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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

 

Opinião

Condomínios edilícios e Lei Geral de Proteção de Dados: dois casos práticos

Por 

FONTE CONJUR
 
   

O saudoso mestre Sylvio Capanema, nas suas ricas e encantadoras palestras, gostava de dizer que o diabo está sempre presente nos conflitos humanos. Na maioria das vezes, porém, sua presença se dá por meio de representantes. Mas, quando a confusão ocorre nos condomínios, o capiroto faz questão de comparecer pessoalmente.

 

 

Quem milita na área sabe quão verdadeira é a anedota.

Pois bem. Foi nesse ambiente condominial tumultuado que tivemos a oportunidade de testar a Lei nº 13.709/2018, chamada de Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), ao responder recentemente a duas consultas jurídicas formuladas por dois condomínios distintos.

O primeiro caso era de um casal de condôminos em que a esposa solicitou à administração o fornecimento de imagens do marido registradas pelo circuito interno de TV na noite anterior. Motivo: ela havia chegado de viagem e estava desconfiada de que fora traída por ele dentro da residência enquanto estava fora. Queria checar, enfim, quem teria eventualmente estado no apartamento com seu esposo.

A segunda situação foi de uma briga entre moradores, vizinhos de porta, que chegou às vias de fato na entrada de um dos apartamentos. Os moradores agredidos, marido e mulher, exigiram que a administração lhes entregasse, para fins de instrução dos procedimentos criminais e cíveis cabíveis, uma série de informações dos moradores agressores e do proprietário do imóvel por eles ocupado (nomes, identidades, CPFs, endereços, e-mails, filmagens das câmeras internas, bem como histórico de reclamações, infrações e multas condominiais aplicadas aos agressores anteriormente).

As perguntas que as administrações condominiais nos fizeram em ambos os casos foi a mesma: segundo as normas aplicáveis, o condomínio deveria ou não repassar esses dados pessoais aos condôminos solicitantes?

A questão jurídica preliminar foi saber se o condomínio poderia ser enquadrado como "controlador", nos termos da LGPD, ou seja, o agente que realiza tratamento de dados pessoais, como coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, eliminação, modificação, comunicação ou transferência de informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável. Embora realize tratamento de dados pessoais de condôminos, visitantes, empregados e demais frequentadores do prédio, o condomínio não ostenta personalidade jurídica, de acordo com a tradição da civilística brasileira. E a letra do inciso VI do artigo 5º da LGPD define o controlador como a "pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado", que realiza tratamento de dados. Além disso, o condomínio não exerce atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços no mercado, de modo que não possui "faturamento", base de cálculo das multas pecuniárias previstas na LGPD (artigo 52, II e III). O condomínio também não se encaixa em nenhuma das exceções do artigo 4º, a excluir a incidência da LGPD quando o tratamento de dados pessoais seja realizado por pessoa natural, com objetivos particulares e não econômicos ou finalidade jornalística, artística, acadêmica, de segurança pública, defesa nacional e atividades de investigação e repressão de infrações penais.

Mesmo assim, entendemos por aplicar a LGPD. A situação de o condomínio ser ou não uma pessoa jurídica tem sido debatida no âmbito doutrinário. O enunciado n° 246 da III Jornada de Direito Civil, por exemplo, preconiza que "deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício". Nada obstante a polêmica, restrita às tertúlias acadêmicas e sem maiores repercussões práticas na jurisprudência, nos parece que a melhor interpretação da LGPD, na sua busca final pela maior efetividade da proteção de dados, pede uma leitura ampliativa do conceito legal de controlador, que não pode ficar formalmente restrito à "pessoa jurídica" e deve, além dela, encampar organismos que não são juridicamente personificados, como as universalidades de fato e de direito, previstas, respectivamente, nos artigos 90 e 91 do Código Civil. Como exemplo da primeira universalidade (de fato), pode ser citada a sociedade em comum (ou irregular) e, da segunda (de direito), a massa falida, o espólio e o próprio condomínio, todos com aptidão para tratar dados pessoais. Portanto, para fins de enquadramento da entidade ou do órgão como controlador, a verificação do exercício concreto da atividade de tratamento de dados aparece como um fator muito mais importante do que a simples existência ou não de personalidade jurídica. Preferimos, portanto, ao invés de forçar a barra para incluir o condomínio como pessoa jurídica, visualizá-lo como aquilo que ele sempre foi para o Direito Civil: uma universalidade de direito, organização que, embora despersonalizada, reúne em si um complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico, funcionando como um verdadeiro centro autônomo titular de direitos e obrigações (inclusive com capacidade processual), passível, pois, de ser submetido aos ditames da LGPD.

Quanto à questão da incompatibilidade da aplicação ao condomínio das multas pecuniárias da LGPD, realmente, a base de cálculo de tais penalidades é o "faturamento", inexistente na hipótese do condomínio, que não é empresário nem emite notas fiscais para faturar nada. O condomínio possui "receita", composta pelos valores das cotas e encargos condominiais pagos mensalmente pelos condôminos. Pergunta-se: a métrica da "receita" poderia ser usada em substituição ao "faturamento" para fins sancionatórios da LGPD? Problemático, no campo do Direito punitivo, lançar mão do recurso hermenêutico da analogia para prejudicar a parte. Outra penalidade da LGPD que parece inadequada à figura do condomínio é a publicização da infração (artigo 52, IV). Afinal, qual serventia teria penalizá-lo a publicar em jornal ou na internet a ocorrência de um vazamento de dados? O condomínio não tem uma reputação a zelar perante o mercado. Inexiste, aqui, a imposição de dano reputacional, objeto da norma sancionatória em comento, pensada para ser aplicada às empresas que lidam com tratamento de dados. Por outro lado, em tese seria possível aplicar ao condomínio as sanções legais de obrigação de fazer, como o bloqueio e a eliminação de dados pessoais, assim como as penalidades de suspensão total ou parcial da atividade de tratamento ou do funcionamento de banco de dados (artigo 52, V, VI, X, XI e XII). Seja como for, a regulamentação do regime sancionador da LGPD aplicável aos condomínios edilícios é um tema com o qual a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) tem encontro marcado.

Portanto, visto que o condomínio reúne condições de ser facilmente atraído para o campo de incidência normativa de boa parte da LGPD, sobretudo no que tange à responsabilização civil, vamos à análise propriamente dita dos casos concretos já citados.

À luz da LGPD, como a administração condominial deve proceder diante de uma moradora que solicita imagens do circuito interno de TV de outro morador, seu marido, para fins de checar eventual prática de adultério por parte dele? Recomendamos que a base legal para o atendimento dessa delicadíssima solicitação fosse o artigo 7º, I, o qual prevê a necessidade de consentimento expresso do próprio titular do dado, isto é, o cônjuge da moradora. A entrega direta das imagens à moradora expõe o condomínio, enquanto controlador e guardião do sigilo informacional, à infringência da privacidade do outro morador, que poderá vir a responsabilizar civilmente o condomínio, na forma dos artigos 42 a 45 da LGPD. Também abordamos a aplicação dos princípios legais da finalidade, adequação e necessidade no tratamento dos dados (artigo 6º, I, II, III), ao defender que, em cumprimento à LGPD, todas as gravações de imagens do circuito interno de TV do condomínio são captadas, armazenadas e transmitidas em função compatível com o fim único de auxiliar na segurança pessoal e patrimonial dos condôminos, e não para investigações conjugais. A moradora acabou se conformando com a justificativa. A aquiescência do seu marido, por razões óbvias, nunca veio e, ao menos no campo condominial, o caso foi encerrado.

Vejamos, agora, o episódio da briga de vizinhos que motivou os condôminos agredidos a exigirem do condomínio dados pessoais dos moradores agressores e do proprietário da unidade por eles ocupada. A finalidade alegada era para que essas informações fossem usadas em procedimentos e ações criminais e cíveis. A demanda foi endereçada da seguinte forma: em relação ao fornecimento do histórico de reclamações de outros condôminos contra os agressores, a administração franqueou vistas do livro de reclamações e sugestões, para que os agredidos verificassem eventuais registros de queixas contra os agressores, podendo extrair cópias. A permissão de compartilhamento desses dados, pelo condomínio, se deu com apoio no §4º do artigo 7º da LGPD, conquanto as informações lançadas no livro de reclamações são tornadas públicas por seus próprios titulares dentro da comunidade condominial, sendo de livre acesso a todos os moradores interessados. Já as exigências que implicam divulgação de dados pessoais dos agressores e do proprietário da unidade por eles ocupada, somente poderiam ser licitamente reveladas aos condôminos ofendidos, pelo condomínio, mediante consentimento dos respectivos titulares (artigo 7º, I). O mesmo se diga da entrega de relatório com infrações e multas anteriormente aplicadas aos moradores agressores, o qual também encerra veiculação de informações personalíssimas que o condomínio, na qualidade de controlador, possui o dever de manter em sigilo (artigo 37 da LGPD), sob pena de violação a direitos de privacidade e intimidade dessas pessoas e da consequente responsabilização civil do condomínio, conforme artigos 42 a 45 da LGPD.

Como alternativa, a administração fez questão de ressaltar aos condôminos solicitantes que as informações dos moradores agressores e do proprietário do apartamento também poderiam ser reveladas após requisição de autoridade policial ou judicial, a quem os dados pessoais seriam diretamente encaminhados pelo condomínio. Na hipótese de atividades de investigação e repressão de infrações penais, não se aplica a LGPD (artigo 4º). E foi exatamente isso que ocorreu na espécie, tendo o condomínio recebido ofício da delegacia de polícia e fornecido os dados pessoais dos condôminos agressores que foram solicitados pela autoridade policial. Em matéria de jurisdição civil, sabe-se que o juiz pode ordenar que terceiro exiba documento ou coisa que se ache em seu poder (CPC, artigo 396), prerrogativa essa decorrente da regra de que ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade (CPC, artigo 378). Logo, se o condomínio for oficiado numa ação cível movida pelos condôminos agredidos contra os moradores agressores e o proprietário da unidade, não há dúvidas de que compartilhará todos os dados deles que tiver em seus arquivos, se assim for determinado pelo juiz. Na ótica da LGPD, a licitude dessa transmissão de informações pessoais repousa no artigo 7º, II (cumprimento de obrigação legal pelo controlador).

Caso encerrado? Não. Os condôminos agredidos afirmaram que a administração condominial teria sido omissa no fornecimento de dados pessoais dos moradores agressores e do dono do apartamento. E, como o capeta sempre se faz pessoalmente presente nessas ocasiões, esses condôminos já advertiram que ajuizarão ações indenizatórias por conta disso. Se acontecer mesmo, apenas se espera que o Judiciário entenda que o condomínio não praticou qualquer conduta ilícita, e, sim, agiu no exercício regular de um direito reconhecido (Código Civil, artigo 188, I): o direito de fornecer dados pessoais em conformidade com o artigo 2º, I, e IV da LGPD, ou seja, respeitando a privacidade e garantido a inviolabilidade da intimidade, honra e imagem de seus condôminos.

Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos.

 é advogado e sócio fundador do escritório Prisco, Ottoni e Del Barrio Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 4 de fevereiro de 2021,

TJ-SP nega ingresso da OAB em ação de advogado contra juiz que o prendeu

 

Ação penal privada

TJ-SP nega ingresso da OAB em ação de advogado contra juiz que o prendeu

Por 

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedidos da OAB-SP e da OAB-GO para ingressarem como assistente em ação movida pelo advogado Rodrigo Filgueira Queiroz contra o juiz Vinicius Castrequini Bufulin. 

 
Órgão Especial nega ingresso da OAB em ação contra juiz que prendeu advogado

O advogado teve prisão preventiva decretada pelo juiz por crime de calúnia, após manifestações em uma petição, e ficou detido na Penitenciária de Presidente Venceslau, mas não em uma sala do Estado Maior. O caso foi tema de uma reportagem da ConJur de dezembro de 2019 e agora está prestes a ser julgado pelo Órgão Especial.

Em agravos regimentais, as duas seccionais da Ordem defenderam o direito de intervir como assistente nos processos criminais em que o advogado figure como ofendido, como no caso em questão. No entanto, por unanimidade, o Órgão Especial não conheceu dos agravos. 

O relator, desembargador Xavier de Aquino, que já havia negado o ingresso das seccionais nos autos, citou o artigo 273 do Código de Processo Penal que estabelece que, "do despacho que admitir, ou não, o assistente não caberá recurso, devendo, entretanto, constar dos autos o pedido e a decisão".

"Diante da expressa vedação contida no bojo do artigo 273 do Código de Processo Penal, que não comporta interpretação outra que não a inadmissibilidade de recursos contra a decisão que indefere o pedido de habilitação de assistente em ações como tal, observando-se, ademais, que houve promoção de arquivamento na ação penal que deu ensejo à presente subsidiária, incognoscível a pretensão aqui ofertada", disse.

O argumento de Aquino para ter negado, de forma monocrática, os pedidos das seccionais é de que a assistência só é possível na ação penal de iniciativa pública incondicionada, em que o seu titular é o Ministério Público: "Como a lei não se referiu à ação penal privada, não é cabível a assistência".

Ações no Órgão Especial
O advogado move uma ação penal e uma queixa-crime por calúnia, injúria e difamação contra o magistrado que o prendeu. A OAB-GO também pediu o ingresso nos autos da queixa-crime. O próprio Rodrigo Filgueira Queiroz também insistiu no ingresso da seccional de Goiás. Novamente, os pedidos foram negados.

Os dois processos seriam julgados na sessão de 27 de janeiro do Órgão Especial. O advogado pediu para fazer sustentação oral, mas estava sem paletó, apenas de camisa social e gravata. O presidente do TJ-SP, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, pediu que ele colocasse um paletó.

Queiroz disse que não tinha a peça de roupa naquele momento e, portanto, a sustentação foi indeferida naquela sessão. O julgamento foi adiado para esta quarta-feira (3/2), mas as ações acabaram retiradas de pauta para cumprimento de despacho. 

2218816-17.2020.8.26.0000/50003
2218816-17.2020.8.26.0000/50000
2169602-57.2020.8.26.0000/50001

FONTE CONJUR



 

Princípio da insignificância: conceito e aplicabilidade


Olá, pessoal, tudo bem?

Segue mais um artigo para vocês.

Primeiramente é importante ressaltar que o princípio da insignificância não decorre de lei, ou seja, não está previsto na legislação. Trata-se, pois, de construção doutrinária e jurisprudencial visando criar um posicionamento quanto à interpretação das condutas consideradas “insignificantes” aos olhos do julgador.

O professor Victor Eduardo Rios Gonçalves, em sua obra Curso de Direito Penal assim conceitua referido princípio:

“De acordo com o princípio da insignificância, o direito penal não deve se ocupar de comportamentos que provoquem lesões ínfimas aos bens jurídicos. Assim, os comportamentos que produzam danos ou perigos irrisórios devem ser considerados atípicos pelo julgador ``. (2018, p. 62).

O princípio da insignificância, caso seja aplicado ao réu no processo criminal, tem o condão de afastar a tipicidade material do delito.

Dessa forma, temos que o fato praticado deixa de ser considerado crime e, por consequência, o suposto transgressor teria decretada a sua absolvição e não somente a redução da pena ou algo parecido.

A tipicidade penal é um dos elementos do crime. Quando ausentes um dos elementos do crime, nos estudos de teoria geral do crime, não há que se falar em punição penal, mormente quando se trata de tipicidade. Se aplicada a insignificância, o fato deixa de ser ilícito.

Aqui, necessário se faz distinguir a tipicidade formal e material. A primeira é a perfeita adequação da conduta humana à norma penal prevista no tipo legal.

Já no que diz respeito à tipicidade material, há que se levar em consideração o agravo social da conduta. É neste ponto que o princípio da insignificância pode ser aplicado.

Exige-se, então, que a ação perpetrada pelo réu tenha possibilidade da existência de uma exposição de terceiros ao risco da ação, de cometer uma lesão ou provocar alguma lesão significativa ao bem jurídico tutelado.

Entretanto, o princípio da insignificância não pode ser aplicado a torto e direito. Há requisitos que necessitam ser preenchidos, quais sejam:

i. inexpressividade da lesão jurídica cometida;

ii. nenhuma periculosidade social decorrente da ação;

iii. mínima ofensividade da conduta do agente;

iv. baixo grau de reprovabilidade da conduta;

Com o preenchimento concomitante dos requisitos cantados acima, torna-se plausível a aplicação do referido princípio, concedendo ao réu a absolvição por atipicidade material.

