"Monstro indomável"
Google é responsável por vídeos difamatórios no Youtube
Por
mais que alegue ser impossível tirar vídeos do ar sem ordem específica
para cada vídeo, o Google é obrigado a fazê-lo, pois deve dominar a
tecnologia que usa e disponibiliza. Esse é o entendimento da 4ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça, que deu à empresa 24 horas, a partir da
notificação, para retirar do YouTube os filmes adulterados da campanha
publicitária da motocicleta Dafra, sob pena de multa de R$ 500 por dia
de descumprimento. O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso,
afirma que “se a [empresa] Google criou um ‘monstro indomável’, é apenas
a ela que devem ser imputadas eventuais consequências desastrosas
geradas pela ausência de controle dos usuários de seus sites”.
Em
março de 2009, foi veiculada em todo o país a campanha “Dafra — Você
por cima”, produzida pela agência publicitária Loducca. Entre as peças
criadas estava o vídeo publicitário “Encontros”, que contava com a
participação do ator Wagner Moura (foto). Poucos dias depois, o vídeo foi plagiado e uma nova versão difamatória começou a circular no canal de vídeos YouTube.
Na
adulteração da peça audiovisual, o som original foi sobreposto. A nova
narração, que contava com uma voz bastante semelhante a do ator
contratado, denegria a marca com termos chulos e palavras de baixo
calão.
Novo vídeo
Assim que notificada extrajudicialmente, o Google do Brasil retirou o
vídeo do ar. Na tela de exibição apareciam os dizeres: “este vídeo não
está mais disponível devido à reivindicação de direitos autorais por
Dafra”. Ainda assim, a ação não foi suficiente para impedir novas
publicações do mesmo vídeo.
A fabricante de motos e a agência de
publicidade entraram então na Justiça. Em suas alegações, afirmavam que o
Google não adotou as medidas necessárias para evitar novas exibições de
vídeos com o mesmo conteúdo no site, independentemente do título dado.
Alegavam também que a empresa não adotou mecanismos efetivos de bloqueio
em relação à ferramenta de buscas.
No pedido, requeriam que o
Google deixasse de exibir imediatamente o filme pirata, tanto com o
título dado à falsa campanha, quanto com outro título qualquer que
direcionasse para a marca e nome empresarial Dafra, a menos que se
tratasse de conteúdo previamente autorizado. Acessoriamente, solicitaram
a inclusão de texto de advertência personalizado; o fornecimento dos
dados de identificação de todos os usuários que disponibilizaram o vídeo
e imposição de multa diária, além de indenização por danos morais.
Impossibilidade técnica
Na primeira instância, o juiz determinou a retirada imediata do vídeo do
ar e determinou a multa diária no valor de um salário mínimo. Houve
recurso do Google, alegando que a obrigação técnica imposta era
juridicamente impossível de ser cumprida. Segundo a empresa, não existe
atualmente tecnologia que possibilite a adoção de filtros de bloqueio
capazes de identificar a disponibilização de material fraudulento. O
Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a impossibilidade técnica de
controle prévio, mas manteve a determinação da retirada do ar.
Alegando
omissão do acórdão e impossibilidade de cumprimento da obrigação, o
Google recorreu ao STJ. Afirmou ser impraticável fornecer os dados dos
responsáveis pela postagem dos vídeos com a simples indicação do
endereço eletrônico, ou URL, sem que haja uma determinação judicial. O
prazo de 24 horas para a retirada dos vídeos também foi contestado.
O ministro Luis Felipe Salomão (foto),
relator do processo, reconheceu a importância da discussão. “Saber qual
o limite da responsabilidade dos provedores de internet ganha extrema
relevância, na medida em que, de forma rotineira, noticiam-se violações à
intimidade e à vida privada de pessoas e empresas, julgamentos sumários
e linchamentos públicos de inocentes, tudo praticado na rede mundial de
computadores e com danos substancialmente potencializados em razão da
natureza disseminadora do veículo.”
Reconhecendo a importância do
conhecimento jurídico para soluções relacionadas ao tema, o ministro
destacou que fatores tecnológicos e saberes conexos devem ser
considerados. Em seu voto, chegou a cogitar o chamamento de entidades da
sociedade civil para um maior embasamento teórico em questões
similares.
Questão jurídica
O ministro afastou a incidência da Súmula 7, que veda o reexame
de provas. Para ele, o que se aprecia no caso são teses jurídicas, a
plausibilidade jurídica do direito alegado. “No caso, analisa-se apenas a
antecipação de tutela concedida na origem para que cessasse a
veiculação de vídeo no sítio eletrônico YouTube.” Ou seja, a
possibilidade de um provedor de conteúdo cumprir decisão judicial que
determina a retirada de apontado conteúdo falso de suas páginas.
A
parte relativa aos filtros de bloqueio foi tratada pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo, segundo o relator, mas restaram dúvidas quanto ao
alcance da decisão daquele colegiado. O acórdão paulista determinou a
retirada do ar do filme pirata citado na inicial e de qualquer outro
título que faça referência ao termo Dafra. Entendeu também que seria
razoável que, uma vez cientificada de outros vídeos similares, o Google
retirasse o material do ar em 24 horas.
Controle prévio
O relator explicou que, ao reconhecer “certa impossibilidade de
controle prévio”, o acórdão não trata de vídeos futuros envolvendo o
mesmo título mencionado ou com nome diverso do citado na inicial. Deste
modo, a obrigação do Google alcançaria somente os vídeos com o título
“Dafra — Você por cima”, acrescido de locução imprópria, tendo sido suas
URLs indicadas pelas autoras ou não.
Em seu voto, Salomão
afastou a alegação de censura prévia feita pela empresa de serviços
online e reafirmou a possibilidade do fornecimento da identificação
eletrônica de quem disseminou o vídeo. Essa tese já está, segundo a
decisão, pacificada no STJ.
Quanto ao prazo de 24 horas, o
ministro afirmou que “considerada a velocidade com que a informação
circula na internet, é o bastante para potencializar o dano gerado, não
se mostrando prudente dilatá-lo ainda mais”. A multa por descumprimento
foi reduzida para o valor de R$ 500 por dia.
Divergência
A ministra Isabel Gallotti acompanhou a maior parte do
entendimento do ministro relator, porém esclareceu que, para ela, seria
fundamental que as páginas a serem suprimidas no resultado das buscas e
do banco de dados tenham a URL indicada. Segundo a ministra, “não há que
se falar em subjetividade na exclusão de URLs indicadas, pois estamos
tratando de um vídeo específico, mesmo que tenha sido postado no YouTube
com indexação e nomes distintos”.
Para a ministra, dado o modo
de operação da retirada do vídeo do ar, o prazo de 24 horas deveria ser
dilatado para 72 horas. O ministro Raul Araújo acompanhou esse
entendimento. Porém, os ministros Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi
seguiram o voto do relator e o prazo de 24 horas foi mantido.
Resposta personalizada
A questão da resposta personalizada ao vídeo foi tratada pelo
colegiado em um outro recurso. A intenção da Loducca e da Dafra era de
que o Google inserisse texto com o seguinte conteúdo: “a exibição de
filme com conteúdo difamatório de Dafra Motocicletas consiste em ato
ilícito, sujeitando os infratores a responderem pelas sanções civis e
criminais cabíveis”.
Para Luis Felipe Salomão, o próprio
ordenamento jurídico já se encarrega de advertir sobre as consequências
criminais e civis de violação de direitos como no caso do vídeo. O
pedido, além de transcender os interesses particulares envolvidos, seria
desnecessário, de acordo com ele.
Fonte: Conjur