APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO ENTRE EX-MARIDO E AMANTE. INEXISTENTE ATO ILÍCITO INDENIZÁVEL. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA.
1. A traição, por si só, bem como as conseqüências dela oriundas, não geram o dever de indenizar.
2. A
doutrina e a jurisprudência reconhecem a indenização por abalo moral
entre cônjuges ou conviventes quando há cometimento de ilícito penal um
contra o outro, mas não quando apenas há infração aos deveres
matrimoniais.
APELO DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam
os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram
do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY E DES. LEONEL PIRES OHLWEILER.
Porto Alegre, 28 de setembro de 2011.
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA,
Relatora.
RELATÓRIO
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (RELATORA)
Cuida-se
de apelo interposto por R.M.L. na ação indenizatória que moveu em
desfavor de N.R.F., contra sentença (fls. 57-60) que julgou improcedente
a pretensão inicial, condenando a parte autora ao pagamento das custas
processuais e dos honorários advocatícios ao patrono do réu, estes
fixados em R$ 2.000,00 (Dois Mil Reais).
Em suas
razões recursais (fls. 64-74), a parte autora sustentou que jamais
conseguiu superar o relacionamento amoroso extraconjugal entre seu
ex-marido e a demandada. Disse que atualmente encontra-se depressiva e
ansiosa em função do adultério. Discorreu acerca do ato ilícito e da
proteção à família como um valor consagrado pela Constituição Federal.
Por fim, pugnou pelo total provimento do apelo.
Com
contrarrazões às fls. 78-83, subiram os autos a este Tribunal, e vieram a
mim conclusos, para julgamento, em 05.08.2011 (fl. 84).
É o relatório.
VOTOS
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (RELATORA)
Eminentes Colegas!
A parte
autora alega, na inicial, que sofreu forte abalo moral em decorrência da
conduta da ré e do seu ex-marido. Disse que a relação extraconjugal
entre ambos causou-lhe forte angústia, sendo que, atualmente, sente-se
depressiva e ansiosa.
A pretensão foi julgada improcedente em primeiro grau.
Inicialmente,
ressalto que, evidentemente, a ruptura de uma relação matrimonial
ocasiona mágoa, frustração e dor, independentemente do fato motivados.
Entretanto, entendo que tais sentimentos são fatos da vida.
No caso
concreto, tenho que a sentença de 1º grau de lavra do Magistrado Régis
Adil Bertolini, bem analisou a questão, cuja fundamentação adoto como
razões de decidir:
“ (...)
Para que se configure a responsabilidade civil, são necessários, em
regra, três requisitos: a ação ou omissão culposa, a ocorrência do dano e
o nexo de causalidade entre ambos.
Nesse
passo, conquanto a manutenção de relação extraconjugal entre o ex-marido
da autora e a ré seja fato incontroverso – porquanto não impugnado de
forma específica, consoante determina o artigo 302 do Código de Processo
Civil -, não se podendo negar, ademais, o sofrimento experimentado pela
demandante e o nexo de causalidade entre os dois primeiros, a pretensão
esposada na inicial não merece guarida.
Isso
ocorre porque a conduta da ré, ainda que tenha mantido relação com
pessoa casada, não se afigura ilícita: o casamento - assim como os
demais contratos - tem o condão de gerar obrigações apenas para aqueles
que dele participam. A presente demanda, todavia, foi movida contra
terceira pessoa, que não possui o dever de zelar pelo cumprimento dos
deveres reciprocamente assumidos pela autora e seu ex-marido/companheiro
– nomeadamente o da fidelidade -, nem pode ser tida como responsável
pelo insucesso da sociedade conjugal havida entre eles.
Nesse
sentido, parte do voto proferido pela Des. Iris Helena Medeiros
Nogueira, por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº X, na qual se
discutiu questão sobremaneira semelhante à presente:
“Com
efeito, considero que não existe no ordenamento jurídico nacional o
dever legal de fidelidade a ser observado pelo terceiro estranho a
relação conjugal. A propósito, transcrevo bem colocada observação feita
pelo eminente Desembargador Cabral da Silva: 'A vida em comum impõe
restrições que devem ser seguidas para o bom andamento da vida do casal e
do relacionamento, sendo inconteste que os cônjuges possuem o dever
jurídico de fidelidade mútua. Em que pese o alto grau de reprovabilidade
social daquele que se envolve com pessoa casada, não constitui tal
envolvimento, diante dos cânones legais, qualquer ilícito por parte do
apelante. O dever jurídico de fidelidade existe apenas entre os cônjuges
e não se estende a terceiro que venha a ser cúmplice no adultério
perpetrado.' O fundamento legal da responsabilidade civil deve residir
numa obrigação criada por contrato ou Lei. Notadamente, a hipótese
controvertida não se refere a nenhuma modalidade contratual. Em
contrapartida, nosso Direito não contempla nenhuma regra legal que
imponha ao terceiro o dever de não se relacionar com a pessoa casada.
Portanto, em se tratando de uma relação matrimonial, julgo que os
deveres de lealdade, fidelidade e sinceridade recíprocos são exigíveis
apenas dos cônjuges entre si. E isto encontra fundamento legal nas
regras inscritas nos arts. 1.556, e 1.724, do Código Civil Brasileiro de
2002” (Grifado pelo subscritor).
Em outras
palavras, não se vislumbra, no caso, a presença do requisito da culpa
jurídica, definida como a violação de dever legal preexistente.
