PEQUENAS ANOTAÇÕES SOBRE A INDENIZAÇÃO E A MULTA AMBIENTAL
Rogério Tadeu Romano
I - REsp 1519040
Como
decorrência do direito sancionatório, inclusive nas infrações
ambientais, a aplicação de sanções deve levar em consideração as
diferenças entre a indenização – que busca restaurar o estado anterior
ou compensar o prejuízo causado – e a multa administrativa – punição que
tem como referência o grau de reprovação da conduta, e não propriamente
o dano causado. A natureza distinta dos institutos resulta não só na
possibilidade de incidência autônoma de cada um, mas também na exigência
de que sua aplicação seja pedida expressamente na ação.
As conclusões se deram no julgamento do REsp 1519040.
II – INDENIZAÇÃO E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL
Minozzi
(Responsabilitá e colpa, apud Diz. pr. di Diritto Privato, III, pág.
492 e seguintes) estabeleceu diferença clara entre a indenização e o
ressarcimento. Neste há dano, diminuição de um patrimônio, sendo o
ressarcimento a soma que compuser um prejuízo deste gênero. O
ressarcimento, presente na desapropriação indireta, é o último elo de
uma cadeia assim composta: a) culpa; b) responsabilidade; c)
ressarcimento, como se lê na lição de Carrelli, traçada pelo mestre San
Tiago Dantas (Conflito de Vizinhança e sua Composição, 2ª edição,
Forense, pág. 254).
Diversa é a indenização que ocorre na
desapropriação, compondo-se ao proprietário o prejuízo sofrido onde não
há reparação de dano.
A teoria da responsabilidade causada pelo
risco tem seu fundamento na socialização dos lucros, pois aquele que
lucra com uma atividade, deve “responder pelo risco ou pela desvantagem
dela resultante (...). A não necessidade da prova de culpa do agente
degradador na responsabilidade por risco denota tal avanço, facilitando a
responsabilização”1.
No regime da responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco da
atividade, para que se possa pleitear a reparação do dano, “basta a
demonstração do evento danoso e do nexo de causalidade. A ação, da qual a
teoria da culpa faz depender a responsabilidade pelo resultado, é
substituída, aqui, pela assunção do risco, em provocá-lo
Disse
bem o ministro José Augusto Delgado (Responsabilidade Civil Por Dano
Moral Ambiental, Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar
Saraiva, v. 19, n. 1, jan./jun. 2008) que “a responsabilidade civil no
Direito Ambiental, diferentemente da responsabilidade do Direito Civil,
não visa à satisfação de um particular, mas de grupos indeterminados de
pessoas que dependem das condições naturais para sobrevivência. Isso
sempre deve ser levado em consideração na responsabilização do poluidor.
Trata-se de direito público, com caráter notadamente coletivo. A
responsabilidade civil por dano ambiental, como se infere do art. 14, § 1o, da Lei nº 6.938/81,
é objetiva, isto é, não há que se provar culpa do poluidor. Para sua
caracterização há que comprovar somente o evento danoso, a conduta
lesiva e o nexo causal entre o dano e a conduta do poluidor. Evento
danoso é o fato que causou prejuízo ao meio ambiente. Exige-se que o
prejuízo seja grave e não eventual, sendo esta uma noção temporal
diferente da comum.”
José Rubens Morato (Dano ambiental: do individual ao extrapatrimonial.
2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 64) ensinou que a
teoria da responsabilidade causada pelo risco tem seu fundamento na
socialização dos lucros, pois aquele que lucra com uma atividade, deve
“responder pelo risco ou pela desvantagem dela resultante (...). A não
necessidade da prova de culpa do agente degradador na responsabilidade
por risco denota tal avanço, facilitando a responsabilização”.
José Ricardo Alvarez Vianna (Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente. 2.
ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 143) explicou que “para fins de reparação
dos danos ao meio ambiente, o primeiro objetivo a ser colimado consiste
na recomposição, na restauração, na reintegração do patrimônio ambiental lesado”.
