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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Jurisprudência: 60 teses do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a Lei de Drogas

 

Jurisprudência: 60 teses do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a Lei de Drogas


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) lançou, nos últimos meses, quatro edições da Jurisprudência em Teses (nºs 45, 60, 123, 126) sobre a Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006). No total, são 60 teses. Confira a seguir os entendimentos fixados pelo STJ:


1) Com o advento da Lei n. 11.343/2006, não houve descriminalização da conduta de porte de substância entorpecente para consumo pessoal, mas mera despenalização.

2) A condenação transitada em julgado pela prática do tipo penal inserto no art. 28 da Lei n. 11.343/06 gera reincidência e maus antecedentes, sendo fundamento legal idôneo para majorar a pena.

3) O princípio da insignificância não se aplica aos delitos de tráfico de drogas e porte de substância entorpecente para consumo próprio, pois trata-se de crimes de perigo abstrato ou presumido.

4) A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas. (Súmula n. 512/ STJ)

5) Reconhecida a inconstitucionalidade da vedação prevista na parte final do §4º do art. 33 da Lei de Drogas, admite-se a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal.

6) A utilização da reincidência como agravante genérica e circunstância que afasta a causa especial de diminuição da pena do crime de tráfico não caracteriza bis in idem.

7) Reconhecida a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990, é possível a fixação de regime prisional diferente do fechado para o início do cumprimento de pena imposta ao condenado por tráfico de drogas, devendo o magistrado observar as regras previstas nos arts. 33 e 59 do Código Penal.

8) É possível a concessão de liberdade provisória nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes.

9) O requisito objetivo necessário para a progressão de regime prisional dos crimes hediondos e equiparados, praticados antes do advento da Lei n. 11.464/07, deve ser o previsto no art. 112 da Lei de Execução Penal, qual seja, 1/6; posteriormente, passou-se a exigir o cumprimento de 2/5 da pena pelo réu primário e 3/5 pelo reincidente.

10) É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis. (Súmula 501/STJ)

11) Para a caracterização do crime de associação para o tráfico é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência.

12) O delito de associação para o tráfico de drogas não possui natureza hedionda.

13) O parágrafo único do art. 44 da Lei n. 11.343/2006 exige o cumprimento de 2/3 da pena para a obtenção do livramento condicional nos casos de condenação por associação para o tráfico (art. 35), ainda que este não seja hediondo, sendo vedado o benefício ao reincidente específico.

14) O § 3º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 traz tipo específico para aquele que fornece gratuitamente substância entorpecente a pessoa de seu relacionamento para juntos a consumirem e, por se tratar de norma penal mais benéfica, deve ser aplicado retroativamente.

15) Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional.(Súmula n. 528/STJ)

16) A natureza e a quantidade da droga não podem ser utilizadas simultaneamente para justificar o aumento da pena-base e afastar a redução prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06, sob pena de caracterizar bis in idem.

17) A causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas só pode ser aplicada se todos os requisitos, cumulativamente, estiverem presentes.

18) O tráfico de drogas é crime de ação múltipla e a prática de um dos verbos contidos no art. 33, caput, é suficiente para a consumação da infração, sendo prescindível a realização de atos de venda do entorpecente.

19) Não é cabível a concessão de indulto ao crime de tráfico de drogas, ainda que tenha sido aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06.

20) A condenação simultânea nos crimes de tráfico e associação para o tráfico afasta a incidência da causa especial de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/06 por estar evidenciada dedicação a atividades criminosas ou participação em organização criminosa.

21) O agente que transporta entorpecente no exercício da função de ”mula” integra organização criminosa, o que afasta a aplicação da minorante estabelecida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06.

22) É possível que a causa de diminuição estabelecida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 seja fixada em patamar diverso do máximo de 2/3, em razão da qualidade e da quantidade de droga apreendida.

23) O juiz pode fixar regime inicial mais gravoso do que aquele relacionado unicamente com o quantum da pena ao considerar a natureza ou a quantidade da droga.

24) A Lei n. 11.343/06 aboliu a majorante da associação eventual para o tráfico prevista no artigo 18, III, primeira parte, da Lei n. 6.368/76.

25) A incidência de mais de uma causa de aumento prevista no art. 40 da Lei n. 11.343/06 não implica a automática majoração da pena acima do mínimo (2/3) na terceira fase, pois a sua exasperação exige fundamentação concreta.

26) O art. 40 da Lei n. 11.343/06 conferiu tratamento mais favorável às causas especiais de aumento de pena, devendo ser aplicado retroativamente aos delitos cometidos sob a égide da Lei n. 6.368/76.

27) Não acarreta bis in idem a incidência simultânea das majorantes previstas no art. 40 aos crimes de tráfico de drogas e de associação para fins de tráfico, porquanto são delitos autônomos, cujas penas devem ser calculadas e fixadas separadamente.

28) Não há bis in idem na aplicação da causa de aumento de pena pela transnacionalidade (art. 40, I, da Lei n. 11.343/06) com as condutas de importar e exportar previstas no caput do art. 33 da Lei de Drogas, porquanto o simples fato de o agente trazer consigo a droga já conduz à configuração da tipicidade formal do crime de tráfico.

29) Configura-se a transnacionalidade do tráfico de drogas com a comprovação de que a substância tinha como destino ou origem outro país, independentemente da efetiva transposição de fronteiras.

30) Para a incidência da majorante prevista no art. 40, V, da Lei n. 11.343/06 é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre estados , sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual.

