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sexta-feira, 27 de março de 2015

ALEGAÇÃO DE INSANIDADE Juiz do caso Eike vai responder a cinco processos no TRF-2

ALEGAÇÃO DE INSANIDADE

Juiz do caso Eike vai responder a cinco processos no TRF-2.

Resultado de imagem para juiz federal Flávio Roberto de Souza

O juiz começou a ser julgado nesta quinta-feira (26/3) no Órgão Especial do TRF-2, em sessão fechada. Dois procedimentos, distribuídos ao desembargador Marcus Abraham, tratam do uso do carro do empresário pelo juiz e as declarações que ele deu à imprensa de que o uso de material apreendido em processos, por juízes, seria uma prática normal.
Outro processo, entregue à relatoria do desembargador André Fontes, trata do desvio de US$ 150 mil e 108 mil euros apreendidos em outro processo criminal. A quarta ação, distribuída ao desembargador Reis Friede, é sobre o sumiço do dinheiro de Eike Batista apreendidos pela Polícia Federal. E a última, que será relatada pela desembargadora Nizete Lobato, trata da acusação de desvio do dinheiro derivado da venda antecipada de bens apreendidos em outra ação penal.
A abertura dos processos administrativos disciplinares decorre da apreciação das sindicâncias conduzidas pela Corregedoria Regional Federal da 2ª Região, e da correição feita pelo órgão na 3ª Vara Criminal Federal. No julgamento, o Órgão Especial decidiu derrubar o sigilo do caso. Segundo explicou o TRF-2, o segredo não é mais necessário já que todas as diligências necessárias foram cumpridas nas sindicâncias.
Invalidez

Em nota, o tribunal informa que a defesa do juiz disse que as atitudes do juiz decorrem de problemas psiquiátricos e, por isso, pediu a aposentadoria dele por invalidez. Para corroborar a tese, a defesa teria citado as licenças médicas sucessivas concedidas à Souza. Procurado pela reportagem, o advogado Renato Tonini, que defende o juiz, não quis falar sobre a linha adotada pela defesa. Mas confirmou o fim do sigilo dos processos, assim como a abertura de cinco procedimentos administrativos contra o juiz.
No comunicado, o TRF-2 acrescentou que adotou medidas para rastrear os valores desviados e que “é certo que nos próximos dias a maior parte desse montante já terá sido recuperado”. A comunicado também diz que entre “as providências cabíveis nos processos disciplinares, está a de compelir o magistrado a ressarcir o que não tiver sido imediatamente devolvido”.
Além dos processos administrativos disciplinares, Souza responde a uma ação cautelar movida pelo Ministério Público Federal, que poderá dar origem a uma denúncia criminal ao próprio TRF-2. O juiz segue afastado do cargo por tempo indeterminado.
Flagrante

Então responsável pela condução dos processos contra Eike Batista, Flavio Roberto de Souza passou de juiz a réu após ter sido flagrado dirigindo o Porsche Cayennne do empresário, ao chegar na sede da Justiça Federal, no Centro do Rio.
O flagrante aconteceu no último dia 24 de fevereiro. Na sequência, vieram à tona outras denúncias — a de que o juiz havia guardado, na garagem do prédio onde mora, outros dois veículos de luxo do empresário e a de que havia dado a um vizinho a guarda do piano do ex-bilionário. Em entrevistas, o juiz disse que a utilização de bens apreendidos pela Justiça “seria uma prática normal, adotada por vários juízes”.
Além das ações administrativas abertas pelo TRF-2 para apurar os episódios, Souza responde a outros dois processos disciplinares no Conselho Nacional de Justiça. As ações foram abertas a pedido dos advogados de Eike Batista e da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados.
Souza foi afastado dos processos contra ex-bilionário, inicialmente, por decisão administrativa da corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, tomada no dia 26 de fevereiro. No dia 5 de março, a transferência dos processos contra o empresário para outro juiz foi confirmada na esfera judicial pela 2ª Turma Especializada, ao julgar uma exceção de suspeição contra Souza. No dia 9 de março, o TRF-2 o afastou de suas funções de magistrado. Ele pediu licença do cargo por motivos médicos.
 é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.

FONTE Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2015.





