Todas as multas de trânsito no período da pandemia poderão ser canceladas por ilegalidades na notificação
Muitas notificações de autuações referentes às infrações de trânsito cometidas em 2020 estão sendo expedidas fora do prazo previsto no Código de Trânsito Brasileiro, com isso, há decadência do direito de punir do Estado.
Imagem: Trucao
Durante o período da pandemia do COVID-19, que iniciou-se no Brasil a partir de 2020, muitos serviços foram paralisados no país.
Porém a fiscalização no trânsito continuou, e com isso, diversas autuações no trânsito foram realizadas no Brasil, por meio da Administração Pública (Federal, Estadual e Municipal), através de seus servidores ou aparelhos eletrônicos que constataram as incontáveis infrações praticadas pelos condutores nas vias públicas.
Vários condutores autuados no ano de 2020 não receberam na residência as notificações das autuações realizadas naquele período da pandemia, impossibilitando o exercício do direito a defesa.
A razão disso são os atos normativos elaborados pelo Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN. Nesse período, houve diversas ilegalidades praticadas pelo Poder Público, veja-se.
O QUE DIZ O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO?
Primeiramente, é indispensável mencionar que o art. 281, parágrafo único, inciso II do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, determina que a autoridade de trânsito do órgão responsável pela lavratura do auto de infração, deverá expedir a notificação de autuação das infrações de trânsito em até 30 dias, a contar da data da constatação da infração.
Veja o texto legal:
Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I - se considerado inconsistente ou irregular;
II - se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação.
MAS O QUE SERIA A EXPEDIÇÃO DA NOTIFICAÇÃO DA AUTUAÇÃO?
A notificação da autuação é o procedimento que dá ciência ao proprietário do veículo de que foi cometida uma infração de trânsito com seu veículo.
Na prática, a expedição é caracterizada pela entrega da correspondência à empresa responsável pela remessa postal, geralmente, os correios.
Ou seja, o órgão de trânsito – órgão autuador – deverá realizar a postagem da notificação da autuação nos correios em até 30 dias.
Porém, isso não aconteceu no ano de 2020. Ou seja, o CTB, que é uma lei federal, foi descumprida.
O motivo desse descumprimento, se deu em razão dos atos normativos do CONTRAN: este prorrogou o prazo de entrega das notificações de autuação por meio de uma resolução.
Cumpre mencionar que o CONTRAN editou a Resolução nº 782/2020, que interrompeu diversos prazos, além de mencionar que os órgãos de trânsito deveriam apenas registrar as autuações no sistema, sem a necessidade de envio das notificações aos infratores no período de 2020.
Posteriormente foi editada a Resolução nº 805/2020 do CONTRAN instituindo um cronograma para o envio das notificações de autuações decorrentes de infrações de trânsito cometidas de 26 de fevereiro de 2020 a 30 de novembro de 2020, logo, alterando o prazo para o envio das notificações de autuações, veja como ficou:
Com isso, muitas notificações das infrações cometidas em 2020, começaram a ser enviadas apenas agora em 2021, ou seja, com prazo superior a 30 dias.
Essa extensão de prazo realizada pela resolução do CONTRAN fere o que foi estabelecido pelo congresso nacional por meio do código de trânsito brasileiro, ou seja, viola uma lei federal.
É indispensável ter em mente que o Código de Trânsito Brasileiro é uma lei federal, em regra, esta normativa só pode ser alterada por outra lei elaborada pelo Congresso Nacional, ou por medida provisória editada pelo Presidente da República, nos termos da Constituição Federal.
Diante desse cenário, milhares de multas de trânsito no país inteiro, que serão enviadas com prazos baseados na resolução do CONTRAN são ilegais.
A possibilidade de cancelamento deverá ser exercida por meio de defesas, recursos e até mesmo ações judiciais.
Além dessa irregularidade, é possível que a Administração Pública também viole outros dispositivos previstos em lei.
A pandemia não pode ser motivo para que a Administração Pública descumprir o que a lei determina.
O prazo previsto na legislação em lei federal não pode ser alterado por ato infralegal (resoluções), sob pena de violação ao dispostos do Código de Trânsito Brasileiro e também da Constituição Federal.
Perante as ilegalidades praticadas pelo Poder Público, conte sempre com um especialista na área para ter uma assessoria jurídica de qualidade, visando as possibilidades de cancelamento das multas e outras penalidades como a suspensão do direito de dirigir, cassação da CNH, cancelamento da PPD (carteira provisória), entre outras situações.
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Boa argumentação e excelente hermenêutica.
Problema: dificilmente uma defesa / recurso administrativo será deferido com esta argumentação.