Não foi
outra, aliás, a conclusão a que chegou o Min. Luis Felipe Salomão,
relator do Recurso Especial nº 1.122.547 – MG. Veja-se, a propósito, a
ementa do julgado em questão:
“RESPONSABILIDADE
CIVIL. DANO MORAL. ADULTÉRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO MARIDO TRAÍDO EM FACE
DO CÚMPLICE DA EX-ESPOSA. ATO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE
VIOLAÇÃO DE NORMA POSTA. 1. O cúmplice de cônjuge infiel não tem o dever
de indenizar o traído, uma vez que o conceito de ilicitude está
imbricado na violação de um dever legal ou contratual, do qual resulta
dano para outrem, e não há no ordenamento jurídico pátrio norma de
direito público ou privado que obrigue terceiros a velar pela fidelidade
conjugal em casamento do qual não faz parte. 2. Não há como o
Judiciário impor um "não fazer" ao cúmplice, decorrendo disso a
impossibilidade de se indenizar o ato por inexistência de norma posta -
legal e não moral - que assim determine. O réu é estranho à relação
jurídica existente entre o autor e sua ex-esposa, relação da qual se
origina o dever de fidelidade mencionado no art. 1.566, inciso I, do
Código Civil de 2002. (...) 4. Recurso especial não conhecido. (REsp
1122547/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
10/11/2009, DJe 27/11/2009)”
Ausente um dos requisitos da responsabilidade civil – qual seja, a culpa -, a improcedência da demanda é a medida que se impõe.
Nesse sentido, segue a jurisprudência do Egrégio TJRS:
SEPARAÇÃO
JUDICIAL LITIGIOSA. VIOLAÇÃO DOS DEVERES CONJUGAIS. CULPA. PROVA.
DESCABIMENTO. DANO MORAL. IMPOSSIBILIDADE, EMBORA ADMITIDO PELO SISTEMA
JURÍDICO. É remansoso o entendimento de que descabe a discussão da culpa
para a investigação do responsável pela erosão da sociedade conjugal. A
vitimização de um dos cônjuges não produz qualquer seqüela prática,
seja quanto à guarda dos filhos, partilha de bens ou alimentos, apenas
objetivando a satisfação pessoal, mesmo por que difícil definir o
verdadeiro responsável pela deterioração da arquitetura matrimonial, não
sendo razoável que o Estado invada a privacidade do casal para apontar
aquele que, muitas vezes, nem é o autor da fragilização do afeto. A
análise dos restos de um consórcio amoroso, pelo Judiciário, não deve
levar à degradação pública de um dos parceiros, pois os fatos íntimos
que caracterizam o casamento se abrigam na preservação da dignidade
humana, princípio solar que sustenta o ordenamento nacional. Embora o
sistema jurídico não seja avesso à possibilidade de reparação por danos
morais na separação ou no divórcio, a pretensão encontra óbice quando se
expurga a discussão da culpa pelo dissídio, e quando os acontecimentos
apontados como desabonatórios aconteceram depois da separação fática,
requisito que dissolve os deveres do casamento, entre os quais o da
fidelidade. Não há dor, aflição ou angústia para indenizar quando não se
perquire a culpa ou se define o responsável pelo abalo do edifício
conjugal. Apelação desprovida. (Apelação Cível NºX Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis,
Julgado em 02/04/2003)
CASAMENTO.
SEPARAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.. RELACIONAMENTO
EXTRACONJUGAL.. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DA EX-COMPANHEIRA CONTRA O
VARÃO. DESCABIMENTO. NAS RELAÇÕES FAMILIARES É COMUM A OCORRÊNCIA DE
MÁGOAS E RESSENTIMENTOS, SENTIMENTOS QUE CAUSAM DOR, MAS QUE NÃO
CARACTERIZAM UM ATO ILÍCITO INDENIZÁVEL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA
MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº X, Oitava Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em
24/06/2010)
PELAÇÃO
CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RELACIONAMENTO EXTRACONJUGAL E
FILHO FORA DO CASAMENTO. DESCABIMENTO NO CASO CONCRETO. A doutrina e a
jurisprudência admitem a indenização por dano moral no casamento e na
união estável em face do cometimento de ilícito penal de um cônjuge ou
companheiro contra o outro, mas não em razão da infração aos deveres
matrimoniais. Assim, a traição e a geração de um filho fora do
casamento, por si só, não acarretam o dever de indenização por dano
moral. Recursos desprovidos. (Apelação Cível Nº X, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em
22/07/2009)
Dessa
forma, em que pese a autora alegue que tenha ficado profundamente
magoada com o relacionamento extraconjugal mantido entre seu ex-marido e
a ré, tenho que tal aborrecimento é caracterizado como um mero
dissabor.
Como já mencionado, a traição, por si só, não é passível de indenização, assim como as conseqüências dela advindas.
Nessa linha, segue trecho da Apelação Cível nº X, julgada pelo Ilustre Relator Rui Portanova, em 16.12.2010:
(...)
Difícil, contudo, definir o verdadeiro responsável pela deterioração
matrimonial. Logo, não se mostra razoável que o Estado invada a
privacidade do casal para apontar aquele que, muitas vezes, nem é o
autor da fragilização do afeto.
Enfim, o
fato narrado nos autos de que o demandado tenha sido o responsável pela
humilhação da autora, bem como pela ruptura do convívio não ficou
comprovado. O contexto fático de dor e sofrimento, caracterizador do
dano moral não está presente aqui, razão pela qual o apelo vai
improvido.”
Dito
isso, entendo que no caso dos autos, a dor emocional é inerente e
inevitável, frente à própria ruptura, não podendo, entretanto, dar
ensejo à indenização.
ANTE O EXPOSTO, NEGO PROVIMENTO AO APELO.
É o voto.
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY (REVISOR) - De acordo com a Relatora.
DES. LEONEL PIRES OHLWEILER - De acordo com a Relatora.
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº X, Comarca de Santa Maria: "DESPROVERAM AO APELO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: RÉGIS ADIL BERTOLINI