COMENTÁRIOS DE LEITORES

2 comentários

É LOUCO, MAS.....

Fernando José Gonçalves (Advogado Sócio de Escritório - Civil)

não rasga dinheiro. Muito ao contrário, incorpora o dinheiro e patrimônio dos outros ao seu próprio, como um amálgama natural, bem ao estilo do Brasil de hoje. Infelizmente vários outros tantos "loucos" como ele (já que informou a identidade e normalidade de tal conduta por seus pares) estão judicando neste país afora e como a proporção entre "Loucos" e "Eikes" é infinitamente desigual, tudo continuará como d'antes no quartel do Abrantes.

Falta a divulgação, pelo C.N.J. da situação dos procedimentos administrativos contra os outros juízes, a saber:

a) O da deidade contestada, que mandou prender a agente que ousou barrá-lo numa blitz de trânsito só porque estava sem carteira, sem documentos do carro e sem placas no veículo, somada a providência a ser tomada quanto a TODA CÂMARA DE DESEMBARGADORES que ratificou a sentença de 1º grau, por V.U. (e seu prolator) em favor do colega, prestigiando o cantor "Caetano Veloso" na canção "sem lenço e sem documento, nada no bolso ou nas mãos" -exceto a carteirinha de juiz-

e

b) O Magistrado afetado e folgado, que mandou prender vários funcionários da empresa aérea, que não quiseram mandar parar o avião, já em processo de decolagem, para que a divindade, nele representada, embarcasse; desta feita nos moldes da canção pré-histórica (1.967) "PARE AGORA", da "famosíssima" cantora da Jovem Guarda, "Vanderléia".

AGILIDADE MUITO ESTRANHA

Marcos Alves Pintar (Advogado Autônomo - Previdenciária)

Que rápido. Geralmente processo contra juízes ficam 5 ou 10 anos apenas nas "investigações".

E o juiz decretou a prisão marcando um "X"! Sentença ou quiz show?


http://goo.gl/AW6qFL | Circula nas redes — vi no Facebook do Aury Lopes Jr. — uma decisão de um juiz de direito — apaguei o seu nome a Comarca, porque o que interesse é o fenômeno e não a pessoa — em que ele decreta a prisão preventiva em um formulário padrão, em que as alternativas de “fundamentação” (as aspas indicam ironia, ok?) são os dizeres do artigo 312 do CPP. Ei-la:




E ele tascou um X nas alternativas garantia da ordem publica e assegurar a aplicação da lei penal. Simples assim. Não há referência a um caso concreto específico. Há um formulário que fala de um tipo de crime. Incrível. Trata-se da ontoteologização do direito. O juiz achou o que os filósofos procuram há dois mil anos: o “ser em geral”. A substância de todos os crimes. A essência da prisão preventiva. Sabendo-se a essência, sabe-se tudo. Trata-se de algo como se passa na Novela do Curioso Impertinente, de Cervantes, em que o personagem Anselmo procura a essência de fidelidade.

Quando li essa decisão fiquei pensando em fugir para as montanhas. Pindorama é assim. Quando se cava um buraco e se chega lá embaixo, o que encontramos? Marque um X na alternativa “uma pá” para cavar mais fundo. E acertou. Pergunto-me: o que está acontecendo com o Direito em terrae brasilis? A estandardização e a literatura prêt-à-porter, prêt-à-parler e prêt-à-penser levou os juristas a esse patamar? Tenho a certeza que sim. Minhas perguntas são retóricas.

O que vale a liberdade de uma pessoa? Pode ela ser perdida por prisão preventiva marcada por um X, sem qualquer fundamentação ou referência ao fato concreto, como se fosse um quiz show? Juízes não tem responsabilidade política? Então a aplicação da lei virou isso? Aliás, agora me dou conta de que não faltou inspiração ao juiz.  Na Polícia Civil em vários Estados já existe o mesmo tipo de formulário para pedir as medidas protetivas da Lei Maria da Penha! Na Justiça do Trabalho a maioria dos pedidos também é apresentada em formulários. E se a ideia pega, poderíamos transformar tudo em formulário. O promotor marca um X no artigo violado! Para que descrever conduta típica? Para que fundamentar a decisão? Assim a justiça fica mais rápida alguns dirão, como se esse fosse o objetivo do Estado Democrático de Direito! Sim, sei que a decisão essa é de 2011. Não importa. Nem sei se esse procedimento era praxe. De todo modo, não está “prescrito” o episódio. O que importa, aqui, é discutir o simbólico. Com ele — o simbólico — podemos capturar o imaginário de determinados juristas. 

Essa nem o leitor que se assina Prætor e que critica todas as minhas colunas poderá defender (aliás, fico imaginando às quintas-feiras de manhã: Prætor levanta tremendo, emocionado... abre a ConJur e tasca seu comentário, em uma espécie de gozo fundamental; sem o Prætor, Senso Incomum não seria o que é!). E não sou só eu que penso assim! Registre-se o comentário bem-humorado do comentarista Alexandre Carvalho Simões (Advogado Autônomo - Criminal) na coluna do dia 19/03 (Abstraindo, é claro, o encaminhamento que dá ao meu segundo modelo de juiz):

“Praetor me fez lembrar de um versículo da bíblia: Saulo, Saulo porque me persegues? Todo mundo sabe que Saulo se tornou Paulo e que Paulo foi o maior apóstolo de Cristo. Assim será o Praetor, o maior apóstolo de Lenio Streck. Dizem que amor e ódio andam de mãos dadas... [...]”.

Destarte, se haverá a conversão do nosso Prætor, não sei. Mas pela fama que já alcança nosso interlocutor, esperamos a edição de um “(des)compreender direito: comentários críticos à coluna senso incomum”.  Talvez me force à tréplica, com um “Verdade e Implicância”.

Sigo. E para dizer que é despiciendo falar mais sobre essa “decisão” (Novamente entre aspas. Lembrem-se, decisão não é escolha que se resolve marcando X!). O que quero começar, agora, é uma nova cruzada. No NCPC conseguimos — lembrem-se que sofro de LEER — tirar o livre convencimento (emenda minha), introduzir a obrigação de decisão por coerência e integridade (artigo 926 por sugestão minha também) e o dever de fundamentação detalhada, como os leitores sabem muito bem, bastando, para tanto, ver as edições anteriores da ConJur para tomar conhecimento da luta que tivemos (este escriba, Dierle, Fredie, Alexandre Camara, Alexandre Morais da Rosa, André Karam, Georges Abboud, Eduardo Arruda Alvim, Rafael Tomas de Oliveira, entre outros).

Agora será a vez do Código de Processo Penal. Não me parece razoável que o novo CPP que está sendo gestado no Congresso preveja o poder de livre apreciação da prova. Eis a luta. Também do CPP teremos que expungir essa anomalia a-paradigmática. E teremos que colocar no CPP o dever de fundamentação, com a obrigação de, além de coerência e integridade, o juiz enfrentar todas as teses levantadas pelas partes. Já pensaram se aplicássemos a obrigação de coerência e integridade para o caso do juiz em liça?

Isso tudo para evitar que decisões como a do referido magistrado se repitam. Sabemos que hoje todos os tribunais dos Estados da nossa federação condenam acusados de furto, estelionato e trafico de entorpecentes lançando mão da inversão do ônus da prova. Isso jamais aconteceria se tivéssemos um CPP similar ao NCPC.

Na verdade, faço uma penitência: não precisaríamos colocar nada disso nos códigos se cumpríssemos a Constituição. O dever de fundamentação na Europa é um direito inalienável. É um direito humano fundamental. Aqui virou mercadoria de quiz show. Aqui virou caricatura. Sim, porque inverter o ônus da prova é retroceder séculos no direito. É retornar às ordálias. Você é culpado até provar o contrário. Ou seja, pegue este ferro quente na mão. Se não lhe queimar, é inocente. Bingo. Binguíssimo.


A etapa II da guerra contra o solipsismo! O novo CPP!


Por tudo isso, inicio hoje a etapa II da guerra contra o solipsismo em Pindorama. No início, minha luta era olhada de soslaio. Ah, lá vem o Lenio Streck falando contra o solipsismo. Que palavra seria essa? Alguns riam. Pois é: a palavra solipsista vem do alemão Selbsüchtiger, que quer dizer “viciado em si mesmo”. Sim, a realidade para o sujeito solipsista existe só a partir do ele, viciado em si, pensa.  Eis o dilema do jurista contemporâneo. No século XIX, no positivismo clássico, o jurista era viciado na lei (a lei era tudo; previa todas as hipóteses de aplicação). Era o século da razão, em que o direito pretendeu aprisionar a complexidade social em leis (França), conceitos (Alemanha) e precedentes (Inglaterra). Bingo. Saltamos para o século da vontade. Só que nunca conseguimos controlar essa vontade. E viramos viciados em nós mesmos. De um vício passamos a outro. Quase pior. É como saltar do personagem Angelo I para o Angelo II, da peça Medida por Medida, de Shakespeare.  Solipsismo é algo como crack gnosiológico. Basta experimentar uma vez e não larga mais. Eis o que aconteceu no direito.

Daí a nossa luta. Daí a minha cruzada. As inscrições estão abertas para cerrarmos fileiras nessa batalha. Se antes se olhava de soslaio minha luta, agora já começam a murmurar pelos quatro cantos. Oiço cousas como “poxa: de fato o NCPC tirou fora a palavra livre na questão do convencimento”. “— Então se o legislador tirou...é porque de fato quis”! E eu acrescento: É porque entendeu que, de fato, como defendo há muito tempo, o livre convencimento não se dá bem com a nossa Constituição. E a obrigação de coerência e integridade complementa essa alteração paradigmática.

Vai depender de nós. Da doutrina. Que, insisto mais uma vez, está na hora de voltar a doutrinar. Parar de ficar caudatária de decisões tribunalícias. A doutrina deve constranger os tribunais a decidir corretamente, e não o contrário, ou seja, doutrinar com base nas decisões proferidas. Temos de implementar o NCPC. E lutar para alterar o projeto do CPP. Sim. Lá está. Eu vi. Em pleno século XXI, até agora o legislador está mantendo o poder de livre apreciação da prova. E, o pior: com advogados participando da Comissão de redação do NCPP. Será que eles não sabem o que é sentir na carne o poder da livre apreciação? Hein? Será que eles imaginam uma sentença como a comentada nesta coluna? Cartas para a coluna.

Por Lenio Luiz Streck
Fonte: conjur.com.br e Amo Direito

A IMPENHORABILIDADE SOBRE VALORES DEPOSITADOS EM CADERNETA DE POUPANÇA

A IMPENHORABILIDADE SOBRE VALORES DEPOSITADOS EM CADERNETA DE POUPANÇA.
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Publicado em 09/2014. Elaborado em 03/2014.