31) As condutas anteriormente descritas no art. 12, § 2º, III, da Lei n. 6.368/76 foram mantidas pela nova Lei de Drogas, razão pela qual não há que se falar em abolitio criminis.

32) A inobservância do rito procedimental que prevê a apresentação de defesa prévia antes do recebimento da denúncia gera nulidade relativa desde que demonstrados eventuais prejuízos suportados pela defesa.

33) É dispensável a expedição de mandado de busca e apreensão domiciliar quando se trata de flagrante de crime permanente, como é o caso do tráfico ilícito de entorpecentes na modalidade guardar ou ter em depósito.

34) A posse de substância entorpecente para uso próprio configura crime doloso e, quando cometido no interior do estabelecimento prisional constitui falta grave, nos termos do art. 52 da Lei de Execução Penal LEP (Lei n. 7.210/84).

35) A comprovação da materialidade do delito de posse de drogas para uso próprio (artigo 28 da Lei n.11.343/06) exige a elaboração de laudo de constatação da substância entorpecente que evidencie a natureza e a quantidade da substância apreendida.

36) O laudo pericial definitivo atestando a ilicitude da droga afasta eventuais irregularidades do laudo preliminar realizado na fase de investigação.

37) O laudo de constatação preliminar da substância entorpecente constitui condição de procedibilidade para apuração do crime de tráfico de drogas.

38) O crime de financiar ou custear o tráfico ilícito de drogas (art. 36 da Lei n. 11.343/2006) é delito autônomo aplicável ao agente que não tem participação direta na execução do tráfico e que se limita a fornecer os recursos necessários para subsidiar as infrações a que se referem os art. 33, caput e § 1º, e art. 34 da Lei de Drogas.

39) O agente que atua diretamente na traficância e que também financia ou custeia a aquisição de drogas deve responder pelo crime previsto no art. 33, caput, com a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso VII, da Lei n. 11.343/2006, afastando-se, por conseguinte, a conduta autônoma prevista no art. 36 da referida legislação.

40) O crime de colaboração com o tráfico, art. 37 da Lei n. 11.343/2006, é um tipo penal subsidiário em relação aos delitos dos arts. 33 e 35 e tem como destinatário o agente que colabora como informante, de forma esporádica, eventual, sem vínculo efetivo, para o êxito da atividade de grupo, de associação ou de organização criminosa destinados à prática de qualquer dos delitos previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei de Drogas.

41) O rol previsto no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 não deve ser encarado como taxativo, pois o objetivo da lei é proteger espaços que promovam a aglomeração de pessoas, circunstância que facilita a ação criminosa.

42) A causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas possui natureza objetiva e se aplica em função do lugar do cometimento do delito, sendo despicienda a comprovação efetiva do tráfico ou de que o crime visava a atingir os frequentadores desses locais.

43) A incidência da majorante prevista no art. 40, inciso III, da Lei n 11.343/2006 pode ser excepcionalmente afastada na hipótese de não existir nenhuma indicação de que houve o aproveitamento da aglomeração de pessoas ou a exposição dos frequentadores do local para a disseminação de drogas, verificando-se, caso a caso, as condições de dia, local e horário da prática do delito.

44) Para a caracterização da causa de aumento de pena do art. 40, inciso III, da Lei n. 11.343/2006, é necessária a efetiva oferta ou a comercialização da droga no interior de veículo público, não bastando, para a sua incidência, o fato de o agente ter se utilizado dele como meio de locomoção e de transporte da substância ilícita.

45) A incidência da majorante da segunda parte do inciso III do art. 18 da Lei n. 6. 368/1976 – “visar [o crime] a menores de 21 (vinte e um) anos” -, segue contemplada no art. 40, inciso VI, da nova Lei de Drogas – “sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente” -, não restando configurada a abolitio criminis.

46) O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente. (Súmula n. 492/STJ)

47) Configura ofensa ao princípio da proteção integral a aplicação de medida de semiliberdade ao adolescente pela prática de ato infracional análogo ao crime previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006.

48) O crime de uso de entorpecente para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do juizado especial estadual, já que ele não está previsto em tratado internacional e o art. 70 da Lei de Drogas não o inclui dentre os que devem ser julgados pela justiça federal.

49) A conduta prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 admite tanto a transação penal quanto a suspensão condicional do processo.

50) O crime de financiar ou custear o tráfico ilícito de drogas (art. 36 da Lei n. 11.343/2006) é delito autônomo aplicável ao agente que não tem participação direta na execução do tráfico e que se limita a fornecer os recursos necessários para subsidiar as infrações a que se referem os art. 33, caput e § 1º, e art. 34 da Lei de Drogas.

51) O agente que atua diretamente na traficância e que também financia ou custeia a aquisição de drogas deve responder pelo crime previsto no art. 33, caput, com a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso VII, da Lei n. 11.343/2006, afastando-se, por conseguinte, a conduta autônoma prevista no art. 36 da referida legislação.

52) O crime de colaboração com o tráfico, art. 37 da Lei n. 11.343/2006, é um tipo penal subsidiário em relação aos delitos dos arts. 33 e 35 e tem como destinatário o agente que colabora como informante, de forma esporádica, eventual, sem vínculo efetivo, para o êxito da atividade de grupo, de associação ou de organização criminosa destinados à prática de qualquer dos delitos previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei de Drogas.

53) O rol previsto no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 não deve ser encarado como taxativo, pois o objetivo da lei é proteger espaços que promovam a aglomeração de pessoas, circunstância que facilita a ação criminosa.

54) A causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas possui natureza objetiva e se aplica em função do lugar do cometimento do delito, sendo despicienda a comprovação efetiva do tráfico ou de que o crime visava a atingir os frequentadores desses locais.

55) A incidência da majorante prevista no art. 40, inciso III, da Lei n 11.343/2006 pode ser excepcionalmente afastada na hipótese de não existir nenhuma indicação de que houve o aproveitamento da aglomeração de pessoas ou a exposição dos frequentadores do local para a disseminação de drogas, verificando-se, caso a caso, as condições de dia, local e horário da prática do delito.

56) Para a caracterização da causa de aumento de pena do art. 40, inciso III, da Lei n. 11.343/2006, é necessária a efetiva oferta ou a comercialização da droga no interior de veículo público, não bastando, para a sua incidência, o fato de o agente ter se utilizado dele como meio de locomoção e de transporte da substância ilícita.

57) A incidência da majorante da segunda parte do inciso III do art. 18 da Lei n. 6. 368/1976 – “visar [o crime] a menores de 21 (vinte e um) anos” -, segue contemplada no art. 40, inciso VI, da nova Lei de Drogas – “sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente” -, não restando configurada a abolitio criminis.

58) O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente. (Súmula n. 492/STJ)

59) Configura ofensa ao princípio da proteção integral a aplicação de medida de semiliberdade ao adolescente pela prática de ato infracional análogo ao crime previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006.

60) O crime de uso de entorpecente para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do juizado especial estadual, já que ele não está previsto em tratado internacional e o art. 70 da Lei de Drogas não o inclui dentre os que devem ser julgados pela justiça federal.
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Por Canal Ciências Criminais
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Fonte: Canal Ciências Criminais

 

Direito de Acesso aos Dados Pessoais e às Informações em Redes Sociais



Publicado por Oscar Valente Cardoso

Entre os direitos previstos na LGPD, o titular tem o direito de saber especificamente quais são os seus dados objeto de tratamento pelo controlador (art. 18, II, da LGPD).

Isso leva ao dever do controlador de manter os dados estruturados e disponíveis para, quando for requerido, prestar essa informação de forma clara e gratuita ao titular.

O direito de acesso aos dados deixa claro que os dados pessoais pertencem a uma pessoa e são reflexos da sua personalidade, logo, podem ser verificados pelo titular a qualquer momento e independentemente da imposição de condições pelo controlador.

Uma questão que deve gerar controvérsias (e ações judiciais) diz respeito à abrangência dos dados que devem ser fornecidos pelo controlador: apenas os dados coletados do titular ou também os dados extraídos deles? Além disso, o titular tem direito de saber quais as informações que o controlador extraiu desses dados?

Recentemente, o Tribunal Regional Superior de Viena (Oberlandesgericht Wien), na Áustria, condenou o Facebook ao pagamento de uma compensação por danos morais de 500 euros e ao cumprimento de obrigação de fazer, para dar acesso completo a um usuário de todos os dados mantidos sobre ele. Ou seja, não apenas os dados dele, mas também dados do titular extraído de outras fontes (outros titulares, dados, terceiros etc.) e, além disso, de informações extraídas dos dados e para quem o Facebook as repassou. Por exemplo, a categoria “atividades fora do Facebook” contém diversos aplicativos e sites que fornecem dados para a rede social, mesmo que o titular não seja um usuário dela.

Assim, o tribunal concluiu que as ferramentas disponibilizadas pelo Facebook aos usuários não apresentam efetivamente todos os dados objeto de tratamento pela rede social.

O GDPR da União Europeia regula os direitos do titular em seu Capítulo III (arts. 12/23) e o art. 13 prevê especificamente o dever de fornecimento de dados pessoais e de informações (mas não menciona expressamente o direito de acesso às informações extraídas dos dados pessoais).

Por sua vez, a LGPD faz referência no art. 18 apenas aos dados do titular tratados pelo controlador. De outro lado, o art. 19, § 2º, da LGPD, prevê que o controlador deve fornecer “as informações e os dados” ao titular.

Assim, a LGPD não trata de forma clara o objeto do direito do titular: em princípio, tem o direito de acesso apenas aos seus dados pessoais, mas podem existir situações em que esse direito também permitirá o acesso às informações (por exemplo, para exercer o direito de revisão às decisões automatizadas, com base no art. 20 da LGPD).

De outro lado, como limite ao exercício de esse direito, as informações extraídas dos dados pessoais pelos controladores podem se enquadrar no segredo industrial ou comercial, também protegido pela LGPD (arts. 6º, VI; 9º, II; 10, § 3º; 18, V; 19, II e § 3º; 20, §§ 1º e 2º; 38; 48, § 1º, III; 55-J, II, X e § 5º).

Logo, é um assunto não regulado de forma clara pela LGPD, que poderá ser objeto de regulamentação pela ANPD e, eventualmente, será discutido em processos judiciais.

Professor, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, Doutor em Direito e Juiz Federal
FONTE  JUSBRASIL

Tenho doença preexistente e o plano ofereceu Cobertura Parcial Temporária (CPT) ou Agravo. O que fazer?

 

Tenho doença preexistente e o plano ofereceu Cobertura Parcial Temporária (CPT) ou Agravo. O que fazer?

Ao adquirir um plano de saúde, a operadora poderá oferecer ao beneficiário portador de doença preexistente, Cobertura Parcial Temporária (CPT) ou Agravo, por prazo máximo de 24 meses. Transcorrido esse prazo, o atendimento deverá ser integral, sem qualquer restrição.