A título de ilustração acrescento algumas decisões dos tribunais pátrios a respeito do tema:

FURTO QUALIFICADO. AUTORIA E MATERIALIDADE. BEM JURÍDICO INEXPRESSIVO. RESTITUIÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ABSOLVIÇÃO. Ainda que comprovadas a materialidade e a autoria, configura-se atípica, pela insignificância penal, a subtração de bens cujos valores não tiveram repercussão no patrimônio da vítima, máxime quando a totalidade da res furtiva lhe foi restituída, caso em que o réu deve ser absolvido. (Apelação nº 0050054-28.2007.8.22.0004, 1ª Câmara Criminal do TJRO, Rel. Valter de Oliveira. j. 27.10.2011, unânime, DJe 07.11.2011).

EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL - TENTATIVA DE FURTO - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - PROVIMENTO. Primeiramente observo que o réu não é habitual na prática de delito, pois não possui antecedentes criminais, conforme se verifica da certidão. Considerando que o direito penal deve ser a ultima ratio, sua utilização deve resumir-se à proteção de bens jurídicos relevantes, quando houver lesividade expressiva à sociedade. No caso presente, tratando-se de conduta com ofensividade mínima, deve ser aplicado o princípio da insignificância para afastar a tipicidade e absolver o embargante, nos termos do art. 386, III, do CPP. (Embargos Infringentes em Apelação Criminal - Reclusão nº 2010.032380-6/0001-00, Seção Criminal do TJMS, Rel. Dorival Moreira dos Santos. maioria, DJ 21.06.2011).

APELAÇÕES CRIMINAIS - FURTO QUALIFICADO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICAÇÃO - POSSIBILIDADE - CONDUTA ATÍPICA - RECURSOS PROVIDOS. Verificando-se o ínfimo valor da res furtiva, necessário reconhecer que não houve lesão ao bem juridicamente protegido, sendo, assim, aplicável o princípio da insignificância que, mesmo não estando expresso no ordenamento jurídico pátrio, pode ser considerado como causa supralegal de exclusão da tipicidade. (Apelação Criminal nº 5200674-10.2009.8.13.0145, 4ª Câmara Criminal do TJMG, Rel. Herbert Carneiro. j. 11.05.2011, unânime, Publ. 01.06.2011).

ESTELIONATO. TIPICIDADE FORMAL. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ATIPICIDADE MATERIAL. CRIME NÃO CONFIGURADO. Embora a conduta do agente se amolde formalmente ao crime de estelionato, ausente se encontra na hipótese a tipicidade material, que consiste na efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, pelo que não há falar em crime. (Apelação Criminal nº 0211666-89.2006.8.13.0026, 7ª Câmara Criminal do TJMG, Rel. Duarte de Paula. j. 06.10.2011, maioria, Publ. 21.10.2011).

APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. ART. 155, §§ 1º E , DO CÓDIGO PENAL. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES STF. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO, À UNANIMIDADE. 1. O princípio da insignificância permite afastar a tipicidade material de condutas que causam ínfima lesão ao bem jurídico protegido, como os furtos de objetos de valores irrisórios. 2. A aplicação desse princípio deve atender a quatro requisitos estabelecidos pela jurisprudência do STF: mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. Apelação Criminal desprovida, unanimemente. (Apelação nº 0240971-0, 1ª Câmara Criminal do TJPE, Rel. Roberto Ferreira Lins. j. 02.08.2011, unânime, DJe 15.08.2011).

Dessa forma, caso a defesa se depare com uma situação em que a conduta do réu, somadas às provas colhidas nos autos, possa se adequar ao que foi narrado neste artigo, deverá suscitar a tese de absolvição por atipicidade material ante a existência de crime de bagatela.

Por hoje é isso, pessoal. Espero que gostem.

Forte abraço.

Escrito em 03/02/2021.

João Gabriel Desiderato Cavalcante, Advogado criminalista, pós-graduado em advocacia criminal, pós-graduado em perícia criminal, consultor em direito e processo penal.

14 Comentários

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Excelente reflexão nobre causidico.

"De minimis non curat praetor" preceito bimilenar, simplifica a prolixidade jurídico comprobatória.

CP
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

§ 2º - Se o criminoso é primário , e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Vc. não acredita que neste parágrafo está a origem do princípio da significância ?

