Postado NAÇÃO JURÍDICA por:
Pedro Henrique de Oliveira Pereira \
18 de novembro de 2014
A Justiça brasileira vive um paradoxo. Enquanto uma pesquisa da
Fundação Getúlio Vargas mostra que o índice de confiança no Judiciário é
baixo, 34%, o número de processos não para de crescer. De acordo com
dados do Conselho Nacional de Justiça, em 2013, foram 28,3 milhões de
novos processos em todo o país, o que representa 1,2 novo processo por
segundo a cada dia útil do ano. Apesar da aparente contradição, ambos os
dados tem uma motivação em comum: a morosidade da Justiça.
De acordo com Luciana Gross Cunha, coordenadora do Índice de Confiança
na Justiça (ICJBrasil), não há uma relação direta entre os dois
resultados. Para ela, o número de ações cresce pelo fato de o Judiciário
ser o único caminho para o cidadão reivindicar seus direitos.
Já a baixa confiança, ela justifica pela incapacidade do Judiciário. “O
cidadão está insatisfeito porque o Judiciário presta mal o serviço. É um
sistema falido — porque não consegue responder em tempo hábil — e muito
caro para o erário. Quando o Judiciário dá uma resposta, ela é
insatisfatória”, afirma.
A opinião da coordenadora confirma o que apontam os dados do ICJBrasil.
De acordo com o estudo, feito pela Direito GV, a morosidade é um dos
principais problemas do Judiciário. De maneira geral, o estudo afirma
que os entrevistados consideram os serviços públicos prestados pelo
Judiciário como lento, caro e difícil de utilizar.
Sistema arcaico
Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João
Ricardo Costa, os dados reiteram o que a magistratura tem mostrado ao
longo dos anos. “Apesar do processo de modernização que vivemos e da
maior consciência dos direitos dos cidadãos resultar na geração de
conflitos de massas, a organização do Judiciário ainda está calcada em
um modelo tradicional, o que favorece a morosidade e, consequentemente, a
má avaliação da sociedade”, afirma.
Para ele, é urgente repensar o funcionamento do sistema judicial
brasileiro para atender os cidadãos de forma eficiente. Segundo Costa, o
arcaico sistema recursal é um dos motivadores dessa ineficiência. “O
uso excessivo de recursos impossibilita que os juízes apresentem
melhores resultados perante a crescente demanda da sociedade por seus
serviços. É necessário rever, urgentemente, uma legislação compatível
com a demanda do nosso tempo. A estrutura atual jamais será suficiente
para atender adequadamente os anseios da sociedade brasileira e combater
a morosidade”, defende.
João Ricardo Costa aponta que a alta taxa de congestionamento da Justiça
brasileira está concentrada nas ações de execuções fiscais. São
assuntos relacionados à cobrança de impostos, muitas vezes de valores
irrisórios, que lotam os escaninhos da Justiça. Nesse caso, os
litigantes são os responsáveis pela gestão pública e, muitas vezes,
recorrem ao Judiciário mesmo quando sabem que a derrota é garantida.
Se de um lado as prefeituras, os estados e a União buscam a Justiça para
cobrar o cidadão comum, de outro, as empresas que desrespeitam os
direitos dos consumidores são acionadas diariamente nos tribunais.
Muitas dessas ações são repetitivas e individuais.O presidente da AMB,
cita as companhias telefônicas como mau exemplo: “Se uma empresa de
telefonia aperta um botão e, pelo computador, desconta indevidamente R$ 2
de 10 milhões de clientes, caso 10% deles ingressem com uma ação
individual, isso resultará em um milhão de ações. Isso mostra por que
estamos atrasados: o juiz fica dando sentença repetitiva”.
De acordo com o CNJ, dos 20 maiores litigantes da Justiça, mais da
metade é composta por instituições bancárias. No rol das companhias que
desrespeitam de forma contumaz os direitos dos consumidores, estão
incluídas ainda empresas de planos de saúde e de telefonia.
Já o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (Anamatra), Paulo Luiz Schmidt, credita parte da insatisfação
com a Justiça às características do litígio, pois a parte que sai
derrotada terá a sensação de que a justiça não foi feita. Porém, ele
esclarece que isso apenas interfere na pesquisa, mas não é o principal.
“Determinante é que o Judiciário continua funcionando sobre uma lógica
processual arcaica e isso dificulta uma resposta mais efetiva”,
complementa.
Schmidt diz que as soluções até o momento dadas para combater a
morosidade são apenas paliativas e não atacam a raiz do problema. Para o
juiz, é preciso rever todo o processo judicial. Para isso, é preciso
uma atuação da advocacia junto ao parlamento, o que não acontece. Isso
porque, segundo ele, a reforma atinge interesses da categoria.
“Os advogados vivem uma contradição. Ao mesmo tempo que querem uma
solução rápida, tem uma parcela importante que se beneficia dessa
profusão de recursos. As entidades da advocacia são refrataraias às
reformas que precisariam ser feitas relativas ao processo judicial”,
afirma.
Mudança de mentalidade
Para o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato
Nalini, reforça a necessidade de se repensar a Justiça. Além do sistema
com dezenas de recurso, Nalini aponta que é preciso mudar também a
cultura da formação jurídica, deixando de ser adversarial. “Não se
concebe fazer justiça a não ser mediante o Judiciário”, diz.
De acordo com Nalini, se não houver uma mudança de mentalidade, o
sistema entrará no caos. Para ele, a população permanece infantilizada à
espera de que o “Estado-babá atenda às suas reivindicações”.
Caso não seja eficiente, funcional, eficaz, célere e objetiva, diz
Nalini, a Justiça continuará "a servir mais ao que é desprovido de razão
e se vale do tempo que a Justiça propicia, mas que lhe é negado pelo
mercado, pelas instituições financeiras, pelo credor insatisfeito e por
uma sociedade que, de tanta complexidade, já não confia no Judiciário.
Embora, aparentemente, continue a cumulá-lo de ações”, afirma.
Enquanto a mudança não acontece, Nalini afirma que o juiz precisa ser
consequencialista e verificar que, neste momento, é preciso produzir
mais, embora em aparente detrimento da qualidade. “Quem litiga precisa
de uma resposta. Não de um tratado teórico. Nem de citações
doutrinárias, repetição de jurisprudência. Uma resposta direta,
objetiva, concisa, na fundamentação essencial.”
Fonte: CONJUR