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segunda-feira, 1 de março de 2021

Todas as multas de trânsito no período da pandemia poderão ser canceladas por ilegalidades na notificação

 



Todas as multas de trânsito no período da pandemia poderão ser canceladas por ilegalidades na notificação

Muitas notificações de autuações referentes às infrações de trânsito cometidas em 2020 estão sendo expedidas fora do prazo previsto no Código de Trânsito Brasileiro, com isso, há decadência do direito de punir do Estado.

Publicado por Eduardo Gomes
FONTE JUSBRASI

11 maneiras bestas de tomar multa - Truco Comunicao em Transporte

Imagem: Trucao

Durante o período da pandemia do COVID-19, que iniciou-se no Brasil a partir de 2020, muitos serviços foram paralisados no país.

Porém a fiscalização no trânsito continuou, e com isso, diversas autuações no trânsito foram realizadas no Brasil, por meio da Administração Pública (Federal, Estadual e Municipal), através de seus servidores ou aparelhos eletrônicos que constataram as incontáveis infrações praticadas pelos condutores nas vias públicas.

Vários condutores autuados no ano de 2020 não receberam na residência as notificações das autuações realizadas naquele período da pandemia, impossibilitando o exercício do direito a defesa.

A razão disso são os atos normativos elaborados pelo Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN. Nesse período, houve diversas ilegalidades praticadas pelo Poder Público, veja-se.

O QUE DIZ O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO?

Primeiramente, é indispensável mencionar que o art. 281, parágrafo único, inciso II do Código de Trânsito BrasileiroCTB, determina que a autoridade de trânsito do órgão responsável pela lavratura do auto de infração, deverá expedir a notificação de autuação das infrações de trânsito em até 30 dias, a contar da data da constatação da infração.

Veja o texto legal:

Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I - se considerado inconsistente ou irregular;
II - se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação.

MAS O QUE SERIA A EXPEDIÇÃO DA NOTIFICAÇÃO DA AUTUAÇÃO?

A notificação da autuação é o procedimento que dá ciência ao proprietário do veículo de que foi cometida uma infração de trânsito com seu veículo.

Na prática, a expedição é caracterizada pela entrega da correspondência à empresa responsável pela remessa postal, geralmente, os correios.

Ou seja, o órgão de trânsito – órgão autuador – deverá realizar a postagem da notificação da autuação nos correios em até 30 dias.

Porém, isso não aconteceu no ano de 2020. Ou seja, o CTB, que é uma lei federal, foi descumprida.

O motivo desse descumprimento, se deu em razão dos atos normativos do CONTRAN: este prorrogou o prazo de entrega das notificações de autuação por meio de uma resolução.

Cumpre mencionar que o CONTRAN editou a Resolução nº 782/2020, que interrompeu diversos prazos, além de mencionar que os órgãos de trânsito deveriam apenas registrar as autuações no sistema, sem a necessidade de envio das notificações aos infratores no período de 2020.

Posteriormente foi editada a Resolução nº 805/2020 do CONTRAN instituindo um cronograma para o envio das notificações de autuações decorrentes de infrações de trânsito cometidas de 26 de fevereiro de 2020 a 30 de novembro de 2020, logo, alterando o prazo para o envio das notificações de autuações, veja como ficou:

Com isso, muitas notificações das infrações cometidas em 2020, começaram a ser enviadas apenas agora em 2021, ou seja, com prazo superior a 30 dias.

Essa extensão de prazo realizada pela resolução do CONTRAN fere o que foi estabelecido pelo congresso nacional por meio do código de trânsito brasileiro, ou seja, viola uma lei federal.

É indispensável ter em mente que o Código de Trânsito Brasileiro é uma lei federal, em regra, esta normativa só pode ser alterada por outra lei elaborada pelo Congresso Nacional, ou por medida provisória editada pelo Presidente da República, nos termos da Constituição Federal.

Diante desse cenário, milhares de multas de trânsito no país inteiro, que serão enviadas com prazos baseados na resolução do CONTRAN são ilegais.

A possibilidade de cancelamento deverá ser exercida por meio de defesas, recursos e até mesmo ações judiciais.

Além dessa irregularidade, é possível que a Administração Pública também viole outros dispositivos previstos em lei.

A pandemia não pode ser motivo para que a Administração Pública descumprir o que a lei determina.

