Aprovado
no Senado na noite desta quarta-feira (4), o PLC (Projeto de Lei da
Câmara) 58/2013, também conhecido como Lei da Palmada, causou polêmica
desde o momento em que a proposta foi apresentada ao Congresso. Entre os
críticos está a advogada Carmem Nery, especialista em administração
legal. Para Carmen, a nova lei “não vai pegar”. Ela defende que Direito e
legislação acompanham a sociedade, e não são capazes de mudarem,
sozinhos, paradigmas culturais e sociais.
“Estabelecer leis não significa
necessariamente um avanço social. Se temos cultura de maus tratos a
crianças e adolescentes - e não acho que é toda sociedade que pratica
isso – e sim, claro que existe um abuso mais pontual, não será uma nova
legislação que vai mudar isso. A mudança de cultura não se faz por
decreto, mas de educação”, diz Carmem, do livro “Decisão Judicial e
Discricionariedade: a sentença determinativa no processo civil”. Assim
como outros juristas, a advogada crê numa distinção entre a chamada
educativa e os maus tratos.
Um ponto levantado pelos críticos da
lei é sua fiscalização, que seria difícil de ser realizada. A nova lei
prevê que se o profissional de saúde, da assistência social, da educação
ou qualquer outra pessoa que exerça função pública que saiba dos
castigos físicos e não comunique a autoridade competente pague uma multa
de 3 a 20 salários mínimos. A pena para os pais que praticam o castigo e
promovam situações degradantes de crescimento para crianças envolve o
encaminhamento para programa oficial de proteção à família, à tratamento
psicológico ou psiquiátrico, à programas de orientação, a obrigação de
encaminhar a criança a tratamento especializado e uma advertência.
Já as entidades que trabalham pela
promoção dos direitos da criança e do adolescente comemoram a aprovação
do projeto como um marco histórico em relação à violência infantil, e
até fazem paralelo com o que representou a Lei Maria da Penha, aprovada
em 2006, para a violência contra a mulher.
Ao contrário dos críticos, os
defensores da legislação afirmam que a lei é justamente um dos caminhos
para acabar com hábito cultural de bater nos filhos. “Com a lei teremos
um dispositivo para começar a introduzir essa mudança atingindo a
sociedade como um todo", diz Márcia Oliveira, uma das coordenadoras da
ONG Não bata, Eduque. Para a ONG, que encampou a principal campanha em
prol da Lei da Palmada, além de um instrumento jurídico, a lei é um
marco moral e ético.
Há também uma rejeição das entidades
em relação ao conceito da “palmada educativa”. É defendido que se nos
processos de educação e orientação de adultos, no trabalho ou mesmo nas
escolas e universidades, a palmada não é tolerada, não deveria ser
diferente com a educação infantil.
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Especificidade
A advogada de Direito da Família,
Daniella de Almeida, discorda em relação ao conceito "palmada
educativa". Para ela, é clara a distinção entre a palmada de cunho
educativo e o uso abusivo da violência em crianças.
“É uma lei desnecessária porque o
que não pode haver na educação de crianças é a lesão corporal, que já é
um crime previsto no Código Penal. Além disso, o ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente) fala de maus tratos e da exposição das
crianças a condições degradantes”, comenta Daniella. Carmem concorda que
os dispositivos legais já existentes são bastantes protecionistas em
relação a crianças e adolescentes. “Não há motivo para inventar nova
legislação. Há assuntos e projetos mais urgentes."
As advogadas lembram que a
legislação hoje vigente sobre maus tratos sofridos por menores é o ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente), além do próprio Código Penal. O
primeiro, lei 8.069,
de 1990, se refere ao dever social de todos velarem pela dignidade da
criança e do adolescente, “pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Já o
Código Penal tipifica como crime a lesão corporal, sem especificar a
idade de quem a sofre.
Já a nova lei diz, especificamente,
sobre o direito da criança e do adolescente “de ser educados e cuidados
sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante como
formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto
pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis,
pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas”, ou por
qualquer pessoa encarregada de cuidá-los e protege-los.
Estado em casa
Outro argumento levantado por
especialistas em Direito da família é a excessiva intervenção do Estado
no âmbito familiar e privado.
Os que são contra a legislação defendem
que há uma intervenção excessiva do Estado. “O Estado deveria se
preocupar com assuntos de sua gerência. O processo de tramitação
legislativa é custoso, tanto para a democracia quanto financeiramente.
Esta é uma lei desnecessária. Não é porque há decreto de que pais não
podem mais bater em seus filhos que eles serão melhores educadores de
crianças.”
Campanhas educativas e até a
inclusão do tema da violência infantil e sua prevenção estão previstas
na lei aprovada nesta quarta. Está previsto que esforços de órgãos do
Judiciário e do Executivo, em articulação com a sociedade civil, se
concentrem para promover a nova mentalidade que contribuiria para que os
pais deixassem de achar normal bater em seus filhos.
Mas a ONG Não Bata, Eduque, também
entende que a mudança da relação educativa entre pais e filhos depende
de uma mudança mais horizontal, que seja cultural, mas defende que a
ampliação do diálogo, com o desenvolvimento das campanhas previstas, vai
encontrar um importante aliado na Lei da Palmada. “A lei é um
instrumento jurídico que compromete o Estado brasileiro e estabelece
parâmetros para que os atores do sistema de garantia de direitos de
crianças e adolescentes possam atuar.”
Xuxa
A aprovação na CCJ (Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara) da Câmara, no final de maio, contou
com a presença da apresentadora de televisão Xuxa como defensora do
projeto. Antes da aprovação do Senado, nesta quarta-feira, a
apresentadora também visitou a Casa Legislativa. Foi necessário um
acordo por causa de um desentendimento motivado pela discordância da
bancada evangélica em relação à definição do termo “castigo físico”. O
relator, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), concordou em alterar a
definição especificando a “ação de natureza disciplinar com uso da força
física que resulte em sofrimento físico ou a lesão à criança ou
adolescente”. Antes, o texto falava apenas em “sofrimento”, sem o termo
“físico”.
A Lei da Palmada foi rebatizada no
Congresso, recentemente, como Lei Menino Bernardo, em referência ao
assassinato de Bernardo Boldrini, morto no Rio Grande do Sul, em
fevereiro, por uma injeção letal. O pai e a madrastra, além de uma
assistente social, estão sendo indiciados pela morte do menino.