19/06/2013 - 03h32
O monstro foi para a rua
Em dezembro de 1974, a
oposição havia derrotado a ditadura nas urnas, elegendo 16 dos 21
senadores, e o ex-presidente Juscelino Kubitschek estava num almoço
quando lhe perguntaram o que acontecia no Brasil.
- O que vai acontecer, não sei. Soltaram o monstro. Ele está em todos os lugares.
Abaixou-se, como se procurasse alguma coisa embaixo da mesa e prosseguiu:
- Ele está em todos os lugares, aqui, ali, onde você imaginar.
- Que monstro?
- A opinião pública.
Dois anos depois JK
morreu num acidente de automóvel e o monstro levou-o no ombros ao avião
que o levaria a Brasília. Lá ocorreu a maior manifestação popular desde a
deposição de João Goulart.
Em 1984 o general
Ernesto Geisel estava diante de uma fotografia da multidão que fora à
Candelária para o comício das Diretas Já.
- Eu me rendo --disse o ex-presidente, adversário até a morte de eleições diretas em qualquer país, em qualquer época.
Demorou uma década,
mas o monstro prevaleceu. O oposicionista Tancredo Neves foi eleito pelo
Colégio Eleitoral e a ditadura finou-se.
O monstro voltou. O mesmo que pôs Fernando Collor para fora do Planalto.
No melhor momento de
seu magnífico "Pós Guerra", o historiador Tony Judt escreveu que "os
anos 60 foram a grande Era da Teoria". Havia teóricos de tudo e teorias
para qualquer coisa. É natural que junho de 2013 desencadeie uma
produção de teorias para explicar o que está acontecendo. Jogo jogado.
Contudo, seria útil recapitular o que já aconteceu. Afinal, o que
aconteceu, aconteceu, e o que está acontecendo, não se pode saber o que
seja.
Aqui vão sete coisas que aconteceram nos últimos dez dias:
1) O prefeito Fernando
Haddad e o governador Geraldo Alckmin subiram as tarifas e foram para
Paris, avisando que não conversariam nem com os manifestantes. Mudaram
de ideia.
2) Geraldo Alckmin defendeu a ação da polícia na manifestação de quinta-feira passada. Mudou de ideia e pacificou sua PM.
3) O comandante da PM
disse que sua tropa de choque só atirou quando foi apedrejada. Quem
estava na esquina da rua da Consolação com a Maria Antônia não viu isso.
4) Dilma Rousseff foi vaiada num estádio onde a meia-entrada custou R$ 28,50 (nove passagens de ônibus a R$ 3,20).
5) O cartola Joseph
Blatter, presidente da Fifa, mandarim de uma instituição metida em
ladroeiras, achou que podia dar lição de moral aos nativos. (A Viúva
gastará mais de R$ 7 bilhões nessa prioridade. Só no MaracanãX, torraram
R$ 1,2 bilhão.)
6) A repórter Fernanda
Odilla revelou que o Itamaraty achou pequena a suíte de 81 m² do hotel
Beverly Hills de Durban, na África do Sul, e hospedou a doutora Dilma no
Hilton. (Por determinação do Planalto, essas informações tornaram-se
reservadas e, a partir de agora, só serão divulgadas em 2015.)
7) A cabala para
diluir as penas dadas aos mensaleiros que correm o risco de serem
mandados para o presídio do Tremembé vai bem, obrigado. O ministro Dias
Toffoli, do STF, disse que os recursos dos réus poderão demorar dois
anos para ir a julgamento.
Para completar uma lista de dez, cada um pode acrescentar mais três, ao seu gosto.
Elio Gaspari,
nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua
carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003
por "As Ilusões Armadas". Escreve às quartas-feiras e domingos na versão
impressa de "Poder".
Descrença nos Três Poderes é a maior em dez anos em SP
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FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA
A falta
de prestígio dos Três Poderes da República é a maior em dez anos entre
os moradores de São Paulo, segundo pesquisa Datafolha realizada ontem
com 805 paulistanos. Ao mesmo tempo, as redes sociais na internet e a
imprensa aparecem empatadas com mais prestígio do que todas as outras
instituições pesquisadas.