O prazo previsto na legislação em lei federal não pode ser alterado por ato infralegal (resoluções), sob pena de violação ao dispostos do Código de Trânsito Brasileiro e também da Constituição Federal.

Perante as ilegalidades praticadas pelo Poder Público, conte sempre com um especialista na área para ter uma assessoria jurídica de qualidade, visando as possibilidades de cancelamento das multas e outras penalidades como a suspensão do direito de dirigir, cassação da CNH, cancelamento da PPD (carteira provisória), entre outras situações.

Dúvidas sobre o conteúdo? Contate em eduardoadvro@gmail.com

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41 Comentários

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Boa argumentação e excelente hermenêutica.
Problema: dificilmente uma defesa / recurso administrativo será deferido com esta argumentação.
Provavelmente será necessário acionar o judiciário.

Obrigado, Giovane.

De fato nesse caso a via judicial a princípio seria a mais adequada.

Porém, havendo outros erros no auto de infração, ou no processo administrativo de multa, possa ser também que a via administrativa se torne interessante para combater os demais atos administrativos viciados.

Oi tomei uma multa só que não veio pra pagar

Primeiramente deve ser verificado a fase em que o processo de multa estaria.

Adotamos o sistema da dupla notificação.

A primeira notificação será apenas para que o interessado (a) apresente defesa.

A segunda notificação, será a respeito da imposição ou não da penalidade (com o boleto para pagamento).

Caso a autuação tenha sido realizada nos períodos de 2020, deverá seguir o cronograma acima.

Obrigado pelo seu comentário, Neruda!

A meu ver, as resoluções do Contran suspenderam a contagem do prazo. Não o alterou.

Muito obrigado pelo comentário, José!

De fato, como a matéria ainda não é pacificada, creio que a Administração Pública irá argumentar nesta linha de raciocínio.

De outro lado, vejo que mesmo na situação de interrupção ou suspensão da contagem de prazo, não poderia ser disciplinada pelo CONTRAN. Isso porque, o poder do órgão é meramente regulamentar ou disciplinar os procedimentos já previstos no Código de Trânsito Brasileiro.

Neste ponto, o CTB não permite em nenhum dispositivo de lei que o CONTRAN realize essa interrupção de prazos, suspensão ou até mesmo extensão, principalmente por se tratar de um prazo decadencial.

Alguns órgãos do sistema nacional de trânsito atentos a grande possibilidade de nulidades, continuaram emitindo as notificações dentro dos 30 dias, em 2020.

Por fim, na minha visão, entendo que a via mais adequada seria as medidas provisórias pelo Presidente ou lei pelo congresso nacional, assim como foi feito nas esferas do direito privado.

Mas, iremos acompanhar qual será o entendimento que prevalecerá na jurisprudência. As ações iniciaram recentemente, e algumas liminares já foram deferidas.

Embora seja competência do Contran regulamentar o procedimento afeto à aplicação das multas, isso diz respeito ao aspecto do rito administrativo. Como se trata de um prazo legal que, caso descumprido, acarreta na própria perda do direito de o Estado efetuar a punição, não pode, o órgão regulamentador, alterar a contagem do prazo, beneficiando o próprio Estado e causando severo prejuízo à própria matéria de defesa do infrator. Tal suspensão ou alteração do prazo, somente poderia ser feita por lei federal, em razão da competência privativa da União.

Também a Resolução do COINTRAM é inconstitucional a luz ao artigo 25 do ADCT/CF.

Esclarecedor e orientativo. Muito obrigada

Obrigado pelo seu comentário, Adriana!

DR Eduardo Gomes excelente, o direito não socorre aos que dormem.

Bem lembrado, Arlindo! Obrigado pelo comentário.

Ótimo texto, parabéns pela oportuna abordagem.

Gostaria de acrescentar que a resolução 805/2020 em seu art 8º deixou a critério do órgão autuador providenciar um leiaute diferenciado para a expedição das NAs decorrentes de infração cometida de 26/02/2020 a 30/11/2020, ressaltando, com clareza, que estas notificações contam com prazos diferenciados.
Dessa forma, a recomendação do artigo, pelo menos na cidade do Rio de Janeiro não foi seguida, por não ser obrigatória para os órgãos, ficaram silentes, dificultando ainda mais a possibilidade defesa do possível infrator.
No artigo 17, diz: "Os órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Trânsito promoverão ações para ampla divulgação e orientação quanto aos prazos e procedimentos definidos por esta Resolução".
Que eu saiba, os órgãos não promoveram, nem estão promovendo ações para divulgar e orientar quanto aos prazos e procedimentos, conforme prescrito.

