Benefício de gratuidade de justiça, possibilidade de contratação de
advogado particular e direito fundamental de assistência judiciária.

Discute a possibilidade de pedido de gratuidade de
justiça, nos termos da Lei 1060 de 1950, por parte representada por
advogados particulares.
Um dos pontos relevantes sobre a aplicação da Lei 1.060/50, a
conhecida Lei de Assistência Judiciária, é a discussão da possibilidade
de deferimento de pedido de gratuidade de justiça, mesmo com a
contratação de advogado particular, ou seja, de concessão do benefício à
parte que não é assistida por órgão público de prestação de assistência
judiciária, como, por exemplo, Defensoria Pública ou Procuradoria de
Assistência Judiciária.
O caso típico é a impugnação do pedido de gratuidade de justiça tecido
em peça inicial, que se faz acompanhar de declaração de pobreza,
alegando, o impugnante, em suma, que a contratação de advogados
particulares – não do corpo da Procuradoria de Assistência Judiciária ou
Defensoria Pública, revelaria falta de conexão com o pedido de
gratuidade.
Com efeito, deve-se dizer, antes de qualquer coisa, que cabe ao
impugnante a prova de que o requerente do pedido de gratuidade tem
condições econômicas para o pagamento das custas, além de simplesmente
alegar que a parte não é necessitada a tal benefício processual,
garantido constitucionalmente, porque contratou advogados particulares
para o patrocínio de sua ação.
Primeiramente, resumidamente, é de se salientar como é o procedimento de
concessão dos benefícios de gratuidade de justiça, hoje regulados pela
Lei 1.060/50.
De acordo com a dicção do artigo 4º do referido diploma legal, basta a
afirmação de que não possui condições de arcar com custas e honorários,
sem prejuízo próprio e de sua família, na própria petição inicial ou em
seu pedido, a qualquer momento do processo, para a concessão do
benefício, pelo que nos bastamos do texto da lei, in verbis:
Art.
4º A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante
simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em
condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado,
sem prejuízo próprio ou de sua família.
§ 1º
Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos
termos da lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas
judiciais.
Ou seja, nos termos da lei, apresentado o pedido de gratuidade e
acompanhado de declaração de pobreza, há presunção legal que, a teor do
artigo 5º do mesmo diploma analisado, o juiz deve prontamente deferir os
benefícios ao seu requerente (cumprindo-se a presunção do art. 4º
acima), excetuando-se o caso em que há elementos nos autos que comprovem
a falta de verdade no pedido de gratuidade, caso em que o juiz deve
indeferir o pedido.
Entender de outra forma seria impedir os mais humildes de ter acesso à
Justiça, garantia maior dos cidadãos no Estado de Direito, corolário do
princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, artigo 5º,
inciso XXXV da Constituição de 1988.
Veja-se que as normas legais mencionadas não exigem que os requerentes
da assistência judiciária sejam miseráveis para recebê-la, sob a forma
de isenção de custas, bastando que comprovem a insuficiência de recursos
para custear o processo, ou, como reza a norma constitucional, que não
estão em condições de pagar custas do processo sem prejuízo próprio ou
de sua família, bem como as normas de concessão do benefício não vedam
tal benesse a quem o requeira através de advogados particulares.
Ora, como já afirmado, decorre da letra expressa do parágrafo 1º, do
artigo 4º, da Lei 1.060/50, que se presumem pobres, até prova em
contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei.
Sobre o tema, bastam os ensinamentos do Doutor Augusto Tavares Rosa Marcacini:
"Nos termos do art. 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/50, milita presunção
de veracidade da declaração de pobreza em favor do requerente da
gratuidade. Desta forma, o ônus de provar a inexistência ou o
desaparecimento da condição de pobreza é do impugnante." [1]
No mesmo sentido a jurisprudência do STJ:
"EMENTA: Assistência judiciária. Benefício postulado na inicial, que
se fez acompanhar por declaração firmada pelo Autor. Inexigibilidade de
outras providências. Não-revogação do art. 4º da Lei nº 1.060/50 pelo
disposto no inciso LXXIV do art. 5º da constituição. Precedentes.
Recurso conhecido e provido.
1. Em princípio, a
simples declaração firmada pela parte que requer o benefício da
assistência judiciária, dizendo-se 'pobre nos termos da lei', desprovida
de recursos para arcar com as despesas do processo e com o pagamento de
honorário de advogado, é, na medida em que dotada de presunção iuris
tantum de veracidade, suficiente à concessão do benefício legal." [2]
E no mesmo diapasão, também não merece prosperar impugnação que não se fundamenta em provas, como já decidiu o 2º. TACiv-SP:
"ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - Impugnação - Alegações sem maiores fundamentos - Presunção, não elidida, em favor do requerente". [3]
Em julgado relatado pelo Juiz Plínio Tadeu do Amaral Malheiros,
secundado pelos Juizes Elliot Akel, e Ademir Benedito, decidiu o 1º
TACiv-SP:
“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – Pedido – Basta a simples alegação de que a
parte não possui condições econômicas para o pagamento das custas
processuais e honorários do advogado, sem prejuízo próprio de seu
sustento ou de sua família, para que ela seja concedida – Aplicação do
artigo 4º, da Lei 106/50 – Recurso provido.” [4]
Nesse sentido é que descabe a alegação de que a constituição de
advogados particulares veda a concessão da gratuidade de justiça.
Tal interpretação se constituiria em clara vedação à garantia
constitucional de gratuidade de justiça, erigida em nossa Carta Magna no
artigo 5º, inciso LXXIV.