É o caso da “restauração natural ou in specie”,
considerada a modalidade ideal, vez que trata-se da restauração natural
do bem agredido de forma a cessar a atividade lesiva e repor a situação
o mais próximo possível do status anterior ao dano, como nos ensinou Milaré( 2013, p. 328)
Destarte,
quando ocorre o Dano Ambiental há imposição da reparação. Porém, nem
sempre a reparação é de fácil alcance ou de solução imediata. Há
dificuldades que surgem da própria complexidade e amplitude que envolvem
os bens ambientais, assim, José Ricardo Alvarez Vianna (obra citada, p.
142-143) ensina que:
“Em algumas hipóteses a degradação
ambiental importa em resultados irreversíveis, tais como extinção de
espécies animais, destruição de monumento tombado, perda da capacidade
auto-regenerativa de recursos naturais, o que somente agrava a situação
em termos de ressarcimento. Essas circunstâncias, porém, não se
justificam como óbices à reparação dos danos ambientais. Ao contrário,
enaltecem a importância de se elaborar e implementar mecanismos e
instrumentos jurídicos alternativos e eficazes na restauração do
equilíbrio ecológico comprometido”, como nos disse Tamires Regina
Zimermann Fopa (Dano ambiental e reparação, in Âmbito Jurídico, em 24 de
julho de 2019).
Assim, quando ocorrer uma situação irreversível
e a reconstituição do bem lesado não for possível, deve-se buscar a
compensação equivalente aos bens ambientais lesados.
“Trata-se de compensar o patrimônio ambiental com patrimônio ambiental correspondente e equivalente”. (VIANNA, 2009, p. 145).
A responsabilidade civil no Direito Ambiental deve estar em consonância com o Princípio do desenvolvimento sustentável.
Quanto à reparação dos Danos Ambientais, o art. 14, § 1º da lei 6.938/81 dispõe que “(…) é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
O art. 225, § 3º da Constituição Federal
estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados”. Ao final, quando menciona a obrigação de
reparar os Danos causados, adota a responsabilidade civil,
independentemente da responsabilidade penal e da responsabilidade
administrativa.
O Art. 13, caput, da lei 7.347/85
estabelece que “havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano
causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por
Conselhos Estaduais”. Esclarece ainda, que no referido Fundo, deve
participar o Ministério Público além de representantes da comunidade.
Trata-se do Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD), ou
Fundos Estaduais.
Por fim, lembrou-nos ainda Tamires Regina Zimermann Fopa (obra citada) que:
“Quanto à eficácia da indenização pecuniária, Salles apud Paulo Affonso Leme (Direito Ambiental Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. 1311 p. (2013, p. 417) ensina que:
“Uma
medida compensatória, consistente em substituição por equivalente em
valor pecuniário, não cumpre a função de reconstituir a característica
coletiva do bem. Constata-se não interessar remédios judiciais de
simples compensação. Medidas desse teor transformam em dinheiro valores
sociais de natureza diversa, que não encontram correspondência nos
parâmetros de mercado. Para cumprir sua função nessa esfera, os
mecanismos processuais devem ser compreendidos e aplicados de maneira a
conduzir à adoção de soluções capazes de impor condutas, de maneira a
evitar o dano ou a reconstituir o bem lesado”.
A indenização
pecuniária pode ser eficiente para punir o causador do dano, porém, a
preocupação maior deve ser se ela realmente é efetiva quanto a
recuperação do bem lesado, isso porque, ao falar de bens ambientais,
fala-se em bens essenciais a sobrevivência humana. É correto afirmar que
a vida depende inteiramente do meio ambiente, assim, o ato de lesionar
um bem ambiental, vai além do ato ilícito, mas atinge um número
indeterminado de pessoas que sem ter qualquer relação com tal ato restam
prejudicadas.”
III – MULTA AMBIENTAL
Mas, afinal, qual a natureza jurídica da multa ambiental?
Fábio
Meneguelo Sakamoto (Regime jurídico da multa ambiental, in Migalhas)
“recentemente, no julgamento do AgRg no Agravo em REsp 62.584/RJ,
decidiu a Egrégia 1ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, por
maioria de votos, que a multa administrativa decorrente de dano acusado
ao meio ambiente somente pode ser imposta contra quem foi o causador
direto do dano, não alcançando, de forma objetiva, isto é,
independentemente da prova de dolo ou culpa, o poluidor indireto.”