Não bastasse a incoerência de editar uma resolução que vai de encontro à situação econômica do país, e praticamente ratificar uma ilegalidade, ainda em plena pandemia, vemo-nos mais uma vez reféns da voracidade estatal para arrancar dinheiro do cidadão a qualquer custo e este ainda ter que impetrar recurso para tentar livrar-se dessa injustiça.
Att,

Obrigado pelo pertinente comentário e que complementa muito a postagem!

De fato, Ricardo, temos diversas confusões na aplicação das normas, provavelmente será algo gigantesco que o judiciário enfrentará com o objetivo de pacificar todos os conflitos criados.

Interessante e esclarecedor artigo. Gratidão.
Em termos de gestão, o Brasil é uma verdadeira pandemia. Há exceções, mas quase sempre as funções públicas de direção são feitas por leigos. O problema grave para a péssima administração é justamente o loteamento de cargos entre políticos.

Edison, obrigado pelo comentário!

De fato, a Administração Pública deve evitar a usurpação de competências, sob pena de violar o ordenamento jurídico e causar prejuízos à segurança jurídica.

Obrigado, Suelen!

Boa tarde! Bem esclarecedor. Realmente, meu filho recebeu uma multa municipal anotada em Março de 2020 e postada em Fevereiro de 2021. Iremos verificar possibilidade de recorrer. Parabéns pelo conteúdo.

Boa tarde, Maria!

Obrigado pelo comentário.

- Não conhecia o seu trabalho. Está é o primeiro contato virtual. Gostei e concordo com seu raciocínio. Doravante segui-lo-ei.

Carmo, muito obrigado pelo comentário e também pelas considerações!

Espero continuar atendendo as expectativas.

A Lei 14.10/20 regulamentou as relações jurídicas dos prazos previstos em 2020, relacionados a tudo que dependesse das novas necessidades entre as artes litigantes durante a pandemia.
Logo, nos parece, que o término da sua vigência em 30 de outubro de 2020, ira promover o retorno da contagem prevista fora do período transiitório da pandemia por covid 19.

Exatamente. A partir de 30 de outubro de 2020 as notificações devem ou deveriam ser enviadas no prazo de 30 dias, antes dessa data não há prescrição ou decadência.

Lembrando que a lei 14010-20 entrou em vigor para tratar das relações de DIREITO PRIVADO
"Art. 1º Esta Lei institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado em virtude da pandemia do coronavírus (Covid-19)."...

Jocelen, obrigado pelo comentário.

Do meu ponto de vista, a lei mencionada é aplicável apenas nas relações do Direito Privado.

O Direito de Trânsito praticado pela Administração Pública encontra-se com a relação jurídica regida pelas normas do direito público.

Boa noite! A notificação realizada durante a operação da “lei seca” e a suspensão/interrupção dos prazos administrativos de recursos adotados pelo DETRAN, também estariam nessa esfera de infração das normas legais?

Boa noite, sim.

A notificação é ato essencial de todas as infrações de trânsito, inclusive nas de embriaguez ao volante.

Caso o procedimento seja desrespeitado, e a norma não seja observada, é possível anular a multa da "lei seca" também.

E se o infrator estiver cadastrado nos aplicativos do Detran, vale como notificação?

Se foi notificado dentro do prazo, perfeitamente. Inclusive, fisicamente também pela via postal.

Alguns órgãos atentos a possibilidade da nulidade continuaram emitindo as notificações dentro dos 30 dias normalmente.

Parabéns!!! Um excelente artigo, com as devidas explicações.

Obrigado, Valdomiro!

E cmo ficará os que foram "notificados presencialmente" e ate o presente momento nao foram evidenciados ou recebido em sua residencia quaisquer tipo de notificação?
Data da ocorrência: Janeiro 2021

Há 2 possibilidades:

1. O órgão não expediu ou está fora do prazo;
2. O órgão expediu, e quem está demorando são os correios.

De toda forma, interessante aguardar, pois pode ser a situação do segundo caso.