Publicado por Márcia Pazinatto

No texto anterior abordei sobre a possibilidade de contratação de um plano de saúde por um consumidor portador de doença preexistente. Hoje, escrevo sobre cobertura parcial temporária (CPT) e agravo.

Como mencionei no artigo anterior, a operadora de plano de saúde não pode recusar a inclusão no plano de saúde de uma pessoa portadora de doença ou lesão preexistente (DLP), mas “pode” aplicar a cobertura parcial temporária (CPT) ou oferecer agravo ao consumidor. Digo que a operadora pode (entre aspas) aplicar CPT ou agravo porque, apesar de improvável, é permitido que ofereça a cobertura total, sem qualquer restrição ou ônus adicional ao beneficiário.

Como se aplica a Cobertura Parcial Temporária (CPT)?

Trata-se de uma restrição na cobertura do plano de saúde aplicada ao beneficiário portador de doença ou lesão preexistente (DLP) quando da contratação do plano, que pode ter duração de até 24 meses para cirurgias, leitos de alta tecnologia e procedimento de alta complexidade (PAC).

Para procedimentos mais simples, como consultas, internações não cirúrgicas, exames e procedimentos que não sejam de alta complexidade, ainda que relacionados à DLP, a cobertura deverá ser garantida, não devendo haver restrições. Para esses atendimentos, o usuário deverá cumprir apenas os prazos de carência estabelecidos contratualmente.

Fique atento! Segundo a ANS, “a operadora de plano de assistência à saúde está obrigada a dar cobertura a todos os procedimentos previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, de acordo com a segmentação contratada, desde que cumpridos os prazos de carência. Nos casos de cobertura parcial temporária (CPT), há restrição temporária de cobertura, para os Procedimentos de Alta Complexidade (PAC) e cirúrgicos, objetos de CPT, relacionado (s) à(s) doenças ou lesões preexistentes (DLP) declarada (s)”

Apesar de não ser necessário formalização de aditivo contratual, a operadora deverá informar o consumidor sobre as restrições aplicadas, e este deverá concordar com a cobertura parcial determinada pela operadora. Além disso, a qualquer tempo, a ANS poderá solicitar esclarecimentos sobre os Procedimentos de Alta Complexidade (PAC) e cirúrgicos, objetos de CPT, relacionados às DLP declaradas.

A Resolução Normativa 162/07, da Agência Nacional de Saúde Suplementar, artigo 2º, II, considera:

Cobertura Parcial Temporária (CPT) aquela que admite, por um período ininterrupto de até 24 meses, a partir da data da contratação ou adesão ao plano privado de assistência à saúde, a suspensão da cobertura de Procedimentos de Alta Complexidade (PAC), leitos de alta tecnologia e procedimentos cirúrgicos, desde que relacionados exclusivamente às doenças ou lesões preexistentes declaradas pelo beneficiário ou seu representante legal.

A operadora pode optar pelo oferecimento da cobertura total, sem qualquer ônus ao usuário, conforme disposto no artigo 6º. Entretanto, caso não ofereça a cobertura total, deverá, obrigatoriamente, oferecer ao beneficiário a limitação da cobertura (CPT) ou agravo. Caso a operadora não proceda dessa forma, não poderá alegar omissão de informação na declaração de saúde ou posterior aplicação da CPT ou agravo, como estabelecido abaixo:

Art. 6º Sendo constatada por perícia ou na entrevista qualificada ou através de declaração expressa do beneficiário, a existência de doença ou lesão que possa gerar necessidade de eventos cirúrgicos, de uso de leitos de alta tecnologia e de procedimentos de alta complexidade, a operadora poderá oferecer cobertura total no caso de doenças ou lesões preexistentes, sem qualquer ônus adicional para o beneficiário.
§ 1º Caso a operadora opte pelo não oferecimento de cobertura total, deverá neste momento, oferecer CPT. O oferecimento de CPT neste caso é obrigatório, sendo facultado o oferecimento de Agravo como opção à CPT.
§ 2º Caso a operadora não ofereça CPT no momento da adesão contratual, não caberá alegação de omissão de informação na Declaração de Saúde ou aplicação posterior de CPT ou Agravo, nas condições descritas no caput deste artigo.
§ 3º Na hipótese de CPT, as operadoras somente poderão suspender a cobertura de procedimentos cirúrgicos, o uso de leito de alta tecnologia e os procedimentos de alta complexidade, quando relacionados diretamente à DLP especificada.

Nota importante é que o parágrafo 3º, acima, dispõe que as operadoras somente poderão suspender a cobertura, ou seja, concluído o prazo de suspensão, a cobertura deverá ser integral, conforme define o artigo 7º, parágrafo 1º:

Art. 7ºA CPT e o Agravo dar-se-ão de acordo art. , incisos II e III, desta Resolução, sendo vedada à operadora de planos privados de assistência à saúde, a alegação de DLP decorridos 24 meses da data da celebração do contrato ou da adesão ao plano privado de assistência à saúde.
§ 1º Nos casos de CPT, findo o prazo de até 24 (vinte e quatro) meses da contratação ou adesão ao plano privado de assistência à saúde, a cobertura assistencial passará a ser integral, conforme a segmentação contratada e prevista na Lei nº 9.656, de 1998.