Ficou assim ementada a decisão:
Administrativo e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Violação ao art. 535 do CPC.
Inocorrência. Dano ambiental. Acidente no transporte de óleo diesel.
Imposição de multa ao proprietário da carga. Impossibilidade. Terceiro.
Responsabilidade subjetiva.
I - A Corte de origem apreciou todas
as questões relevantes ao deslinde da controvérsia de modo integral e
adequado, apenas não adotando a tese vertida pela parte ora Agravante.
Inexistência de omissão.
II - A responsabilidade civil ambiental é
objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa
ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo
causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação
ambiental causada pelo transportador.
III - Agravo regimental provido.
Do
infrator, portanto, é possível exigir a reparação do dano ambiental
causado, sem prejuízo da ação penal cabível e da imposição da multa
administrativa.
O art. 225, § 3º, da CF
estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados,” consagrando-se, destarte, a possibilidade de
responsabilização do infrator, simultânea ou sucessivamente, perante
essas três esferas, que são, como regra, independentes entre si.
O art. 3º, IV, da Lei 6.938/81,
Política Nacional do Meio Ambiente, conceitua o poluidor como a “
pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável,
direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental
”. De acordo com o conceito legal, poluidor não é somente o causador
direto da degradação ambiental, mas todo aquele que concorre maneira que
f para eclosão do resultado danoso da or, ainda que de forma omissiva
como já se reconheceu em relação ao Estado que se omite na fiscalização
ambiental (REsp 1.071.741/2009).
Voltemos ao conceito de multa ambiental.
Para
Fábio Meneguelo Sakamoto (obra citada) a multa administrativa decorre,
de maneira geral, de manifestação do poder de polícia administrativa e
tem natureza jurídica punitiva, sancionatória.
Para Hely Lopes
Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998
e 2012) a multa administrativa equivale aos atos punitivos, que “são os
que contêm uma sanção imposta pela Administração àqueles que infringem
disposições legais, regulamentares 13 ou ordinatórias dos bens ou
serviços públicos. Visam a punir e reprimir as infrações administrativas
ou a conduta irregular dos servidores ou dos particulares perante a
Administração”.
Para Hely Lopes Meirelles (obra citada), “a multa
administrativa é de natureza objetiva e se torna devida
independentemente da ocorrência de culpa ou dolo do infrator”.
Disse então Sakamoto (obra citada):
“A Lei 9.605/98
disciplina duas espécies de multa no capítulo dedicado às infrações
administrativas. A primeira delas, a multa simples, prevista no art. 72, II, da Lei 9.605/98,
tem cabimento sempre quando o agente: I - advertido por irregularidades
que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por
órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério
da Marinha; II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA
ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha. A segunda, a multa
diária, prevista no art. 72, III, da Lei 9.605/98,
tem cabimento sempre que o cometimento da infração se prolongar no
tempo. Esta tem por escopo desestimular o causador do dano a prosseguir
com a conduta degradadora do meio ambiente. Possui, pois, natureza
jurídica coercitiva. Aquela, de seu lado, assume, segundo entendemos,
duas funções distintas: sancionatória e reparadora, o que implica que
tenha natureza jurídica igualmente mista: sancionatória e reparadora.
Quanto à natureza punitiva da multa simples, nenhuma dúvida existe, vez
que resulta da prática de conduta contrária a alguma norma em vigor. O
art. 3º do Decreto n. 6.514/2008, na mesma esteira da dicção do art. 71 da Lei 9.605/98,
preceitua que as infrações administrativas serão punidas com as algumas
sanções, dentre elas a multa simples, de tal sorte que a singela
interpretação literal desses dispositivos leva à conclusão de que se
trata de uma sanção. Além disso, como visto acima, cuida-se de
manifestação de ato administrativo punitivo.