Obrigado, Laura!

Muito bom seu artigo Dr. Eduardo, esclarecedor.

Recebi hoje a notificação de uma multa que ocorreu em Janeiro de 2020. Porém, eu vi essa multa no site do Detran. Como tinha desconto ate uma certa data resolvi pagar.

E agora. Será que posso pedir o reembolso. Fiquei ciente da multa por que pesquisei no site do Detran/PR, porém só recebi a notificação hoje 01/03/2021.

Muito oportuno, seu texto, Dr Eduardo. Como ex-PM de Trânsito que fui num passado não muito distante e, conhecedor dos Códigos de Trânsito (antigo e o novo), concordo com o senhor. Não caberia aí uma Ação Popular, uma vez que atingirá todos nós, de uma forma ou de outra? A OAB, por ex. não poderia "abraçar" essa causa? Estaria eu, "blefando"?

Levei uma multa no dia 31 de dezembro, depois disso consultei umas duas vezes no site do Detran e não constou, a beleza foi constar só sexta passada e já sem prazo pra recurso. Tá muito desorganizada essas informações, se pelo menos atualizassem no site e app a tempo mas nem isso fazem. Pena que pra recorrer da mais trabalho que pagar.

 

A PEC 03/2021 e sua inconstitucionalidade à luz do princípio da separação dos poderes.

 

A PEC 03/2021 e sua inconstitucionalidade à luz do princípio da separação dos poderes.

Como a PEC da Impunidade ameaça um dos principais alicerces da Constituição Federal

Publicado por Aline Andrade

fonte Jusbrasil

Princpios de Direito Constitucional Blog Maxi Educa

O Poder Reformador possui a função de manter a Constituição atualizada diante das relevantes transformações jurídica sociais, de modo a acompanhar as mudanças da sociedade e evitar que a Carta Magna sucumba em uma letra morta que não mais reflete a realidade de seu povo. Assim, o Poder Constituinte Originário estabeleceu a possibilidade de alteração do texto constitucional por meio de emendas, impondo algumas limitações circunstanciais, formais, materiais e até mesmo temporais ao Poder Reformador.

O presente artigo objetiva analisar brevemente a afronta da PEC 03/2021, popularmente denominada como PEC da Impunidade e proposta como efeito backlash à prisão do deputado Daniel Silveira, à limitação material do Poder Reformador, mais especificamente quanto a sua possível inconstitucionalidade referente à separação dos poderes. O Projeto de Emenda à Constituição de autoria do Deputado Celso Sabino - PSDB/PA e coautoria de mais de cento e oitenta parlamentares, visa alterar os artigos 14, 27, 53, 102 e 105 da Constituição Federal, dispondo sobre as prerrogativas parlamentares e expandindo a imunidade material dos congressistas.

Importante ressaltar que a Separação dos Poderes é corolário do Sistema Democrático de Direito e integra diretamente o Republicanismo, estabelecendo uma repartição das funções estatais entre órgãos distintos com a finalidade de proteger as liberdades dos particulares por meio da limitação do poder do Estado (Novelino, 2016). Em conseguinte, o atual conceito de separação dos poderes, em que pese baseado nas ideias de Aristóteles (384 a 322 a.C) ao esboçar as funções do Estado em sua obra A Política, não se limita a mera divisão de competências, especialmente após as teorias formuladas por John Locke (1632-1704) e posteriormente Montesquieu (1689-1755).

Para Locke, reunir o Legislativo e o Executivo em um mesmo órgão seria provocar uma tentação muito forte para a fragilidade humana, tão sujeita à ambição (Caetano, 2003). Já Montesquieu, inspirado nas ideais do filósofo inglês, defende que a limitação de um poder somente seria possível com a existência de um outro poder capaz de limitá-lo. É nesse sentido que surge o sistema de freios e contrapesos (check and balances) integrante nuclear da separação dos poderes.

Segundo Marcelo Novelino, nesse sistema “a repartição equilibrada dos poderes entre os diferentes órgãos é feita de modo que nenhum deles possa ultrapassar os limites estabelecidos pela Constituição sem ser contido pelos demais.” Assim, trata-se de uma fiscalização e controle recíprocos entre os poderes, em uma repartição equilibrada de funções, alicerçados na independência harmônica. É o que acontece, por exemplo, quando o Presidente da República exerce o poder de veto em um projeto de lei ou, ainda, o próprio poder-dever de controle e fiscalização conferido ao Legislativo em relação ao Poder Executivo.