Desse modo, transcorrido o prazo de 24 meses da CPT ou agravo, contados do início da contratação ou adesão ao plano de saúde, a cobertura deverá ser ampla e total, sem qualquer restrição, ainda que o beneficiário seja portador de doença preexistente, não podendo a operadora se negar a custear procedimento médico sob a justificativa de doença preexistente.

Diferente situação é a do recém-nascido. Se o consumidor contratar plano hospitalar com obstetrícia, ao cumprir o período máximo de carência de 300 dias para parto a termo, a criança terá direito à assistência médica durante os primeiros 30 dias dentro da cobertura contratada e poderá ser incluída no plano até o 30º dia de vida, sem carências ou alegação de doença ou lesão preexistente (DLP), ainda que tenha nascido com alguma patologia.

Por fim, o artigo 15, da Resolução Normativa 162/07, da ANS, dispõe que se a operadora identificar indício de fraude por parte do usuário, referente à omissão de conhecimento de DLP por ocasião da contratação ou adesão ao plano privado de assistência à saúde, a operadora deverá comunicá-lo imediatamente por meio do Termo de Comunicação ao Beneficiário, e poderá:

I - Oferecer CPT ao beneficiário pelos meses restantes, a partir da data de recebimento do Termo de Comunicação, até completar o período máximo de 24 (vinte e quatro) meses da assinatura contratual ou da adesão ao plano privado de assistência à saúde; ou
II - Oferecer o Agravo, na forma do art. 7º desta Resolução; ou
III - Solicitar abertura de processo administrativo junto à ANS, quando da identificação do indício de fraude, ou após recusa do beneficiário à CPT.

Veja que a operadora não pode rescindir unilateralmente o contrato sem o processo administrativo, isso é abusivo!

A operadora deverá solicitar a abertura de processo administrativo junto à ANS e, somente após comprovação da fraude por parte do consumidor, o contrato poderá ser suspenso ou rescindido unilateralmente pela operadora, conforme disposto no artigo 13, II, da lei 9.656/98.

Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência; e (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

O que é agravo?

É comum que se aplique a Cobertura parcial temporária (CPT) nos casos de doença e lesão preexistente, mas o agravo é uma alternativa que a operadora pode oferecer ao consumidor.

Trata-se de um acréscimo no valor da mensalidade, possibilitando o acesso às coberturas que ficariam suspensas por até 24 meses - cirurgias, leitos de alta tecnologia e procedimento de alta complexidade.

Dispõe a Resolução Normativa 162/07, da ANS, em seu artigo 2º, III:

Agravo como qualquer acréscimo no valor da contraprestação paga ao plano privado de assistência à saúde, para que o beneficiário tenha direito integral à cobertura contratada, para a doença ou lesão preexistente declarada, após os prazos de carências contratuais, de acordo com as condições negociadas entre a operadora e o beneficiário

Importante ressaltar que mesmo que o usuário tenha optado pelo agravo, não estará isento do cumprimento das carências contratuais, uma vez que a previsão dos prazos de carência prescinde da existência de doença.

O agravo se dá por livre negociação entre a operadora e o consumidor e deve ser firmado aditivo contratual específico, devendo haver menção expressa ao percentual ou valor do agravo e seu período de vigência.

Contratos que não admitem cláusulas de agravo e de cobertura parcial temporária (CPT)

Não é permitido que a operadora aplique a cobertura parcial temporária (CPT) ou agravo nos contratos coletivos empresariais ou por adesão que tenham 30 participantes ou mais, desde que o beneficiário solicite sua inclusão no plano em até trinta dias da celebração do contrato coletivo ou de sua vinculação à pessoa jurídica contratante.

Em síntese, tenho doença preexistente e preciso ser atendido. Quais minhas alternativas?

O consumidor portador de patologia pode, sim, adquirir plano de saúde, mas poderá sofrer restrições a procedimentos relativos à doença informada, quais sejam:

A cobertura parcial temporária (CPT) suspenderá por até 24 meses os procedimentos de alta complexidade, leitos de alta tecnologia - CTI e UTI - e cirurgias decorrentes das doenças preexistentes. Procedimentos e exames mais simples deverão ser autorizados, ainda que relacionados à doença preexistente. Para demais patologias não relacionadas, o atendimento deverá ser autorizado, cumpridos os prazos de carência.

Como alternativa, a operadora poderá oferecer o agravo, que deverá ser firmado em aditivo contratual próprio. Em tal caso, o valor adicional na mensalidade, permitirá ao beneficiário ter acesso às coberturas que poderiam ficar suspensas por até 24 meses (procedimentos de alta complexidade, leitos de alta tecnologia - CTI e UTI - e cirurgias decorrentes da doença preexistente).

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Como se define doença preexistente? É aquela diagnosticada no momento da adesão ao plano ou qualquer doença existente no passado. Por exemplo, paciente que teve uma neoplasia tratada há mais de cinco anos, considerado curado. Deve declarar essa doença no momento de adesão ao plano?

Artigo esclarecedor, parabéns pelo texto. Serve, inclusive, para evitar o ingresso de uma ação temerária.

Entenda sobre as garantias locatícias em contratos de locação

 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Advogado que entrou com embargos fora do prazo é condenado a indenizar cliente

 

Dormiu no ponto

Advogado que entrou com embargos fora do prazo é condenado a indenizar cliente


Se a atuação desidiosa do advogado causa danos ao cliente, há motivo para o pagamento de uma indenização, com base na teoria da perda de uma chance. Esse entendimento foi adotado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao manter um acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que condenou um advogado a indenizar em cerca de R$ 7 mil uma cliente por ter perdido o prazo para apresentação de embargos monitórios.   