Os valores depositados em caderneta de poupança até a quantia de 40 salários mínimos são considerados impenhoráveis. Entretanto, parte da doutrina e jurisprudência vem considerando essa proteção exacerbada, causando prejuízos aos credores.
O inciso X do artigo 649 assegura a impenhorabilidade sobre as quantias depositadas em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos.
Deve-se atentar que o legislador fez questão de nominar o tipo de investimento protegido, a caderneta de poupança; portanto, os outros tipos de benefícios não devem ser estendidos a outros tipos de investimentos.
Essa proteção prevista na lei processual, nas palavras do professor Araken de Assis (2009. p.248) demonstrou “elogiável sensibilidade com as poupanças modestas, formadas ao longo de anos de trabalho árduo e honesto e que representam o capital de toda uma vida”, sendo pertinente restringir a penhorabilidade a este tipo de investimento historicamente popular.
Outro ponto a se destacar é que a regra de impenhorabilidade abrange o limite de 40 (quarenta) salários mínimos aplicados pelo executado, independentemente da quantidade de aplicações realizadas, mesmo que em diferentes instituições bancárias, pois se assim não fosse, o sistema seria facilmente burlado, com a aplicação de quantia superior a 40 (quarenta) salários mínimos em várias cadernetas de poupança.
A proteção da impenhorabilidade deve ser aplicada sobre a soma total dos valores depositados, assim, mesmo que o executado tenha aplicado valor menor que 40 (quarenta) salários mínimos em várias cadernetas de poupança, todo o valor global será considerado impenhorável.
E da seguinte forma se posiciona o STJ:
“RECURSO ESPECIAL Nº 1.231.123 - SP (2011/0003344-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
PROCESSO CIVIL. IMPENHORABILIDADE DE DEPÓSITOS EM CADERNETA DE POUPANÇA. EXISTÊNCIA DE MAIS DE UMA APLICAÇÃO. EXTENSÃO DA IMPENHORABILIDADE A TODAS ELAS, ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS FIXADO EM LEI.
1. O objetivo do novo sistema de impenhorabilidade de depósito em caderneta de poupança é, claramente, o de garantir um mínimo existencial ao devedor, como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. Se o legislador estabeleceu um valor determinado como expressão desse mínimo existencial, a proteção da impenhorabilidade deve atingir todo esse valor, independentemente do número de contas-poupança mantidas pelo devedor.
2. Não se desconhecem as críticas, "de lege ferenda", à postura tomada pelo legislador, de proteger um devedor que, em lugar de pagar suas dívidas, acumula capital em uma reserva financeira. Também não se desconsidera o fato de que tal norma possivelmente incentivaria os devedores a, em lugar de pagar o que devem, depositar o respectivo valor em caderneta de poupança para burlar o pagamento.
Todavia, situações específicas, em que reste demonstrada postura de má-fé, podem comportar soluções também específicas, para coibição desse comportamento. Ausente a demonstração de má-fé, a impenhorabilidade deve ser determinada.
3. Recurso especial conhecido e provido.”
Conforme o entendimento da Ministra Nancy Andrighi, no julgado supracitado, a impenhorabilidade dos valores depositados em caderneta de poupança tem como objetivo garantir o mínimo existencial ao devedor, promovendo o princípio da dignidade da pessoa humana, disposto na CF, para que o executado possa contar com um numerário mínimo que lhe garanta uma subsistência digna.
Há muitas críticas na doutrina sobre o fato do legislador ter optado por proteger os valores depositados em caderneta de poupança do executado em lugar de utilizá-los para pagar os credores, pois se presume que o devedor que tem a possibilidade de realizar investimentos, não esteja em situação de não possuir o mínimo para subsistência de sua família, no entendimento adotado pelo festejado escritor Cândido Rangel Dinamarco (2007) considerar “impenhoráveis esses bens, de forma absoluta, salvo para fins de prestação alimentícia, é permitir enriquecimento ilícito do devedor e o correspondente empobrecimento do credor”.
Mas diante da letra cristalina da lei, o posicionamento apresentado trata-se de uma corrente minoritária, conforme explica a Ministra Nancy Andrighi:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.231.123 - SP (2011/0003344-6)
“PROCESSO CIVIL. IMPENHORABILIDADE DE DEPÓSITOS EM CADERNETA DE POUPANÇA. EXISTÊNCIA DE MAIS DE UMA APLICAÇÃO. EXTENSÃO DA IMPENHORABILIDADE A TODAS ELAS, ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS FIXADO EM LEI.
[...] Não se desconhece as críticas, "de lege ferenda", à postura tomada pelo legislador, de proteger um devedor que, em lugar de pagar suas dívidas, acumula capital em uma reserva financeira. Também não se desconsidera o fato de que tal norma possivelmente incentivaria os devedores a, em lugar de pagar o que devem, depositar o respectivo valor em caderneta de poupança para burlar o pagamento. Todavia, situações específicas, em que reste demonstrada postura de má-fé, podem comportar soluções também específicas, para coibição desse comportamento. Nas hipóteses em que a má-fé não esteja demonstrada, contudo - como ocorre nos autos - não resta ao judiciário outra alternativa senão a da aplicação da Lei.”

Como se observa o legislador realmente optou por garantir ao devedor o mínimo para a preservação de sua dignidade em face da pretensão do exequente, mas diante do perigoso instrumento que se tornou a conta poupança, devido a atitude de devedores mal intencionados, que em busca da proteção da impenhorabilidade, transferem todos os seus recursos de forma fraudulenta para esse tipo de investimento, boa parte da doutrina e jurisprudência tem-se posicionado no sentido de que apenas as quantias que tenham sido depositadas na caderneta de poupança antes do momento do inadimplemento da obrigação assumida estão acobertadas pelo manto da impenhorabilidade.
Desta forma, esse posicionamento precavido busca inibir os atos fraudulentos do executado, conforme explica os professores Bruno Garcia Redondo e Mário Vitor Suarez Lojo (2007. p.117):
“Para que a proteção legal de impenhorabilidade de caderneta de poupança não se transforme em incentivo ao inadimplemento, devem-se considerar como impenhoráveis apenas as quantias que tenham sido depositadas na caderneta antes do momento da constituição da obrigação inadimplida. Ou seja, é necessário que o magistrado verifique a data dos depósitos na caderneta, para que sejam impenhoráveis apenas os valores depositados antes obrigação inadimplida ter sido contraída. Caso contrário, bastaria ao executado, em ato fraudulento, transferir recursos de sua conta-corrente pra uma conta de poupança e, com isso, livrar da iminência da penhora uma quantia de até 40 salários mínimos que estivesse depositada em sua conta-corrente, o que não pode ser admitido.”