Provavelmente será necessário acionar o judiciário.
Obrigado, Giovane.
De fato nesse caso a via judicial a princípio seria a mais adequada.
Porém, havendo outros erros no auto de infração, ou no processo
administrativo de multa, possa ser também que a via administrativa se
torne interessante para combater os demais atos administrativos
viciados.
Oi tomei uma multa só que não veio pra pagar
Primeiramente deve ser verificado a fase em que o processo de multa estaria.
Adotamos o sistema da dupla notificação.
A primeira notificação será apenas para que o interessado (a) apresente defesa.
A segunda notificação, será a respeito da imposição ou não da penalidade (com o boleto para pagamento).
Caso a autuação tenha sido realizada nos períodos de 2020, deverá seguir o cronograma acima.
Muito bom!
Obrigado pelo seu comentário, Neruda!
A meu ver, as resoluções do Contran suspenderam a contagem do prazo. Não o alterou.
Muito obrigado pelo comentário, José!
De fato, como a matéria ainda não é pacificada, creio que a Administração Pública irá argumentar nesta linha de raciocínio.
De outro lado, vejo que mesmo na situação de interrupção ou suspensão
da contagem de prazo, não poderia ser disciplinada pelo CONTRAN. Isso
porque, o poder do órgão é meramente regulamentar ou disciplinar os
procedimentos já previstos no Código de Trânsito Brasileiro.
Neste ponto, o CTB
não permite em nenhum dispositivo de lei que o CONTRAN realize essa
interrupção de prazos, suspensão ou até mesmo extensão, principalmente
por se tratar de um prazo decadencial.
Alguns órgãos do sistema
nacional de trânsito atentos a grande possibilidade de nulidades,
continuaram emitindo as notificações dentro dos 30 dias, em 2020.
Por fim, na minha visão, entendo que a via mais adequada seria as
medidas provisórias pelo Presidente ou lei pelo congresso nacional,
assim como foi feito nas esferas do direito privado.
Mas,
iremos acompanhar qual será o entendimento que prevalecerá na
jurisprudência. As ações iniciaram recentemente, e algumas liminares já
foram deferidas.
Embora seja competência do Contran regulamentar o procedimento afeto à aplicação das multas, isso diz respeito ao aspecto do rito administrativo. Como se trata de um prazo legal que, caso descumprido, acarreta na própria perda do direito de o Estado efetuar a punição, não pode, o órgão regulamentador, alterar a contagem do prazo, beneficiando o próprio Estado e causando severo prejuízo à própria matéria de defesa do infrator. Tal suspensão ou alteração do prazo, somente poderia ser feita por lei federal, em razão da competência privativa da União.
Também a Resolução do COINTRAM é inconstitucional a luz ao artigo 25 do ADCT/CF.
Esclarecedor e orientativo. Muito obrigada
Obrigado pelo seu comentário, Adriana!
DR Eduardo Gomes excelente, o direito não socorre aos que dormem.
Bem lembrado, Arlindo! Obrigado pelo comentário.
Ótimo texto, parabéns pela oportuna abordagem.
Gostaria de acrescentar que a resolução 805/2020 em seu art 8º deixou a
critério do órgão autuador providenciar um leiaute diferenciado para a
expedição das NAs decorrentes de infração cometida de 26/02/2020 a
30/11/2020, ressaltando, com clareza, que estas notificações contam com
prazos diferenciados.
Dessa forma, a recomendação do artigo, pelo
menos na cidade do Rio de Janeiro não foi seguida, por não ser
obrigatória para os órgãos, ficaram silentes, dificultando ainda mais a
possibilidade defesa do possível infrator.
No artigo 17, diz: "Os
órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Trânsito
promoverão ações para ampla divulgação e orientação quanto aos prazos e
procedimentos definidos por esta Resolução".
Que eu saiba, os órgãos
não promoveram, nem estão promovendo ações para divulgar e orientar
quanto aos prazos e procedimentos, conforme prescrito.
Não
bastasse a incoerência de editar uma resolução que vai de encontro à
situação econômica do país, e praticamente ratificar uma ilegalidade,
ainda em plena pandemia, vemo-nos mais uma vez reféns da voracidade
estatal para arrancar dinheiro do cidadão a qualquer custo e este ainda
ter que impetrar recurso para tentar livrar-se dessa injustiça.
Att,
Obrigado pelo pertinente comentário e que complementa muito a postagem!
De fato, Ricardo, temos diversas confusões na aplicação das normas,
provavelmente será algo gigantesco que o judiciário enfrentará com o
objetivo de pacificar todos os conflitos criados.
Interessante e esclarecedor artigo. Gratidão.