De acordo com o TJ-SP, a aplicação da teoria da perda de uma chance se justifica em razão dos danos causados pelo advogado. O tribunal entendeu que, caso os embargos monitórios fossem apresentados no prazo correto, a cliente poderia ter algum proveito, ainda que parcial ou ínfimo, com o seu julgamento.

Por meio de recurso especial, o profissional do Direito alegou que houve julgamento extra petita (fora do pedido), pois as instâncias ordinárias não poderiam acolher a tese de responsabilização por perda de uma chance sem o requerimento expresso da cliente em sua petição inicial.

No entanto, o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que, como causa de pedir na ação, a cliente apontou a oposição intempestiva dos embargos monitórios e a ausência de informações do advogado quanto à revelia decretada nos autos, o que teria impossibilitado a realização de acordo para encerrar o processo.

Segundo o ministro, embora a autora da ação não tenha apontado expressamente a perda de uma chance, a situação narrada por ela levou o juiz a considerar que o dano decorreu de um problema que poderia ter sido evitado se o advogado tivesse sido diligente em sua atuação.

"É nítido que a causa de pedir, no caso, faz referência à perda da chance de sair vencedor na ação monitória ou, pelo menos, de reduzir os efeitos de eventual procedência dos pedidos. A conduta de não observar o prazo para apresentar defesa em autos judiciais equivale à perda da chance de obter uma situação mais favorável na demanda", afirmou ele.

O ministro alegou também que, sendo pleiteada indenização por perdas e danos em geral, o juiz pode reconhecer a aplicação da teoria da perda de uma chance sem que isso implique julgamento fora dos pedidos do autor.

"Assim, no caso dos autos, diante de todas essas considerações, inexiste o alegado julgamento extra petita, pois a autora postulou indenização por danos materiais e as instâncias ordinárias condenaram o réu em conformidade com o pedido, apenas concedendo a reparação em menor extensão." Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 1.637.375


Revista Consultor Jurídico, 4 de fevereiro de 2021. 
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Opinião

Condomínios edilícios e Lei Geral de Proteção de Dados: dois casos práticos

Por 

FONTE CONJUR
 
   

O saudoso mestre Sylvio Capanema, nas suas ricas e encantadoras palestras, gostava de dizer que o diabo está sempre presente nos conflitos humanos. Na maioria das vezes, porém, sua presença se dá por meio de representantes. Mas, quando a confusão ocorre nos condomínios, o capiroto faz questão de comparecer pessoalmente.

 

 

Quem milita na área sabe quão verdadeira é a anedota.

Pois bem. Foi nesse ambiente condominial tumultuado que tivemos a oportunidade de testar a Lei nº 13.709/2018, chamada de Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), ao responder recentemente a duas consultas jurídicas formuladas por dois condomínios distintos.

O primeiro caso era de um casal de condôminos em que a esposa solicitou à administração o fornecimento de imagens do marido registradas pelo circuito interno de TV na noite anterior. Motivo: ela havia chegado de viagem e estava desconfiada de que fora traída por ele dentro da residência enquanto estava fora. Queria checar, enfim, quem teria eventualmente estado no apartamento com seu esposo.

A segunda situação foi de uma briga entre moradores, vizinhos de porta, que chegou às vias de fato na entrada de um dos apartamentos. Os moradores agredidos, marido e mulher, exigiram que a administração lhes entregasse, para fins de instrução dos procedimentos criminais e cíveis cabíveis, uma série de informações dos moradores agressores e do proprietário do imóvel por eles ocupado (nomes, identidades, CPFs, endereços, e-mails, filmagens das câmeras internas, bem como histórico de reclamações, infrações e multas condominiais aplicadas aos agressores anteriormente).

As perguntas que as administrações condominiais nos fizeram em ambos os casos foi a mesma: segundo as normas aplicáveis, o condomínio deveria ou não repassar esses dados pessoais aos condôminos solicitantes?

A questão jurídica preliminar foi saber se o condomínio poderia ser enquadrado como "controlador", nos termos da LGPD, ou seja, o agente que realiza tratamento de dados pessoais, como coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, eliminação, modificação, comunicação ou transferência de informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável. Embora realize tratamento de dados pessoais de condôminos, visitantes, empregados e demais frequentadores do prédio, o condomínio não ostenta personalidade jurídica, de acordo com a tradição da civilística brasileira. E a letra do inciso VI do artigo 5º da LGPD define o controlador como a "pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado", que realiza tratamento de dados. Além disso, o condomínio não exerce atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços no mercado, de modo que não possui "faturamento", base de cálculo das multas pecuniárias previstas na LGPD (artigo 52, II e III). O condomínio também não se encaixa em nenhuma das exceções do artigo 4º, a excluir a incidência da LGPD quando o tratamento de dados pessoais seja realizado por pessoa natural, com objetivos particulares e não econômicos ou finalidade jornalística, artística, acadêmica, de segurança pública, defesa nacional e atividades de investigação e repressão de infrações penais.