A jurisprudência também já se manifestou neste sentido:
“Processo 4000436-42.2013.8.26.0451 - Execução de Título Extrajudicial - Contratos Bancários - Banco do Brasil S/A - MAGNA - ASSESSORIA E COLSULTORIA DE QUALIDADE LTDA - - MARIA TEREZA ZAMPIERI - - RODRIGO CASTELLOTTI BARBOSA - Vistos. Fls. 113/116: 1. É cediço que o art. 649, X, do Código de Processo Civil foi elaborado para proteger os cidadãos de baixa renda que tenham conseguido amealhar uma reserva monetária de até 40 (quarenta) salários mínimos e que a tenham colocado no mais popular dos investimentos: a poupança. Para evitar que o mencionado artigo seja usado maliciosamente por pequenos devedores, que poderiam transferir suas reservas monetárias para conta poupança após o início da execução, tornando-as intangíveis para o feito executivo, a doutrina tem sustentado que a impenhorabilidade da conta poupança exige que tenha sido aberta antes do surgimento do crédito executado. Nesse sentido: “deve ser considerada impenhorável a quantia existente em caderneta de poupança antes do momento da constituição da obrigação inadimplida” (Curso de Direito Processual Civil Execução Fredie Didier Jr. e outros 1ª ed. ed. Jus Podivm, 2009, v.5, p. 565). Se assim não o fosse, estaria instituída “carta branca” para a fraude, eis que a mera transferência de valores pelo devedor, de sua conta-corrente para uma conta-poupança, bastaria para livrar-se da iminência de uma penhora no montante de até 40 (quarenta) salários mínimos. Diante disso, concedo à executada prazo de 5 (cinco) dias para que comprove a data de abertura de sua conta poupança, sob pena de manutenção da constrição. 2. Comprovado pela executada que o valor bloqueado e transferido de sua conta corrente possui natureza alimentar e, portanto, é impenhorável nos termos do artigo 649, IV, do CPC (fls. 118/120), defiro o levantamento de referida quantia (R$ 2.186,04), expedindo-se MLJ.”
  Portanto, depósitos realizados em conta poupança do executado posteriormente a constituição da obrigação inadimplida, caracterizam atos fraudulentos, e obviamente não podem ter a proteção da lei.  
   Ressalta-se ainda que, imbuídos de má-fé, muitos devedores utilizam-se do depósito de seus valores em conta poupança para se esquivarem do adimplemento de sua obrigação, ludibriando o sistema e a finalidade protetiva que o legislador pretendeu ao salvaguardar a poupança, como forma de dar especial atenção a esse investimento popular e aos pequenos poupadores.
 A utilização da conta poupança com a realização de constantes depósitos, saques e pagamentos de contas corriqueiras, com nítido caráter circulatório, desvirtua a sua finalidade para uma verdadeira conta corrente, fato que enseja a constrição do numerário nela existente. 
Sobre o tema, confira-se o julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:
(20070020132022AGI, Relator MARIA BEATRIZ PARRILHA, 4ª Turma Cível, julgado em 19/12/2007, DJ 10/01/2008 p. 1150)
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA ON LINE. DESBLOQUEIO DE VALORES EM POUPANÇA. IMPOSSIBILIDADE. DESVIRTUAMENTO EM CONTA-CORRENTE. CABIMENTO. PENHORA DE LIMITE DE VALOR DA CONTA-SALÁRIO. MITIGAÇÃO DA REGRA DA IMPENHORABILIDADE.
01. O desbloqueio de penhora on-line efetuada via BACEN/JUD sobre conta-poupança de devedor somente pode ser autorizado quando não houver indícios de desvirtuamento da mesma como conta-corrente, utilizada para movimentação financeira.
02. A jurisprudência, assim como a doutrina, vem mitigando a impenhorabilidade de valores em conta-salário, permitindo-se a penhora de parte do numerário, quando não forem localizados outros bens passíveis de constrição.
03. Agravo de Instrumento parcialmente provido.”
Portanto, valores depositados em conta poupança caracterizada como conta-corrente são passíveis de penhora para satisfação do crédito exequente.

