sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Liberdade de Expressão e Biografias PARTE 1

Liberdade de Expressão e Biografias PARTE 01

Manuel Alceu Affonso Ferreira


 FONTE MIGALHAS 3239
"Felizmente, no mundo inteiro, a biografia autorizada é a exceção, não a regra. Porque, se assim não fosse, os herdeiros de Napoleão poderiam exigir que sua história fosse expurgada de Waterloo e Santa Helena; os de Oscar Wilde exigiriam que se omitisse o seu caso com Lord Alfred Douglas, sua prisão no cárcere de Reading e sua triste morte em Paris; os de Tiradentes proibiriam que se contasse que ele foi condenado, enforcado e esquartejado. Em todos esses casos, não teríamos a História, mas uma versão postiça, maquiada e emasculada."1

É coisa antiga, quase carcomida, a lição jurídica em torno das chamadas "biografias não-autorizadas", isto é, aquelas não previamente licenciadas pelos biografados, ou por seus sucessores. Controvérsia, essa, à qual o Código Civil Brasileiro de 2002 adicionou poderosos ingredientes quando, querendo repercutir a tutela outorgada pela Constituição Federal aos direitos da personalidade2, dispôs que, salvo permitidas, "a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas... se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais..." e, mais, que "A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma."3

Todavia, consignadas vênias aos discordantes, não se pretenda enxergar, nesses preceitos do Direito Privado Positivo, arrimos idôneos capazes de impedir a biografia desautorizada.

Isto, por vários motivos, sendo o primeiro deles, já que do tema tratamos, aquele ligado à biografia do principal formulador da legislação codificada de 2002. Soa ofensivo increpar, a um intelectual da envergadura do saudosíssimo professor Miguel Reale, o escopo que, estrabicamente, certos desavisados extraíram dos mencionados comandos do Código Civil, por isso sustentando coibida, graças à nova lei, a lavratura de biografias independentes. Suposição dessa espécie equivaleria a, com amazônico desrespeito à sua ilustre memória, ignorar tudo quanto o emérito jurista idealizou e construiu ao longo de uma vida inteira dedicada à Filosofia, à Ciência Jurídica, à Academia e à Literatura.
Noutras palavras, inaceitável será outorgar, aos aludidos dispositivos, leitura não somente desterrada, mas antes disto antagônica aos conceitos maiores que lhes ditam a inteligência e a aplicação, quais sejam, as normas principiológicas postas na lei magna da República.
Na etimologia grega, "biografia" traduz a vida transcrita (bios, vida, + graphia, escrita). Daí porque o biográfo jamais poderá assumir a roupagem de um panegerista ao qual incumba o discurso exclusivamente laudatório, quiçá asséptico, estranho aos sentimentos, às virtudes e aos vícios, em suma, às características do biografado, sejam elas quais forem, ou hajam sido.

A tarefa do verdadeiro biográfo não é a de defender, perante tribunais eclesiásticos, um munus sanctificandi que conduza à beatificação daquele cuja vida retrata. Nesse gênero literário, o autor lança-se à narrativa factual e contextual do seu investigado, perscrutando-lhe as grandezas e as fraquezas, os méritos e os defeitos, bem assim as atitudes que, a despeito da valoração favorável ou negativa, servem para comprovar a congênita falibilidade subjacente à sua condição humana.

E para que tal possa ser executado, naquilo que significante à obra de seu personagem, o biógrafo não apenas pode, como necessita e deve adentrar-lhe as intimidades. Exatamente por isso, as "biografias fascinam" e "sua impressionante resistência ao longo dos séculos, como gênero literário e como fonte historiográfica, é prova disso. Sua adaptabilidade aos momentos históricos demonstra sua utilidade como instrumento de compreensão do mundo humano e dos seres que o integram – os indivíduos."4

Esse componente integrador da missão biográfica e, consequentemente, do nexo entre a pessoa notória e a sua privacidade, ficou evidenciado pelo desembargador carioca João Wehbi Dib em saboroso voto proferido ao julgar, a partir do livro "Estrela Solitária", de Ruy Castro, determinado pleito das filhas do jogador "Garrincha", ali biografado: "Historiadores e biográfos consagrados não ocultaram a epilepsia de Machado de Assis, Júlio Cesar e Dostoiewsky; o alcoolismo de Edgard Allan Poe, Vinicius de Moraes e Joaõ Saldanha; o homossexualismo de Alexandre O Grande, Verlaine, Rembrandt e Oscar Wilde; os assassinatos perpetrados por reis, imperadores e presidentes...;os suicídios da Rainha Cleópatra, dos escritores Stepahn Zweig e Ernest Hemingway e do pai da aviação, Santos Dumont; os eventos das chamadas cortesãs Ana Jacinta, conhecida como Dona Beja do Araxá, e Laurinda Santos Lobo, que encantava as noites do bairro de Santa Tereza, que são as Violetta Valéry brasileiras...".5
 
1ª  parte 
A segunda parte será publicada amanhã devido a extenção doi excelente parecer

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