Em termos de gestão, o Brasil é uma verdadeira pandemia. Há exceções,
mas quase sempre as funções públicas de direção são feitas por leigos. O
problema grave para a péssima administração é justamente o loteamento
de cargos entre políticos.
Edison, obrigado pelo comentário!
De fato, a Administração Pública deve evitar a usurpação de
competências, sob pena de violar o ordenamento jurídico e causar
prejuízos à segurança jurídica.
Esclarecedor!
Obrigado, Suelen!
Boa tarde! Bem esclarecedor. Realmente, meu filho recebeu uma multa municipal anotada em Março de 2020 e postada em Fevereiro de 2021. Iremos verificar possibilidade de recorrer. Parabéns pelo conteúdo.
Boa tarde, Maria!
Obrigado pelo comentário.
- Não conhecia o seu trabalho. Está é o primeiro contato virtual. Gostei e concordo com seu raciocínio. Doravante segui-lo-ei.
Carmo, muito obrigado pelo comentário e também pelas considerações!
Espero continuar atendendo as expectativas.
A Lei 14.10/20 regulamentou as relações jurídicas dos prazos previstos
em 2020, relacionados a tudo que dependesse das novas necessidades entre
as artes litigantes durante a pandemia.
Logo, nos parece, que o
término da sua vigência em 30 de outubro de 2020, ira promover o retorno
da contagem prevista fora do período transiitório da pandemia por covid
19.
Exatamente. A partir de 30 de outubro de 2020 as notificações devem ou deveriam ser enviadas no prazo de 30 dias, antes dessa data não há prescrição ou decadência.
Lembrando que a lei 14010-20 entrou em vigor para tratar das relações de DIREITO PRIVADO
"Art. 1º Esta Lei institui normas de caráter transitório e emergencial
para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado em virtude da
pandemia do coronavírus (Covid-19)."...
Jocelen, obrigado pelo comentário.
Do meu ponto de vista, a lei mencionada é aplicável apenas nas relações do Direito Privado.
O Direito de Trânsito praticado pela Administração Pública encontra-se
com a relação jurídica regida pelas normas do direito público.
Boa noite! A notificação realizada durante a operação da “lei seca” e a suspensão/interrupção dos prazos administrativos de recursos adotados pelo DETRAN, também estariam nessa esfera de infração das normas legais?
Boa noite, sim.
A notificação é ato essencial de todas as infrações de trânsito, inclusive nas de embriaguez ao volante.
Caso o procedimento seja desrespeitado, e a norma não seja observada, é possível anular a multa da "lei seca" também.
E se o infrator estiver cadastrado nos aplicativos do Detran, vale como notificação?
Se foi notificado dentro do prazo, perfeitamente. Inclusive, fisicamente também pela via postal.
Alguns órgãos atentos a possibilidade da nulidade continuaram emitindo as notificações dentro dos 30 dias normalmente.
Parabéns!!! Um excelente artigo, com as devidas explicações.
Obrigado, Valdomiro!
E cmo ficará os que foram "notificados presencialmente" e ate o
presente momento nao foram evidenciados ou recebido em sua residencia
quaisquer tipo de notificação?
Data da ocorrência: Janeiro 2021
Há 2 possibilidades:
1. O órgão não expediu ou está fora do prazo;
2. O órgão expediu, e quem está demorando são os correios.
De toda forma, interessante aguardar, pois pode ser a situação do segundo caso.
Excelente!
Obrigado, Laura!
Muito bom seu artigo Dr. Eduardo, esclarecedor.
Recebi hoje a notificação de uma multa que ocorreu em Janeiro de 2020.
Porém, eu vi essa multa no site do Detran. Como tinha desconto ate uma
certa data resolvi pagar.
E agora. Será que posso pedir o
reembolso. Fiquei ciente da multa por que pesquisei no site do
Detran/PR, porém só recebi a notificação hoje 01/03/2021.
Muito oportuno, seu texto, Dr Eduardo. Como ex-PM de Trânsito que fui num passado não muito distante e, conhecedor dos Códigos de Trânsito (antigo e o novo), concordo com o senhor. Não caberia aí uma Ação Popular, uma vez que atingirá todos nós, de uma forma ou de outra? A OAB, por ex. não poderia "abraçar" essa causa? Estaria eu, "blefando"?
Levei uma multa no dia 31 de dezembro, depois disso consultei umas duas vezes no site do Detran e não constou, a beleza foi constar só sexta passada e já sem prazo pra recurso. Tá muito desorganizada essas informações, se pelo menos atualizassem no site e app a tempo mas nem isso fazem. Pena que pra recorrer da mais trabalho que pagar.
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