Divórcio.
O novo divórcio à luz da EC Nº 66/2010
1. Breve escorço histórico da dissolução do casamento
A
compreensão do casamento pela legislação brasileira, historicamente foi
marcada pela indissolubilidade, onde, sob a influência dos moldes
religiosos cristãos, aqueles que convolassem núpcias permaneceriam
casados “até que a morte os separe”, partindo-se da premissa de que “o que Deus une, o homem não separa”.
Apesar do casamento ser indissolúvel, diante de circunstâncias onde a ruptura do convívio marital tornar-se-ia inevitável, o Código Civil de 1916
contemplou a figura jurídica do “desquite”, qual concebia a dissolução
da sociedade conjugal, mas sem que o vínculo matrimonial chegasse ao
fim. Com o desquite, findava-se o dever de fidelidade, o dever de
coabitação e a comunicação patrimonial, mas o casal continuava atrelado
um ao outro pelos enlaces do vínculo conjugal, quais se preservavam pela
indissolubilidade matrimonial.
Na segunda metade da década de
setenta, mais precisamente em 28 de junho de 1977, por conta de uma
Emenda Constitucional ao Texto Político vigente, fora instituído em
nosso ordenamento jurídico a figura do divórcio. Das mãos do então
Senador baiano Nelson Carneiro fora regulamentada a Lei do Divórcio,
sancionada em 26 de dezembro de 1977, materializada pela Lei Federal n.º
6.515/77.
A
Lei do Divórcio estabeleceu um sistema dualista de dissolução conjugal,
contemplando a dicotomia entre a figura da separação judicial e do
instituto do divórcio. Neste contexto, a separação judicial era a nova
terminologia dada ao antigo desquite. A separação judicial viabilizava a
dissolução da sociedade conjugal, por meio da qual se punha termo final
ao dever de fidelidade, ao dever de coabitação e à comunicação
patrimonial, ao tempo em que o divórcio era o instituto jurídico hábil a
viabilização da extinção do vínculo conjugal.
Com a Constituição
Democrática de 1988, apesar de grandes modificações e quebras de
paradigmas no direito brasileiro, fora mantido o sistema dualista de
dissolução matrimonial, estabelecendo-se como requisitos para o divórcio
a prévia separação judicial ou separação de corpos por mais de um ano
nos casos expressos em lei, ou a comprovação da separação de fato por
mais de dois anos.
O Código Civil de 2002
cuidou de disciplinar os requisitos da separação judicial, no que
concerne às espécies separação falência, separação remédio e separação
sanção. A separação falência seria aquela onde fosse comprovada a
ruptura da vida em comum há mais de um ano e que fosse impossível sua
reconciliação (art. 1.572, § 1º do CCB-02). Por sua vez, a separação
remédio, remete a hipótese do cônjuge ser acometido de doença mental
grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação
da vida em comum, quando, após dois anos, haja o reconhecimento de que a
cura seria improvável (art. 1572, § 2º do CCB-02). Por derradeiro, a
hipótese de separação sanção decorre da violação dos deveres do
casamento que torne insuportável a vida em comum (caput do Art. 1.572 do
CCB-02) (BRASIL, 2002).
Cabe sinalizar, que na modalidade
separação sanção, por ter como fundamento a violação dos deveres
conjugais, a nossa legislação cuidou de disciplinar o apreço e os
efeitos da “culpa” na dissolução da sociedade conjugal[2].
Com o escopo de facilitar a tramitação de tais demandas, a Lei n.º 11.441/2007
veio regular a dissolução do casamento por meio de escritura pública,
lançando-se mão da via administrativa para as demandas consensuais, em
que não figurem interesses de filhos menores, valorizando, assim, a
autonomia da vontade das partes e permitindo uma tramitação mais rápida e
eficaz fora do judiciário.
Proveniente de um projeto de Emenda
Constitucional proposto pelo Deputado Federal baiano Sérgio Barradas
Carneiro, em 13 de julho de 2010 fora promulgada a Emenda Constitucional
n.º 66/2010 que determinou: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. Carece agora apreciar seus efeitos e repercussão no âmbito jurídico.
2. O divórcio no Brasil após a EC Nº. 66/2010
Com o advento da Emenda Constitucional n.º 66/2010,
a nova redação constitucional retirou os tradicionais requisitos
prévios à concessão do divórcio, quais sejam, o lapso temporal de mais
de um ano da prévia separação judicial ou de corpos nos casos expressos
em lei, ou mais de dois anos na hipótese de separação de fato. Ante tal
circunstância, tem-se como efeito a inconstitucionalidade superveniente
dos dispositivos do Codex Civile que disciplinavam tais
requisitos legais, uma vez que a Emenda Constitucional excluiu o
fundamento de validade constitucional que amparava a legislação
ordinária.
Ante
esta nova realidade, o novo divórcio, fundado legalmente no texto da E.