O art. 72, § 3º, da Lei 9.605/98,
porém, na contramão da PNMA, previu que a multa ambiental será aplicada
sempre que o agente, com negligência ou dolo: I - advertido por
irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo
assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos
Portos, do Ministério da Marinha; II - opuser embaraço à fiscalização
dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da
Marinha. Dessa maneira, ao fazer alusão a elementos subjetivos que são
típicos da responsabilidade civil extracontratual subjetiva, teria o
legislador ordinário, segundo parte da doutrina, exigido a comprovação
de culpa lato sensu para imposição de multa qualquer que seja a infração
ambiental.
Ora, isso é um contrassenso para um sistema que adota a responsabilidade objetiva ambiental a partir das ilações do artigo 225 da Constituição.
Nicolau Dino Neto e Flávio Dino (Crimes e infrações administrativas ambientais), aliás, ensinaram:
“
A defeituosa redação dada ao § 3º pode ensejar interpretações
equivocadas que em muito dificultariam a imposição da sanção de multa –
“pena administrativa por excelência”, conforme ensinamento de Ruy Cirne
Lima, referido por Vladimir Passos de Freitas. Por primeiro, poder-se-ia
considerar que somente se caracterizados culpa ou dolo seria possível a
aplicação de multa; em segundo lugar, em face do inciso I, ter-se-ia
como imprescindível a prévia aplicação da pena de advertência – relativa
ao mesmo fato – para que fosse imposta a multa. Contudo, estas
leituras, além de reduzirem de modo expressivo a eficácia do 18 sistema
de sanções administrativas, gerariam uma série de contradições
impossíveis de serem explicadas, tais como: por que exigir o elemento
subjetivo somente quando a sanção aplicável for a de multa? Por que
exclusivamente esta sanção deve vir antecedida da pena de advertência? É
imperativo, portanto, buscar-se uma interpretação que concilie a letra
da norma com o espírito e lógica interna do sistema. Com este escopo, a
melhor alternativa consiste em considerar-se o dispositivo em análise
como veiculador de regras excepcionais, logo insuscetível de
interpretação ampliativa. Assim sendo, conclui-se que a presença de
culpa ou dolo por parte do infrator só é exigível caso se cuide de
embaraço à fiscalização ou de inobservância de prazo para superar
irregularidades sanáveis. Nesta última hipótese, a autoridade competente
somente poderá impor a pena de multa após o fluxo do prazo atribuído ao
infrator e a ele comunicado por escrito quando da notificação da
imposição da pena de advertência. Contudo, este iter não é necessário
quando se trata de irregularidades insanáveis, caso em que não há
qualquer sentido em se conferir tal prazo ao infrator (nem a lei assim
expressamente determina). No mesmo diapasão, em outros casos, que não os
discriminados expressamente, será possível a aplicação da pena de multa
independentemente de caracterização de culpa por parte do poluidor, de
acordo com o que determinar cada tipo infracional específico – conforme
demonstrado anteriormente.”
A multa ambiental, portanto, aplica
se ao causador do dano ambiental independentemente da averiguação do
elemento subjetivo do infrator, bastando a voluntariedade da conduta.
Nas hipóteses arroladas no art. 72, § 3º, da Lei 9.605/98 excepcionalmente, haverá necessidade de comprovação de dolo ou culpa, em nome
Concluiu então Sakamoto, naquela obra:
“Cuidando-se
de exceção ao sistema geral das multas administrativas, o dispositivo
legal em questão deve ser interpretado de forma restritiva e dessa
maneira tem aplicação somente para as hipóteses expressamente nele
mencionadas, quais sejam quando o infrator deixar de sanar
tempestivamente as irregularidades constatadas pela autoridade ambiental
(I) ou opuser embaraço a fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da
Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha (II). Nos demais casos de
infração ambiental, nada obsta que a multa continue sendo aplicada de
forma objetiva em razão apenas da prática da conduta lesiva ao meio
ambiente.”
De toda sorte, o sistema jurídico do direito ambiental
nos leva a concluir que a indenização e a multa ambiental têm um liame
próprio, que é a responsabilidade civil objetiva integral, no que
independe de culpa a averiguação da conduta danosa ao meio ambiente.
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