Boa tarde, Ataíde. Agradeço o comentário e digo que todas as manifestações são bem-vindas, pois engrandecem o debate.

Alguns pontos do artigo citado por você são parecidos com os requisitos para a aplicação do princípio da insignificância, mas divergem em outros pontos.

O artigo 155, § 2º é uma causa especial de redução da pena, ou seja, ainda assim haverá uma condenação, ao passo que no princípio da insignificância ocorre a absolvição por atipicidade material.

Mas a construção doutrinária e jurisprudencial levam em consideração os itens mencionados no referido artigo.

Forte abraço.

Matéria excelente, para o profissional militante na área, ratifico excelente. Abs.

Tal princípio não contraria a Teoria das Janelas Quebradas, da qual decorre a Tolerância Zero?

TOTALMENTE. Claro que eu entendo que há pessoas que passam necessidade, mas o problema é lembrar que há uma vítima que não tem nada haver com isto. O problema é que de insignificância em insignificância uma loja quebra e os criminosos não são punidos, afinal, foi tudo insignificante.

Será insignificante o caso do EUSTAQUIO aos olhos dessa lei ????

Fico me perguntando qual tamanho da insignificância o legislador aceitaria quando propôs a Lei...

Muito bem esclarecido o princípio da insignificância pelo ilustre advogado. Meus parabéns!!!!!
Milton

Excelente, muito agradecida!

Por menos insignificante que seja, o ato de subtrair coisa alheia nunca deixará de ser um crime de lesão ao patrimônio alheio. O ato foi cometido e, embora não cause maiores danos ao lesado (a), o infrator pode cair no erro de acreditar que nunca será punido, podendo a conduta se tornar habitual.

E, lembre-se: se você agir com dignidade, poderá não concertar o mundo; mas haverá na terra um canalha a menos.

Sou uma admiradora do judiciário, uma cidadã brasileira, de origem pobre, leio todos os artigos e todos os comentários sem pretensão nenhuma, embora não entenda de leis e achando pouco educado algumas respostas e publicações por não usarem linguagem compreensiva, o Doutor foi o que me pareceu responder mais sensatamente, estudei muito pouco e algumas (muitas) palavras preciso de consulta a livros (dicionários) para entender, concordo plenamente... muito obrigada por descrever o que penso, já me desculpando por me apossar de sua resposta...
Eliana da Silva França

 

Endereçamento da Petição Inicial: Aprenda de uma vez

 

Endereçamento da Petição Inicial: Aprenda de uma vez

Regras de Competência no Código de Processo Civil



Publicado por Caio Naves


O tema de endereçamento da petição inicial é muito relevante.

Aquelas duas linhas logo no início da petição constando “Excelentíssimo (a) juiz (a) de direito da ___ Vara da Comarca de___” irão nortear o processo. Assim sendo, para escrever corretamente essas duas linhas é preciso ter um conhecimento muito bom a respeito das regras de competência estabelecidas pelo direito processual civil.

Logo no art. 42 do CPC/2015 é dito que “as causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei”. Pois bem.

Esse artigo nos remete às normas de organização judiciárias de cada Estado, bem como às regras de arbitragem trazidas pela Lei nº 9.307/1996.

No que se refere à organização judiciária é importante lembrar que cada Estado possui uma disposição da Varas, estabelecidas primordialmente de acordo como o número de demanda que possui. Por exemplo, em alguma Comarcas pode haver “Vara de Família e Sucessões”, enquanto em outras, tais varas são separadas, existindo as “Varas de Família” e as “Varas de Sucessões”. Essa regra de competência dita em qual juízo o processo seguirá. Isso é organização judiciária.

Por sua vez, as regras de arbitragem tratam da instituição de uma Corte de Arbitragem para resolver um litígio, em detrimento do ajuizamento de uma ação perante o Poder Judiciário. No caso do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, temos a Súmula 45 que trata justamente desse tema. Através dela, ficou estabelecido que em contratos de consumo a cláusula de arbitragem pode ser considerada nula de plano, podendo o consumidor ajuizar a ação perante o Poder Judiciário, sem ter que recorrer à Corte de Arbitragem.