C. N.º 66/2010, não está condicionado a nenhum requisito legal prévio,
tendo como fundamento jurídico a autonomia da vontade das partes, a
liberdade plena do casal de decidir permanecer ou não casados.
Neste
contexto, preserva-se a intimidade do casal, pois não havendo
fundamentos jurídicos especificados pela lei, os motivos que lastreiam a
iniciativa do casal não precisarão ser estraçalhados em juízo.
2.1 O divórcio à luz da EC N.º 66/2010 X Separação
No
que concerne à “separação”, perdendo a mesma seu fundamento de validade
constitucional, não se concebe mais sua exigência prévia à concessão do
divórcio, nem tampouco os requisitos que lhes foram disciplinados no
âmbito infraconstitucional, assim, tal instituto perde sua razão de ser.
Para muitos autores[3], a separação foi banida do ordenamento jurídico por incompatibilidade hierárquica do regramento civil diante do Texto Constitucional.
Assim, sustenta-se, portanto, o fim da separação e o sepultamento do
sistema dualista que estabeleceu a dicotomia da separação versus o divórcio.
Preserva-se,
porém, o ato jurídico perfeito perante aqueles casais que estejam na
condição de separados de fato, de modo que, estes, podem lançar mão do
divórcio quando e se quiserem.
As ações de separação que
continuam em curso, por perda do objeto, poderiam ser extintas sem
julgamento de mérito, autorizando as partes ao ajuizamento do divórcio.
Contudo, foi sendo adotado na prática a intimação das partes para
emendarem a inicial e converterem o pedido de separação em divórcio, de
modo a garantir efetividade, celeridade e melhor prestação
jurisdicional.
Como decorrência do fim do instituto da separação
(judicial ou administrativa), cai por terra toda a discussão acerca da
imputação de culpa pela ruptura da sociedade conjugal e seus efeitos, já
que tal assunto era próprio da separação (uma vez que o no divórcio só
se apreciariam os prazos). Não mais se discute a culpa, apenas e tão
somente a vontade de extinguir o vínculo e a sociedade conjugal
concomitantemente pelo divórcio, estabelecendo um direito potestaivo.
Apesar
deste entendimento ser o mais útil à realidade atual, ainda que seja
entendimento majoritário, não é o único. Há quem entenda que a separação
continua existindo, pois não houve efetiva revogação dos dispositivos
do código civil, pois a EC n.º 66/2010 conseguiu apenas esvaziar o instituto da separação, mas não o revogou.
A
simplificação da dissolução do casamento pelo novo divórcio não tem o
condão de incentivar a falência conjugal, nem tampouco de alimentar a
fugacidade dos relacionamentos, busca-se apenas permitir que diante do
inequívoco fim de um relacionamento conjugal, não se escravize o destino
de uma pessoa ao de outra, mas, que se permita seguir em frente,
construir uma nova história e buscar a felicidade e realização pessoal
nos braços de um outro alguém.
Bibliografia
BRASIL, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em:. Acesso em: 12 fev. 2014.
DIAS, Maria Berenice. Divórcio já: comentários à emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010. São Paulo: RT, 2010.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Famílias. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2012.
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O novo divórcio. São Pauo: Saraiva, 2010.
LÔBO, Paulo. PEC do divórcio: consequências jurídicas imediatas. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e sucessões. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, n. 11, ago./set. De 2009.
[1] Clever Jatobá
é advogado e consultor jurídico baiano, Pós Graduado em Direito do
Estado (JusPodivm e faculdade Baiana de Direito. Mestrando em Família na
Sociedade Contemporânea pela UCSAL e aluno do Doutorado em Direito
Civil pela UBA – Universidad de Buenos Aires (Argentina), além de
Professor de Direito da faculdade Ruy Barbosa, onde é Advogado e
Supervisor do Balcão de Justiça e Cidadania da Boca do Rio. Além de
Professor e Coordenador do Curso de Direito da faculdade Apoio Unifass
(Lauro de Freitas-Ba).
[2]
Neste ponto, a legislação brasileira, no Art. 1573 do CCB-02 delineou
um rol exemplificativo de hipóteses que justificam a impossibilidade da
manutenção da vida em comum nas situações de adultério, tentativa de
matar o outro cônjuge, sevícia ou injúria grave, abandono do lar por um
ano, condenação por crime infamante e conduta desonrosa (BRASIL, 2002).
[3] Neste sentido, Lôbo (2009), Dias (2010, p. 25), Farias e Rosenvald (2012, p. 414), Gagliano (2010, p. 54) entre outros.
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Na década de 70, o País ainda vivia uma ditadura, e a maioria do povo
brasileiro, eram católicos, razão pela qual, o Projeto demorou para ser
aprovado, pois teve início em 1974, sendo que, o senador NELSON CARNEIRO
foi excomungado pelo então Papa Paulo VI. O divórcio é uma evolução,
pois todos tem o direito de mais uma chance na vida. Muitas vezes, as
pessoas divorciam e no outro casamento vivem bem, sendo que até a igreja
católica já aceitam os divorciados.