sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

A testemunha tem direito ao silêncio?


Fala pessoal, tudo bem?

Segue mais um artigo para leitura.

Afinal, uma pessoa que se dispõe a ser testemunha no processo penal tem direito ao silêncio quando da sua oitiva?

Num primeiro momento, analisando friamente a legislação penal e processual penal, diríamos que a testemunha não deve permanecer em silêncio, não devendo se calar, sob pena de, o fazendo, incorrer no crime de falso testemunho, previsto no artigo 342 do Código Penal, o qual aqui transcrevo:

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013) (Vigência)

Tal entendimento decorre da credibilidade da justiça e das instituições. A pessoa que foi arrolada como testemunha não pode debochar do poder judiciário, ou da polícia penal, mentindo ou ocultando informações.

Entretanto, a análise não pode ser tão rasa assim.

Pode haver situações em que a testemunha, se for falar toda a verdade que sabe sobre algum assunto, pode se autoincriminar, ou seja, pode ser processada por um crime que até então nem a polícia nem o juiz de direito sabia que ela tinha cometido.

Vamos pensar na seguinte situação: uma pessoa está sendo acusada de cometer o crime de tráfico de drogas e um vizinho desse suposto traficante foi arrolado como testemunha de acusação.

Esse vizinho, até então sem qualquer suspeita por parte da polícia e do Ministério Público, começa a falar em seu depoimento e, em determinado momento ele está prestes a falar que auxiliava o traficante a vender as drogas.

Ora, ele está assumindo que participava do tráfico de drogas e pode por esse crime ser processado.

Em situações como a mencionada acima, é claro que à testemunha deve incidir o direito ao silêncio, pois uma pessoa tem o direito de não se autoincriminar nem produzir provas contra si mesma.

Trago ao artigo uma decisão expressiva do STF:

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PRIVILÉGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO - DIREITO QUE ASSISTE A QUALQUER INDICIADO OU TESTEMUNHA - IMPOSSIBILIDADE DE O PODER PÚBLICO IMPOR MEDIDAS RESTRITIVAS A QUEM EXERCE, REGULARMENTE, ESSA PRERROGATIVA - PEDIDO DE HABEAS CORPUS DEFERIDO . - O privilégio contra a auto-incriminação - que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito - traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário . - O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes. O direito ao silêncio - enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) - impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado . - Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. Precedentes. (STF - HC: 79812 SP, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 08/11/2000, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 16-02-2001 PP-00021 EMENT VOL-02019-01 PP-00196).

O direito ao silêncio e a não autoincriminação deve ser estendido a qualquer pessoa e não apenas ao preso ou réu em um processo penal.

A interpretação da Constituição Federal tem de ser ampla. O artigo , inciso LXIII da CF/88 apregoa que:

“LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;”.

Do mesmo modo, o Pacto de São José da Costa Rica segue o entendimento de que o réu tem o direito à não autoincriminação.

Todavia, conforme já dito, a extensão do direito ao silêncio tem de atingir as testemunhas, independentemente de seu grau.

Inclusive, entendo que o direito ao silêncio deve ser garantido ao policial civil e militar que são testemunhas no inquérito policial e no processo penal.

E o direito ao silêncio, no caso de policiais civis e militares, deve ser garantido para crimes comuns que eles possam ter cometido, bem como aos demais crimes funcionais e, principalmente, aos crimes contidos na lei de abuso de autoridade, visto que é comum ocorrer abuso de autoridade em abordagens.

Assim, se você for contratado por uma testemunha que tenha algum receio em seu depoimento, oriente-a a permanecer em silêncio em caso de possibilidade de autoincriminação.

Por hoje é isso, pessoal. Espero que tenham gostado.

Forte abraço.

Escrito em 19/01/2022.

1 Comentário

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Parabéns Mestre... Belo artigo. Sempre bom ler suas considerações. Abraço

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário