Liberdade de Expressão e Biografias PARTE 01
Manuel Alceu Affonso Ferreira
FONTE MIGALHAS 3239
"Felizmente, no mundo inteiro, a biografia autorizada é a exceção, não a regra. Porque, se assim não fosse, os herdeiros de Napoleão poderiam exigir que sua história fosse expurgada de Waterloo e Santa Helena; os de Oscar Wilde exigiriam que se omitisse o seu caso com Lord Alfred Douglas, sua prisão no cárcere de Reading e sua triste morte em Paris; os de Tiradentes proibiriam que se contasse que ele foi condenado, enforcado e esquartejado. Em todos esses casos, não teríamos a História, mas uma versão postiça, maquiada e emasculada."1
Todavia,
consignadas vênias aos discordantes, não se pretenda enxergar, nesses
preceitos do Direito Privado Positivo, arrimos idôneos capazes de
impedir a biografia desautorizada.
Isto, por vários
motivos, sendo o primeiro deles, já que do tema tratamos, aquele ligado à
biografia do principal formulador da legislação codificada de 2002. Soa
ofensivo increpar, a um intelectual da envergadura do saudosíssimo
professor Miguel Reale, o escopo que, estrabicamente, certos desavisados extraíram dos mencionados comandos do Código Civil, por isso
sustentando coibida, graças à nova lei, a lavratura de biografias
independentes. Suposição dessa espécie equivaleria a, com amazônico
desrespeito à sua ilustre memória, ignorar tudo quanto o emérito jurista
idealizou e construiu ao longo de uma vida inteira dedicada à
Filosofia, à Ciência Jurídica, à Academia e à Literatura.
Noutras palavras,
inaceitável será outorgar, aos aludidos dispositivos, leitura não
somente desterrada, mas antes disto antagônica aos conceitos maiores que
lhes ditam a inteligência e a aplicação, quais sejam, as normas
principiológicas postas na lei magna da República.
Na etimologia grega, "biografia" traduz a vida transcrita (bios, vida, + graphia,
escrita). Daí porque o biográfo jamais poderá assumir a roupagem de um
panegerista ao qual incumba o discurso exclusivamente laudatório, quiçá
asséptico, estranho aos sentimentos, às virtudes e aos vícios, em suma,
às características do biografado, sejam elas quais forem, ou hajam sido.
A tarefa do verdadeiro biográfo não é a de defender, perante tribunais eclesiásticos, um munus sanctificandi
que conduza à beatificação daquele cuja vida retrata. Nesse gênero
literário, o autor lança-se à narrativa factual e contextual do seu
investigado, perscrutando-lhe as grandezas e as fraquezas, os méritos e
os defeitos, bem assim as atitudes que, a despeito da valoração
favorável ou negativa, servem para comprovar a congênita falibilidade
subjacente à sua condição humana.
E para que tal
possa ser executado, naquilo que significante à obra de seu personagem, o
biógrafo não apenas pode, como necessita e deve adentrar-lhe as
intimidades. Exatamente por isso, as "biografias fascinam" e "sua
impressionante resistência ao longo dos séculos, como gênero literário e
como fonte historiográfica, é prova disso. Sua adaptabilidade aos
momentos históricos demonstra sua utilidade como instrumento de
compreensão do mundo humano e dos seres que o integram – os indivíduos."4
Esse componente
integrador da missão biográfica e, consequentemente, do nexo entre a
pessoa notória e a sua privacidade, ficou evidenciado pelo desembargador
carioca João Wehbi Dib em saboroso voto proferido ao julgar, a partir
do livro "Estrela Solitária", de Ruy Castro, determinado pleito das filhas do jogador "Garrincha", ali biografado: "Historiadores
e biográfos consagrados não ocultaram a epilepsia de Machado de Assis,
Júlio Cesar e Dostoiewsky; o alcoolismo de Edgard Allan Poe, Vinicius de
Moraes e Joaõ Saldanha; o homossexualismo de Alexandre O Grande,
Verlaine, Rembrandt e Oscar Wilde; os assassinatos perpetrados por reis,
imperadores e presidentes...;os suicídios da Rainha Cleópatra, dos
escritores Stepahn Zweig e Ernest Hemingway e do pai da aviação, Santos
Dumont; os eventos das chamadas cortesãs Ana Jacinta, conhecida como
Dona Beja do Araxá, e Laurinda Santos Lobo, que encantava as noites do
bairro de Santa Tereza, que são as Violetta Valéry brasileiras...".5
1ª parte
A segunda parte será publicada amanhã devido a extenção doi excelente parecer
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