Outra regra de competência importante se refere ao objeto de discussão da ação. Se for bens móveis, devemos seguir algumas regras, se for bens imóveis, seguimos outras. Tudo poder ser visto no art. 46 e 47 do CPC/2015.

Se forem bens imóveis a regra é mais simples. O foro (Comarca) competente para discutir a lide é onde a coisa (bem) estiver situado. Por exemplo, se estamos tratando de uma ação envolvendo direito de propriedade sobre uma casa em Anápolis/GO, é certo que o foro competente para ajuizamento da ação é nesta Comarca.

Se a discussão do processo for bens móveis, temos alguns pormenores. A regra é que a ação deve ser ajuizada no domicílio do réu. Listarei em tópicos para facilitar a visualização das situações fora da regra.

· Réu com mais de um domicílio = ajuíza a ação em qualquer um deles.

· Réu com domicílio incerto ou desconhecido = ajuíza a ação onde ele for encontrado ou no domicílio do autor.

· Mais de 01 Réu = segue a regra geral se a Comarca competente for a mesma.

· Mais de 01 Réu, com domicílios diferentes = ajuíza a ação no foro de qualquer um deles.

Ressalto que existem regras específicas para quando a União ou Estado estão litigando contra particulares. Nesse caso, a ação deve ser ajuizada no foro de domicílio do particular com quem o ente público está litigando, até mesmo por uma questão de poder a facilidade de acompanhamento da ação.

Por fim, no que se refere ao caso específico de causas consumeristas, o Código de Defesa do Consumidor atribuiu proteção aos consumidores por uma questão de hipossuficiência econômica e/ou técnica. Assim, ações dessa natureza podem ser ajuizadas pelos consumidores nas Comarcas onde residem para que seja facilitado o acompanhamento da ação. Isso ocorre até mesmo porque muitas vezes são ações de menor vulto e que podem ser ajuizadas pelo próprio jurisdicionado, sem acompanhamento de advogado.

Gravei um vídeo no YouTube recentemente falando sobre endereçamento da petição inicial e a importância de saber regras de competência. Para acessá-lo, clique aqui. É um vídeo bem direto e interativo para tirar as dúvidas sobre essa matéria. Qualquer dúvida, deixe um comentário que responderei o mais rápido possível.

Para quem advoga ou acompanha um processo é muito importante realizar o endereçamento adequado para evitar atrasar o processo. Muitas vezes, o erro de endereçamento pode ser corrigido, mas isso causa atraso demasiado no processo.

Imagem: GenJurídico.


10 Comentários

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Um ponto interessante a destacar é que, nos termos do artigo 319 do novo Código de processo Civil, a petição deve ser dirigida ao Juízo.

Art. 319. A petição inicial indicará:

I - o juízo a que é dirigida;

Portanto, não se usa mais aquele vocativo que havia no CPC antigo (“Excelentíssimo (a) juiz (a) de direito da ___ Vara da Comarca de___”.
A partir da nova Legislação Civil o vocativo deve ser: Ao Juízo da vara..."

Apesar do "novo" CPC, esta dicção do artigo 319, I é um erro grosseiro do legislador. Veja o nosso comentário no título. Valeu!

Não esquecer que o CPC determina que o endereçamento seja ao Juízo

Art. 319. A petição inicial indicará:

I - o juízo a que é dirigida;

Não mais se dirige ao Juiz

Antes era :

Art. 282. A petição inicial indicará:

I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida;
Abr.

Prezado Doutor, a sua informação está correta, mas isso foi um erro grosseiro do legislador, daqueles estúpidos, veja o nosso comentário no site. Valeu pela observação.

Eu uso, Juízo em vez de Juiz

Dra., mesmo constando do "novo CPC" (nem é tão novo assim), entendo que é um erro usar "juízo".

Boa tarde ! Tenho um processo contra uma concessionária e fabricante de carro com defeitos ocultos,mesmo assim eles enrolam para resolver a questão.Ja fiz de tudo 2 feira deixei o carro lá de vez falei que só busco quando o defeitos forem sanados não aguento mais está penúria.

Parabéns! Excelente artigo, dr Caio! Se me permite, complemento dizendo que a doutrina majoritária entende como competente o foro do local do dano (onde ocorreu o sinistro, por exemplo) em caso de acidentes de trânsito.