Essa é a interpretação de nossos Tribunais, pelo que nos bastamos por lembrar os seguintes arestos:
“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – CONCESSÃO DO BENEFÍCIO A QUEM TEM ADVOGADO
CONSTITUÍDO – POSSIBILIDADE – RESTRIÇÃO QUE IMPORTARIA EM VIOLAÇÃO AO
ART. 5º, LXXIV, DA CCONSTITUIÇÃO FEDERAL – AGRAVO PROVIDO.
Para
a concessão dos benefícios da justiça gratuita basta que a parte afirme
não estar em condições de pagar as custas do processo e os honorários
de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família, não impedindo a
outorga do favor legal o fato do interessado ter advogado constituído,
tudo sob pena de violação ao art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal e à
Lei nº 1060/50, que não contemplam tal restrição.” [5]
“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – JUSTIÇA GRATUITA – ADVOGADO INDICADO PELA
PARTE – FATO QUE NÃO CONFIGURA MOTIVO LEGÍTIMO PARA ELIMINAÇÃO DO
PRIVILÉGIO DA GRATUIDADE – NÃO CONCESSÃO, ADEMAIS, DO BENEFÍCIO AO
PREENCEHDOR DAS CONDIÇÕES PARA OBTÊ-LO, TRADUZ NÍTIDA VIOLAÇÃO A DIREITO
CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO – INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, LXXIV, DA CF.
O
fato de o obreiro ter feito a escolha do advogado para representá-lo na
causa não configura motivo legítimo para eliminar o privilégio da
gratuidade. Ao necessitado a legislação assegura o direito de ser
assistido em juízo, gratuitamente, por advogado de sua livre escolha,
bastando que este aceite o cargo.
Ademais, a não
concessão do benefício da assistência judiciária àquele que se mostra
preenchedor das condições para obtê-la, traduz nítida violação a direito
constitucionalmente assegurado (art. 5º, LXXIV, da Carta Magna), vale
dizer, o benefício da justiça gratuita não pode ser objeto de restrição
tal como aqui ocorreu.” [6]
Nesse sentido, ainda são suficientes os termos do julgado relatado pelo Dr. Juiz Mendes Gomes, onde decidiu o 2º TACiv-SP:
“EMENTA: O fato de a parte ter constituído advogado para
patrocinar-lhe a causa, não é motivo suficiente para inibi-la ou
obstar-lhe o pleito de assistência judiciária, pois, para gozar dos
benefícios desta, não está obrigada a recorrer aos serviços da
Defensoria Pública.” [7]
E do corpo desse acórdão, merece sua transcrição:
“É de ser acolhido o inconformismo do recorrente.
Com
efeito, verifica-se da inicial da ação (fls. 06/13), que o agravante
requereu os benefícios da justiça gratuita, para tanto declarando ser
pobre na acepção jurídica do termo, não tendo a mínima condição de
suportar as despesas processuais, anexando a declaração de pobreza (fl.
15).
Para pleitear este direito bastava ao autor,
apenas e tão somente, sua afirmação, na própria petição, de que não pode
suportar as despesas do processo com custas e honorária advocatícia,
sem prejuízo do seu próprio sustento e da sua família. É o que soa o
art. 4º da Lei Especial.
Contudo, na medida em que a
afirmação é dotada de presunção iuris tantum, à parte contrária incumbe a
prova da falta de sinceridade da postulação, demonstrando, por provas,
hábeis, a suficiência de recursos do assistido, para o custeio do
processo.
No caso em tela, não há por parte da
agravada qualquer manifestação de oposição ao pedido, até porque sua
citação ainda não se deu.
Por outro lado, o fato de o
agravante ter constituído advogado para patrocinar-lhe a causa, não é
motivo suficiente para inibi-lo ou obstar-lhe o pleito de assistência
judiciária, pois, para gozar dos benefícios desta, não está obrigado a
recorrer aos serviços da Defensoria Pública. Este, aliás, o entendimento
do Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme cita Theotonio
Negrão, em seu Código de Processo Civil, 26º ed., nota nº 4 ao art. 5º,
da Lei de Assistência Judiciária, à p. 790.”
Assim sendo, uma vez não comprovada a suficiência de recursos
para o pagamento de custas e honorários, deve ser acolhida presunção de
pobreza, firmada mediante a apresentação de declaração da requerente do
benefício de gratuidade de justiça, a teor do art. 4º, da Lei 1060/50,
não merecendo ser acolhida impugnação ao pedido de gratuidade com
fundamento de que a parte beneficiária é representada nos autos por
advogado particular de sua confiança, e não por Defensoria Pública, vez
que não se pode entender que o requerente de gratuidade somente pode ser
beneficiado se representado por órgão público de prestação de
assistência judiciária, seja porque os fatos assim justificam esse
entendimento, fatos e realidade que demonstram a impossibilidade dessa
prestação a todos pelo Estado, seja também pelo teor da Lei 1060 de 1950
e da Constituição Federal, que garantem o direito à gratuidade de
justiça sem esse requisito de representação processual, ou ainda, e não
pode ser esquecido, seja pelo múnus público que carrega o Advogado.
Notas
[1] Marcacini, Augusto Tavares Rosa, Assistência Jurídica, Assistência Judiciária e Justiça Gratuita, Forense, Rio de Janeiro, 1996, p. 100.
[2] STJ, REsp. 38.124.-0-RS. Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
[3] 2º. TACiv-SP, Ap. 260.519-5, rel. Juiz Penteado Navarro.
[4] 1º TACiv-SP, AI 833.576-1, rel. Juiz Plínio Tadeu do Amaral Malheiros.
[5] 2º TACiv-SP, AI 555.868-0/0, rel. Juiz Thales do Amaral.
[6] 2º TACiv-SP, AI 405.660-00/5, rel. Juiz Renato Sartorelli.
[7] 2º. TACiv-SP, AI 573.982-0/4, j. 31.5.99, rel. Juiz Mendes Gomes.