,
o que não é o caso da subtração de um galo e de uma galinha,
devidamente devolvidos (por força do princípio da insignificância esse
fato não conta com tipicidade material, consoante a doutrina do HC
84.412-SP).
Quando todas as instâncias da
Justiça brasileira, incluindo alguns seletos membros da mais Alta Corte
de Justiça do país, entendem que a subtração de uma galinha e um galo se
trata de uma questão silibina, é preciso reconhecer que a nação
brasileira atingiu o estágio máximo da degeneração antropológica. Ela
está se derretendo. Naufragou no seu intento de criar um país próspero.
Não se sabe ainda o que virá no futuro, certa no presente é apenas a
desagregação absoluta da nossa sociedade. Parafraseando Ortega y Gasset
(España invertebrada), se o Brasil quer se ressuscitar (morto
depauperadamente já se encontra há muito tempo), “é preciso que se
apodere dele um formidável apetite de todos os aperfeiçoamentos. A
grande infelicidade da história brasileira sempre foi a carência de
minorias egrégias (as chamadas elites de vida e pensamento nobres) assim
como o império imperturbado das massas rebeladas [...] é preciso forjar
um novo tipo de humano brasileiro. Não bastam melhoras políticas: é
imprescindível um trabalho muito mais profundo que produza o refinamento
da raça”. Não há outro meio de purificação e melhoramento étnico de um
povo que não seja o eterno instrumento da seletividade e exemplaridade. É
eterna a luta pela seletividade dos melhores governantes. Uma
disciplina perpetuamente pendente entre nós. Até quando? As escrituras
dirão.
Autor
Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil
FONTE: JORNAL JURID
Eu tenho um comércio e QUERO permitir fumantes, no MEU estabelecimento, não posso, legal né?
Agora eu sou PAI e quero aplicar uma forma de correção ( não confundir com espancamento ), também NÃO posso?
No RJ ainda pouco foi aprovado e está valendo, a proibição do uso de bonés, dentre outros acessórios que se usa sobre a cabeça, em locais públicos, como shoppings, restaurantes etc.
Legal né?
Começaram tirando nosso direito a possuir armas, depois os fumantes, agora os pais não podem mais criar seus filhos. Quem usa boné ou chapéu e mora no RJ, já sabe....
Tem que ser muito "inocente" para não enxergar o que está acontecendo.