Autor
·         Miguel Mendonça de Assis
FONTE: JUS NAVIGANDI
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)
ASSIS, Miguel Mendonça de. Caderneta de poupança e impenhorabilidade. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20n. 428425 mar. 2015. Disponível em: . Acesso em: 27 mar. 2015.

quinta-feira, 26 de março de 2015

FEMINICÍDIO E NEOCOLPOVULVOPLASTIA

FEMINICÍDIO E
NEOCOLPOVULVOPLASTIA.
As implicações legais do conceito de mulher para os fins penais
Publicado em 03/2015. Elaborado em 03/2015.
Deve-se identificar a mulher em sua concepção genética ou cromossômica, e não pelo aspecto psicológico ou pelo nome civil.
Problematização I: Tício fez um procedimento cirúrgico denominado neocolpovulvoplastia alterando genitália masculina para feminina, ato contínuo, Tício, através de uma ação judicial, muda seu nome para Tícia e, consequentemente, todos seus documentos são alterados. Posteriormente, em uma discussão motivada pela opção sexual de Tícia, Seprônio disparou 05 tiros, assassinando-a.
Pergunta-se: Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora do inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de gênero)?  
Problematização II: Tícia, entendendo que psicologicamente é do sexo masculino, interpõe ação judicial e, muda seu nome para Tício, consequentemente, todos seus documentos são alterados. Posteriormente, em uma discussão motivada pela opção sexual de Tício, Seprônio disparou 05 tiros, assassinando-o.
Pergunta-se: Considerando que a vítima é biologicamente mulher, mas foi registrada como Tício, Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora do inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de gênero)?  
Problematização III: Tício, tem dois órgãos genitais, um feminino e outro masculino. O órgão genital biologicamente prevalente é o masculino. Certo dia, em uma discussão motivada pela condição sexual de Tício, Seprônio disparou 05 tiros, assassinando-o.
Pergunta-se: Considerando que a vítima também tem um órgão genital feminino, Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora do inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de gênero)?  

1.A NEOCOLPOVULVOPLASTIA E O FEMINICÍDIO
A cirurgia de redesignação sexual ou de transgenitalização consiste nos procedimentos cirúrgicos denominados neocolpovulvoplastia e neofaloplastia. Ela permite a mudança do aparelho sexual importando apenas em alterações estéticas e não genéticas. A neocolpovulvoplastia é a mudança da genitália masculina para feminina; consiste, basicamente, em duas etapas: na primeira, o pênis é amputado e são retirados os testículos do paciente e, em seguida, faz-se uma cavidade vaginal; a segunda etapa é marcada pela constituição plástica: com a pele do saco escrotal são formados os lábios vaginais. A operação inversa, ou seja, a transformação do aparelho masculino para feminino se denomina neofaloplastia, mas ela está autorizada pela mencionada Resolução, ainda a título experimental, tendo em vista as dificuldades técnicas ainda presentes para a obtenção de bom resultado tanto no aspecto estético e funcional destas. [1]

