O
Tribunal de Justiça de São Paulo condenou nesta quarta feira, 2, a uma
pena de 8 anos e 4 meses de prisão em regime fechado o juiz Gersino
Donizete do Prado, acusado de crime de concussão (extorsão por
funcionário público) por 177 vezes contra um empresário de Santo André,
região do ABC paulista.
Para não converter em falência uma
recuperação judicial, segundo a Procuradoria Geral de Justiça, Gersino
exigiu dinheiro e presentes no valor que somaram cerca de R$ 500 mil. Na
ocasião, ele exercia a titularidade da 7.ª Vara Cível de São Bernardo
do Campo.
A sequência de extorsões arrastou-se
por mais de 3 anos, entre 2008 e 2011, segundo denúncia da
Procuradoria-Geral de Justiça. Segundo a denúncia, o magistrado recebia
pagamentos mensais de até R$ 20 mil.
Além de dinheiro, ele exigiu da vítima gargantilha de ouro, relógios das marcas Rolex e Bvlgari.
A joia, cravejada de esmeraldas, foi
adquirida pelo valor de R$ 11,5 mil. Segundo a ação, o próprio juiz foi
à joalheria e escolheu a peça de seu gosto. No dia seguinte, o
empresário foi à joalheria e pagou. O joalheiro contou que entregou a
encomenda no prédio onde o juiz mora.
O relógio Rolex custou R$ 20 mil. O
Bvlgari saiu mais em conta para a vítima, R$ 12,9 mil. Gersino assistiu a
seu próprio julgamento. Mesmo condenado ele saiu da Corte direto para
casa porque pode recorrer em liberdade.
A condenação de Gersino foi imposta
por unanimidade pelo Órgão Especial do TJ. O colegiado é formado por 25
desembargadores, 12 eleitos por seus pares, 12 mais antigos e o
presidente da Corte.
O relator foi o desembargador José
Carlos Xavier de Aquino. O desembargador presidente, José Renato Nalini,
não votou – o presidente só vota em caso de desempate.
O juiz Gersino Donizete do Prado foi
denunciado em 2011 ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A vítima é o
empresário José Roberto Ferreira Rivello, da Fris Molducar – Frisos e
Molduras para Carros Ltda. A empresa atravessava crise financeira e
estava em processo de recuperação judicial.
José Roberto, testemunha de
acusação, detalhou a forma utilizada pelo juiz para os atos ilícitos.
Como administrador da empresa em recuperação judicial, reunia-se com o
réu ao menos duas vezes por semana, “a fim de pagar as malfadadas
propinas exigidas, as quais começaram nos idos de 2008 com a importância
semanal de R$ 1 mil, passando posteriormente para a quantia de R$ 2 mil
e, por fim, chegou ao montante de R$ 4 mil semanais”.
A testemunha contou que “os
pagamentos foram efetuados no interior do Hotel Mercure e do Fran’s
Café, ambos da cidade de Santo André, e dentro da própria 7.ª Vara Cível
de São Bernardo, da qual o acusado era juiz titular”.
José Roberto afirmou, ainda, que o juiz exigira até o pagamento de 13.º salário da propina, no valor de R$ 20 mil.
Apesar do achaque continuado, a
empresa em recuperação “apresentou leve melhora”, o que estimulou o
magistrado a exigir mais. Em janeiro de 2011, Gersino pediu R$ 52 mil.
Em seu voto, o relator José Carlos
Xavier de Aquino demonstrou perplexidade com a conduta do juiz. “Ao que
parece, diante das facilidades encontradas, a concussão veio em cascata,
posto que também foram exigidas três canetas da marca Mont Blanc, um
notebook Sony Vaio, uma mala Louis Vuitton, ternos Brooksfield, um
aparelho celular modelo Iphone, shampus de cabelo que custavam
quinhentos reais a unidade, além de custear o conserto de rodas de seu
automóvel e pagar uma homenagem na Academia Brasileira de Arte, Cultura e
História.”
Gersino negou a prática dos ilícitos. Mas a investigação, segundo avaliação do relator, “desmente literalmente” o juiz acusado.
Em sua defesa, Gersino admitiu
“apenas encontros casuais” com José Roberto. A análise das ligações
telefônicas mostra que em período de 1215 dias, o juiz conversou 1080
vezes com Miguel Campi, “pessoa que aproximou acusado e vítima”, e
também fez ligações para a própria empresa, “ou seja, uma ligação por
dia”.
O relator transcreveu em seu voto
trecho da obra “Ética geral e profissional”, do desembargador José
Renato Nalini. “Os juízes devem ser considerados pelas partes pessoas
confiáveis, merecedoras de respeito e crédito, pois integram um
estamento diferenciado na estrutura estatal. Espera-se, de cada juiz,
seja fiel à normativa de regência de sua conduta, sobretudo em relação
aos preceitos éticos subordinantes de seu comportamento.”
Ainda segundo Nalini. “Por isso é
que as falhas cometidas pelos juízes despertam interesse peculiar e são
divulgadas com certa ênfase pela mídia. Tais infrações não atingem
exclusivamente o infrator. Contaminam toda a magistratura e a veiculação
do ato isolado se faz como se ele fora conduta rotineira de todos os
integrantes da carreira.”
Xavier de Aquino, relator, foi
categórico. “Verifica-se que o acusado é juiz de direito, circunstância
esta que será alçada na pedra de toque do critério de valorização da
reprovabilidade de sua conduta, daí porque deve ser considerada na
aferição de sua culpabilidade, na medida em que não se concebe que
alguém que exerce a nobre função de dar a cada um o que é seu com
igualdade, viole o consectário da moralidade que norteia a atividade
jurisdicional e macule a toga, praticando crimes ao invés de
reprimi-los.”
O relator sustenta que o juiz réu
“de uma só vez” feriu o artigo 37 do Código de Ética da Magistratura
Nacional (“procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro
de suas funções”), bem como o artigo 35, inciso VIII, da Lei Orgânica
da Magistratura Nacional, “circunstâncias que justificam a elevação da
pena base prevista no artigo 316, do Código Repressivo”.
COM A PALAVRA, A DEFESA
O criminalista José Luís Oliveira
Lima, que defende o juiz Gersino Donizete do Prado, declarou. “Respeito a
decisão do Tribunal de Justiça, mas tenho um outro olhar sobre o
processo. Entendo que todas as provas produzidas na ação penal levavam
ao decreto absolutório.”
Oliveira Lima disse que vai aguardar
a publicação do acórdão para interpor os recursos cabíveis. Na
sustentação oral que fez durante o julgamento, o criminalista refutou
todas as acusações ao magistrado. “O doutor Gersino Donizete do Prado
sempre negou todos os fatos a ele atribuídos.”
Ação Penal nº 0146570-72.2011.8.26.0000