Há dez
anos, 51% dos habitantes da capital paulista achavam que o Executivo
(Presidência e ministérios) tinha muito prestígio. Em 2007, o percentual
caiu para 31%. Hoje, são apenas 19%. Essa década analisada pelo
Datafolha coincide com a administração do PT no Planalto --com Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (de 2011 até hoje). A
margem de erro da pesquisa é de quatro pontos percentuais, para mais ou
para menos.
No caso
do Congresso, a avaliação tem sido ruim: os que achavam que o Poder
Legislativo não tem nenhum prestígio eram 17% em 2003. Agora, a taxa
subiu para 42%.
Os partidos também nunca estiveram em alta. Mas em 2003 havia apenas 22%
dos habitantes da cidade de São Paulo que consideravam que essas
agremiações não tinham nenhum prestígio. Agora, são 44% --trata-se do
maior percentual de desprestígio entre todas as instituições
pesquisadas.
No caso
do Judiciário, 38% dos paulistanos achavam que esse Poder tinha
prestígio em 2003. A taxa recuou em 2007 para 34%. Ontem o Datafolha
registrou só 20%.
Uma
demonstração de que os habitantes de São Paulo não melhoraram seu
conceito geral sobre os juízes, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter
concluído em 2012 o processo do mensalão.
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Editoria de Arte/Folhapress
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Na
outra ponta da avaliação das instituições pesquisadas aparecem as redes
sociais, que lideram com "muito prestígio" para 65% dos paulistanos.
Empatada na margem de erro da pesquisa, a imprensa vem a seguir com 61%.
Em terceiro lugar está a Igreja Católica (35%).
A Igreja Universal do Reino de Deus, com 28% de "muito prestígio", empata tecnicamente com as Forças Armadas, que pontuam 27%.
Mas
todas as instituições perderam prestígio na última década. As redes
sociais foram a exceção por nunca terem sido pesquisadas antes.
Quando o
Datafolha pergunta quem tem mais de influência na sociedade, redes
sociais (72%) e imprensa (70%) estão em primeiro lugar. Bem abaixo vêm
Igreja Católica (34%) e Igreja Universal (32%).
O
Datafolha também constatou que aumentou muito a parcela dos paulistanos
que apoia os protestos contra o reajuste da tarifa de ônibus na cidade.
Na quinta passada, 55% eram a favor das manifestações. Agora, são 77%.
Uma das
possíveis razões para esse salto pode ser o fato de o levantamento da
semana passada ter sido realizado antes do protesto que terminou com
acusações de uso de violência por parte da PM contra os manifestantes.
Já o de ontem foi feito um dia após novas passeatas sem grandes
confrontos entre ativistas e forças de segurança.
De
maneira espontânea, 67% dos paulistanos disseram que o motivo que levou
65 mil pessoas a protestar anteontem em São Paulo foi o aumento no preço
das passagens do transporte. Para 38%, a razão da marcha foi a
corrupção. E 35% responderam que o protesto teria sido contra os
políticos.
Outros
motivos citados pelos paulistanos para os protestos são a reivindicação
de mais qualidade no transporte (27%), mais segurança (20%), contra a
violência ou repressão da polícia (18%). Apenas 5% acreditam que as
passeatas sejam por causa de gastos com Copa das Confederações ou Copa
do Mundo.
O uso
da Paulista para protesto tem o apoio dois em cada três habitantes da
cidade (65%). Só 32% não querem a via sendo ocupada por ativistas e 3%
não souberam responder.
METODOLOGIA
Para a
realização desta pesquisa, o Datafolha ouviu ontem 805 pessoas,
escolhidas por sorteio aleatório, em todas as regiões da cidade. Os
entrevistados representam a população da cidade de São Paulo.
Foram consideradas as pessoas com 16 anos de idade ou mais.
A
margem de erro é de 4 pontos, para mais ou para menos, com um nível de
confiança de 95%. Isso significa que se fossem realizados 100
levantamentos com a mesma metodologia, em 95 os resultados estariam
dentro da margem de erro prevista.