Mesmo assim, entendemos por aplicar a LGPD. A situação de o condomínio ser ou não uma pessoa jurídica tem sido debatida no âmbito doutrinário. O enunciado n° 246 da III Jornada de Direito Civil, por exemplo, preconiza que "deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício". Nada obstante a polêmica, restrita às tertúlias acadêmicas e sem maiores repercussões práticas na jurisprudência, nos parece que a melhor interpretação da LGPD, na sua busca final pela maior efetividade da proteção de dados, pede uma leitura ampliativa do conceito legal de controlador, que não pode ficar formalmente restrito à "pessoa jurídica" e deve, além dela, encampar organismos que não são juridicamente personificados, como as universalidades de fato e de direito, previstas, respectivamente, nos artigos 90 e 91 do Código Civil. Como exemplo da primeira universalidade (de fato), pode ser citada a sociedade em comum (ou irregular) e, da segunda (de direito), a massa falida, o espólio e o próprio condomínio, todos com aptidão para tratar dados pessoais. Portanto, para fins de enquadramento da entidade ou do órgão como controlador, a verificação do exercício concreto da atividade de tratamento de dados aparece como um fator muito mais importante do que a simples existência ou não de personalidade jurídica. Preferimos, portanto, ao invés de forçar a barra para incluir o condomínio como pessoa jurídica, visualizá-lo como aquilo que ele sempre foi para o Direito Civil: uma universalidade de direito, organização que, embora despersonalizada, reúne em si um complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico, funcionando como um verdadeiro centro autônomo titular de direitos e obrigações (inclusive com capacidade processual), passível, pois, de ser submetido aos ditames da LGPD.

Quanto à questão da incompatibilidade da aplicação ao condomínio das multas pecuniárias da LGPD, realmente, a base de cálculo de tais penalidades é o "faturamento", inexistente na hipótese do condomínio, que não é empresário nem emite notas fiscais para faturar nada. O condomínio possui "receita", composta pelos valores das cotas e encargos condominiais pagos mensalmente pelos condôminos. Pergunta-se: a métrica da "receita" poderia ser usada em substituição ao "faturamento" para fins sancionatórios da LGPD? Problemático, no campo do Direito punitivo, lançar mão do recurso hermenêutico da analogia para prejudicar a parte. Outra penalidade da LGPD que parece inadequada à figura do condomínio é a publicização da infração (artigo 52, IV). Afinal, qual serventia teria penalizá-lo a publicar em jornal ou na internet a ocorrência de um vazamento de dados? O condomínio não tem uma reputação a zelar perante o mercado. Inexiste, aqui, a imposição de dano reputacional, objeto da norma sancionatória em comento, pensada para ser aplicada às empresas que lidam com tratamento de dados. Por outro lado, em tese seria possível aplicar ao condomínio as sanções legais de obrigação de fazer, como o bloqueio e a eliminação de dados pessoais, assim como as penalidades de suspensão total ou parcial da atividade de tratamento ou do funcionamento de banco de dados (artigo 52, V, VI, X, XI e XII). Seja como for, a regulamentação do regime sancionador da LGPD aplicável aos condomínios edilícios é um tema com o qual a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) tem encontro marcado.

Portanto, visto que o condomínio reúne condições de ser facilmente atraído para o campo de incidência normativa de boa parte da LGPD, sobretudo no que tange à responsabilização civil, vamos à análise propriamente dita dos casos concretos já citados.

À luz da LGPD, como a administração condominial deve proceder diante de uma moradora que solicita imagens do circuito interno de TV de outro morador, seu marido, para fins de checar eventual prática de adultério por parte dele? Recomendamos que a base legal para o atendimento dessa delicadíssima solicitação fosse o artigo 7º, I, o qual prevê a necessidade de consentimento expresso do próprio titular do dado, isto é, o cônjuge da moradora. A entrega direta das imagens à moradora expõe o condomínio, enquanto controlador e guardião do sigilo informacional, à infringência da privacidade do outro morador, que poderá vir a responsabilizar civilmente o condomínio, na forma dos artigos 42 a 45 da LGPD. Também abordamos a aplicação dos princípios legais da finalidade, adequação e necessidade no tratamento dos dados (artigo 6º, I, II, III), ao defender que, em cumprimento à LGPD, todas as gravações de imagens do circuito interno de TV do condomínio são captadas, armazenadas e transmitidas em função compatível com o fim único de auxiliar na segurança pessoal e patrimonial dos condôminos, e não para investigações conjugais. A moradora acabou se conformando com a justificativa. A aquiescência do seu marido, por razões óbvias, nunca veio e, ao menos no campo condominial, o caso foi encerrado.

Vejamos, agora, o episódio da briga de vizinhos que motivou os condôminos agredidos a exigirem do condomínio dados pessoais dos moradores agressores e do proprietário da unidade por eles ocupada. A finalidade alegada era para que essas informações fossem usadas em procedimentos e ações criminais e cíveis. A demanda foi endereçada da seguinte forma: em relação ao fornecimento do histórico de reclamações de outros condôminos contra os agressores, a administração franqueou vistas do livro de reclamações e sugestões, para que os agredidos verificassem eventuais registros de queixas contra os agressores, podendo extrair cópias. A permissão de compartilhamento desses dados, pelo condomínio, se deu com apoio no §4º do artigo 7º da LGPD, conquanto as informações lançadas no livro de reclamações são tornadas públicas por seus próprios titulares dentro da comunidade condominial, sendo de livre acesso a todos os moradores interessados. Já as exigências que implicam divulgação de dados pessoais dos agressores e do proprietário da unidade por eles ocupada, somente poderiam ser licitamente reveladas aos condôminos ofendidos, pelo condomínio, mediante consentimento dos respectivos titulares (artigo 7º, I). O mesmo se diga da entrega de relatório com infrações e multas anteriormente aplicadas aos moradores agressores, o qual também encerra veiculação de informações personalíssimas que o condomínio, na qualidade de controlador, possui o dever de manter em sigilo (artigo 37 da LGPD), sob pena de violação a direitos de privacidade e intimidade dessas pessoas e da consequente responsabilização civil do condomínio, conforme artigos 42 a 45 da LGPD.

Como alternativa, a administração fez questão de ressaltar aos condôminos solicitantes que as informações dos moradores agressores e do proprietário do apartamento também poderiam ser reveladas após requisição de autoridade policial ou judicial, a quem os dados pessoais seriam diretamente encaminhados pelo condomínio. Na hipótese de atividades de investigação e repressão de infrações penais, não se aplica a LGPD (artigo 4º). E foi exatamente isso que ocorreu na espécie, tendo o condomínio recebido ofício da delegacia de polícia e fornecido os dados pessoais dos condôminos agressores que foram solicitados pela autoridade policial. Em matéria de jurisdição civil, sabe-se que o juiz pode ordenar que terceiro exiba documento ou coisa que se ache em seu poder (CPC, artigo 396), prerrogativa essa decorrente da regra de que ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade (CPC, artigo 378). Logo, se o condomínio for oficiado numa ação cível movida pelos condôminos agredidos contra os moradores agressores e o proprietário da unidade, não há dúvidas de que compartilhará todos os dados deles que tiver em seus arquivos, se assim for determinado pelo juiz. Na ótica da LGPD, a licitude dessa transmissão de informações pessoais repousa no artigo 7º, II (cumprimento de obrigação legal pelo controlador).

Caso encerrado? Não. Os condôminos agredidos afirmaram que a administração condominial teria sido omissa no fornecimento de dados pessoais dos moradores agressores e do dono do apartamento. E, como o capeta sempre se faz pessoalmente presente nessas ocasiões, esses condôminos já advertiram que ajuizarão ações indenizatórias por conta disso. Se acontecer mesmo, apenas se espera que o Judiciário entenda que o condomínio não praticou qualquer conduta ilícita, e, sim, agiu no exercício regular de um direito reconhecido (Código Civil, artigo 188, I): o direito de fornecer dados pessoais em conformidade com o artigo 2º, I, e IV da LGPD, ou seja, respeitando a privacidade e garantido a inviolabilidade da intimidade, honra e imagem de seus condôminos.

Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos.

 é advogado e sócio fundador do escritório Prisco, Ottoni e Del Barrio Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 4 de fevereiro de 2021,

TJ-SP nega ingresso da OAB em ação de advogado contra juiz que o prendeu

 

Ação penal privada

TJ-SP nega ingresso da OAB em ação de advogado contra juiz que o prendeu

Por 

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedidos da OAB-SP e da OAB-GO para ingressarem como assistente em ação movida pelo advogado Rodrigo Filgueira Queiroz contra o juiz Vinicius Castrequini Bufulin. 

 
Órgão Especial nega ingresso da OAB em ação contra juiz que prendeu advogado

O advogado teve prisão preventiva decretada pelo juiz por crime de calúnia, após manifestações em uma petição, e ficou detido na Penitenciária de Presidente Venceslau, mas não em uma sala do Estado Maior. O caso foi tema de uma reportagem da ConJur de dezembro de 2019 e agora está prestes a ser julgado pelo Órgão Especial.

Em agravos regimentais, as duas seccionais da Ordem defenderam o direito de intervir como assistente nos processos criminais em que o advogado figure como ofendido, como no caso em questão. No entanto, por unanimidade, o Órgão Especial não conheceu dos agravos. 

O relator, desembargador Xavier de Aquino, que já havia negado o ingresso das seccionais nos autos, citou o artigo 273 do Código de Processo Penal que estabelece que, "do despacho que admitir, ou não, o assistente não caberá recurso, devendo, entretanto, constar dos autos o pedido e a decisão".

"Diante da expressa vedação contida no bojo do artigo 273 do Código de Processo Penal, que não comporta interpretação outra que não a inadmissibilidade de recursos contra a decisão que indefere o pedido de habilitação de assistente em ações como tal, observando-se, ademais, que houve promoção de arquivamento na ação penal que deu ensejo à presente subsidiária, incognoscível a pretensão aqui ofertada", disse.

O argumento de Aquino para ter negado, de forma monocrática, os pedidos das seccionais é de que a assistência só é possível na ação penal de iniciativa pública incondicionada, em que o seu titular é o Ministério Público: "Como a lei não se referiu à ação penal privada, não é cabível a assistência".

Ações no Órgão Especial
O advogado move uma ação penal e uma queixa-crime por calúnia, injúria e difamação contra o magistrado que o prendeu. A OAB-GO também pediu o ingresso nos autos da queixa-crime. O próprio Rodrigo Filgueira Queiroz também insistiu no ingresso da seccional de Goiás. Novamente, os pedidos foram negados.

Os dois processos seriam julgados na sessão de 27 de janeiro do Órgão Especial. O advogado pediu para fazer sustentação oral, mas estava sem paletó, apenas de camisa social e gravata. O presidente do TJ-SP, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, pediu que ele colocasse um paletó.

Queiroz disse que não tinha a peça de roupa naquele momento e, portanto, a sustentação foi indeferida naquela sessão. O julgamento foi adiado para esta quarta-feira (3/2), mas as ações acabaram retiradas de pauta para cumprimento de despacho. 

2218816-17.2020.8.26.0000/50003
2218816-17.2020.8.26.0000/50000
2169602-57.2020.8.26.0000/50001

FONTE CONJUR