2.O CONCEITO JURÍDICO DE MULHER PARA CARACTERIZAÇÃO DO FEMINICÍDIO
Tema muito novo, mas já antecipo que haverá 03 (três) posições, pois a doutrina vai elaborar 03 (três) critérios para identificar a mulher com escopo de aplicar a qualificadora do feminicídio.
1º posição: o critério psicológico.
Haverá defesa no sentido de identificar como mulher toda aquela em que o psíquico ou o aspecto comportamental é feminino.
Adotando-se esse critério, matar alguém que fez o procedimento de neocolpovulvoplastia ou que psicologicamente acredita ser uma mulher enseja aplicação da qualificadora do feminicídio.
2º posição: o critério jurídico cível.
O amigo Rogério Greco[2], comentando o crime de estupro, defende que deve ser considerado o sexo que consta no registro civil, in verbis:
Entendemos que, nesse caso, se a modificação se der tão-somente no documento de identidade, com a simples retificação do nome, aquela pessoa ainda deverá ser considerada pertencente ao gênero masculino, não sendo, pois, passível de ser considerada vítima do delito de estupro.  No entanto, se houver determinação judicial para a modificação do registro de nascimento, alterando-se o sexo do peticionário, teremos um novo conceito de mulher, que deixará de ser natural, orgânico, passando, agora, a um conceito de natureza jurídica, determinado pelos julgadores.
3º posição: o critério biológico.
Entendo que deve ser sempre considerado o critério biológico, ou seja, identifica-se a mulher em sua concepção genética ou cromossômica. Neste caso, como a neocolpovulvoplastia altera a estética, mas não a concepção genética, não será possível a aplicação da qualificadora do feminicídio.
O critério biológico identifica homem ou mulher pelo sexo morfológico, sexo genético e sexo endócrino: a) sexomorfológico ou somático resulta da soma das características genitais (órgão genitais externos, pênis e vagina, e órgãos genitais internos, testículos e ovários) e extragenitais somáticas (caracteres secundários – desenvolvimento de mamas, dos pêlos pubianos, timbre de voz, etc.); b) sexo genético ou cromossômico é responsável pela determinação do sexo do indivíduo através dos genes ou pares de cromossomos sexuais (XY – masculino e XX - feminino) e; c) sexo endócrino é identificado nas glândulas sexuais, testículos e ovários, que produzem hormônios sexuais (testosterona e progesterona) responsáveis em conceder à pessoa atributos masculino ou feminino. [3]
O grande problema de usarmos o critério psicológico para conceituar “mulher” é que o mesmo é formado pela convicção íntima da pessoa que entende pertencer ao sexo feminino, critério que pode ser, diante do caso concreto subjetivo, algo que não é compatível com o direito penal moderno.
O critério jurídico cível, data venia, também não pode ser aplicado, pois as instâncias cível e penal são independentes, assim a mudança jurídica no cível representaria algo que seria usado em prejuízo do réu, afrontando o princípio da proibição da analogia in malam partem, o corolário da legalidade proíbe a adequação típica “por semelhança” entre fatos.
Ademais, o legislador, mesmo sabendo que existem outros gêneros sexuais, não incluiu os transexuais, homossexuais e travestis, sendo peremptório ao afirmar:
Considera-se que a há razões de gênero quando o crime envolve: “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

3. HERMAFRODITAS E O FEMINICÍDIO: 
Também chamadas de intersexuais ou sexo dúbio, são pessoas que possuem órgãos sexuais dos dois sexos. Usando o critério biológico, entendemos que a qualificadora do feminicídio só pode ser aplicado se o órgão feminino for prevalente.
AD CONCLUSIO
Vítima homossexual ou o travesti: não haverá feminicídio, considerando que o sexo biológico continua sendo masculino.
Vítima lésbica:  haverá feminicídio, considerando que o sexo biológico sendo feminino.
Vítima transexual que realizou o procedimento de neocolpovulvoplastia: não haverá feminicídio, considerando que sob os aspectos morfológico, genético e endócrino continua sendo do sexo masculino.
Vítima hermafrodita: pode haver feminicídio, dependendo da análise do sexo biológico prevalente.

Autor
Promotor de Justiça Criminal, Promotor de Justiça Eleitoral, Mestre em Direito (Ordem Jurídica Constitucional), Especialista em Direito Penal e processo penal, ex-professor universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF, Membros efetivo do GNMP (Grupo Nacional do Ministério Público). Colunista da Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Palestrante em diversos congressos no Brasil. Autor de diversos artigos em revistas especializadas. Professor do curso on line “eu vou passar” (www.euvoupassar.com.br). Colunista do Blog Concurseiro Guerreiro. Colunista do Blog AD (Atualidades do Direito), coordenação: Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini. Colunista da Revista Eletrônica Jus Navigandi.

Fonte: Jus Navigandi.