Dessa forma, é com base em tais conceitos que o texto da PEC 03/2021 deve ser analisado, especialmente a alteração proposta ao artigo 53, caput, objeto deste artigo. A emenda prevê a responsabilidade exclusivamente política pela quebra do decoro parlamentar, a ser realizada pelo conselho de ética da Casa Legislativa, que inclusive, está com suas atividades suspensas há um ano. O novo texto dispõe que “os Deputados e Senadores são invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, cabendo, exclusivamente, a responsabilização ético-disciplinar por procedimento incompatível com o decoro parlamentar” (Grifo nosso).

Sob a regência da Constituição Federal, os parlamentares de fato “são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. É a chamada imunidade material, que deve estar relacionada ao exercício das funções legislativas, de maneira a garantir o livre debate de ideias e pensamentos nas casas legislativas, necessário à construção e manutenção da democracia. Depreende-se, neste ínterim, que o papel das imunidades parlamentares não é outro, senão a garantia da persecução dos interesses sociais no deslindar da função legislativa (Júnior e Lima, 2016).

Entretanto, a essência da democracia, para Piovesan e Gonçalves (2013), pressupõe como elementos nucleares, a constitucionalidade, legalidade, observância de direitos, garantias fundamentais e o princípio da igualdade perante a lei, entendendo que esta deve ser aplicada de forma igualitária a todos, independentemente de cargo ou função que exerçam. Partindo deste pressuposto, os agentes públicos não se escusam da responsabilidade por suas ações, tampouco o exercício de função ou cargo público não pode servir como justificativa para isenção da responsabilidade pelos excessos cometidos. Nesse sentido

[...] a vítima de um crime tem o direito fundamental à proteção judicial, não podendo a lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (como prevê a CF/88, no art. 5, inc. XXXV). Ao princípio do livre acesso ao Poder Judiciário conjuga-se o dever do Estado de investigar, processar e punir aqueles que cometeram delitos. [...]

À vista disso, a imunidade material não pode ser compreendida como sinônimo de imunidade absoluta e sequer ser usada como escudo para agressões à dignidade, discursos de ódio, violência e discriminação. Nesse limiar, a atual ótica constitucional permite que os parlamentares sejam punidos civil e penalmente pelos seus atos que extrapolam o necessário ao exercício da função legislativa, ou seja, os excessos que não se relacionam às funções para as quais os congressistas foram eleitos. Assim, com base nas disposições constitucionais, cabe ao Judiciário exercer parte do controle em relação ao Poder Legislativo, à medida que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar os processos que figuram como réus Deputados Federais e Senadores.

Desse modo, caso uma lei proíba totalmente a responsabilização do Legislativo pelo Judiciário, como é o caso, há uma interferência direta neste e, portanto, viola a separação dos poderes ao restringir o controle recíproco previsto no sistema de freios e contrapesos, em uma evidente manobra de blindagem a qualquer interferência por outro poder.

Ante as breves considerações, é possível concluir que objetiva a PEC 03/2021 intervir no núcleo da separação dos poderes e limitar o sistema de freios e contrapesos ao interferir diretamente nas competências próprias do Poder Judiciário, neste caso, o julgamento de Deputados Federais e Senadores pelo excesso de suas manifestações que extrapolam o exercício da função. Desse modo, subsiste a ofensa à separação dos poderes, prevista como cláusula pétrea pela Constituição Federal, tornando, portanto, a referida emenda inconstitucional e merecedora o título de PEC da Impunidade.

Por fim, mister salientar que este é apenas um dos diversos pontos questionáveis da propositura da PEC 03/2021, seja pelo enfoque legal, ético ou moral, vez que visa um verdadeiro constitucionalismo em causa própria, promovendo a blindagem dos membros do Congresso Nacional a qualquer controle externo e abrindo as portas para imunidade absoluta, possibilitando a violação à honra, imagem e dignidade daquele que for vítima dos excessos parlamentares, pois estes ficarão livres de qualquer responsabilidade concreta. No mais, por enquanto nos resta a expectativa de que o Legislativo exerça sua prerrogativa de aprimoramento do texto da proposição legislativa e, nas palavras do Ministro Barroso, “desmereça o epíteto de PEC da Impunidade."

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição. Constituição da Republica Federativa do Brasil, 1988.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 37.721. Impetrante: Kim Patroca Kataguiri. Impetrado: Mesa da Câmara dos Deputados. Relator: Ministro Roberto Barroso. Distrito Federal, 26 de fevereiro de 2021

CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. 6 ed. Coimbra: Editora Almedina. Tomo I, 2003

DISTRITO FEDERAL. Câmara dos Deputados. Projeto de Emenda Constitucional nº 03/2021. Altera os arts. 14, 27, 53, 102 e 105 da Constituição Federal, para dispor sobre as prerrogativas parlamentares e dá outras providências. Disponível em: https://www.câmara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1966562&filename=Tramitacao.... Acesso em 27 de fevereiro de 2021

GONÇALVES, Guilherme Figueiredo Leite; PIOVESAN, Flávia. Imunidade Parlamentar no Estado Democrático de Direito. Revista de direito constitucional e internacional, São Paulo, 2013

JÚNIOR, Silvio Valois da Cruz. LIMA, Alanna Sousa. Imunidades parlamentares e o estado democrático de direito: uma análise contemporânea. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/imunidades-parlamentareseo-estado-de...

NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11 ed. Salvador: Editora JusPodvm, 2016



  Comentários

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Os políticos podem e devem ser punidos por crimes, mas o que se vê hoje é que quem rouba dinheiro público é poupado e o processo vai pra gaveta, traficantes e demais bandidos são soltos em nome da "pandemia", mas quem critica o STF é julgado, condenado e preso. Mas a prisão só vale para os que não são opositores do presidente. Se for da esquerda ou extrema esquerda aí pode tudo. As provas do que falo estão nas redes sociais, no mesmo local onde está a "prova" do crime do Daniel Silveira. Isso que dá ter o Lex Luthor no STF. Quando o executivo ou o legislativo tomam uma ação é desrespeito a separação dos poderes, mas quando o STF prende um politico por opinião aí não quebra a separação de poderes. Sei...

O problema aqui não é nem a criação da tal PEC da impunidade, o que para mim é uma excrescência, o problema é o judiciário, intervir em outro poder, alegando que houve um ataque à democracia, usando uma lei que é um entulho do autoritarismo, embasado em um inquérito totalmente ilegal e sem o menor amparo na constituição e na lei. Se um deputado não pode falar o que o povo que nele votou, gostaria que ele falasse, então, estamos mesmo em um regime de exceção. Os senhores ministros do Supremo Tribunal Federal não são o Supremo Tribunal Federal, são servidores que deveriam se colocar em seus lugares, e julgarem, não foram colocados lá para soltar bandidos, perseguir adversários políticos, nem para dar pitacos em receitas de bolos. Eles foram colocados lá para uma única coisa, serem os guardiães da constituição, e neste quesito eles tem falhado bisonhamente. Em tempo, o que esperar de cabos eleitorais, amigos do peito de condenados, advogados obscuros, e cidadão que nem conseguiu passar em concurso de juiz de primeira instância, né?

O quanto deste desrespeito à separação dos poderes é causada pelas atitudes dos 11 supremos?

Lamentavelmente o que se percebe o STF legislando em favor próprio, esquecendo do restante do povo brasileiro. Estão oferecendo migalhas para os "menos favorecidos" ao invés de oferecer as ferramentas para que todos possam trabalhar com dignidade. Um exemplo; Um cidadão que trabalha durante 35 anos com problemas de saúde e quando fecha os requisitos para aposentar recebe um salário mínimo com o qual deve pagar as contas dos "poderosos" e seus caprichos, enquanto que um cara que nunca trabalhou mas, está doente acaba por receber o Benefício Assistencial ao Deficiente, sendo premiado com o mesmo salário minimo, igual aquele que laborou a vida toda. É muito triste a gente ver poucos ganhando rios de dinheiro enquanto os demais, a grande maioria mingua pedindo socorro nas filas dos Orgãos de Saúde.
ONDE ESTÃO ESTES PROTETORES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL?

Eu acredito que o art. 53 da CF é de uma clareza tão grande que qualquer estudante de Direito do 1* semestre saberá interpretá-lo.