A
morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, agredida por
dezenas de moradores de uma comunidade em Guarujá, no litoral de São
Paulo, pode mobilizar a criação de uma lei que puna emissores de falsas
informações em perfis da internet. Ela morreu no dia 5 de maio após
ficar dois dias internada no Hospital Santo Amaro. Fabiane foi atacada
por uma multidão depois da publicação de um retrato falado em uma página
no Facebook de uma mulher que realizava rituais de magia negra com
crianças sequestradas.
O advogado da família da vítima,
Airton Sinto, revela que um projeto de lei deve ser apresentado pelo
deputado federal Ricardo Izar Junior (PSD-SP). “Eu entrei em contato com
o deputado, para que ele proponha o Projeto de Lei Fabiane de Jesus.
Essa ideia surgiu em conjunto e espero que seja criada a figura penal
daquele que, por conta de uma notícia falsa, cause um prejuízo desse
tamanho”, diz.
A proposta deve ser submetida a
votação na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF). Airton faz uma
relação com a Lei Maria da Penha, que recebeu este nome em homenagem à
Maria da Penha Maia Fernandes, que por 20 anos lutou para ver seu
agressor preso. Essa lei entrou em vigor em 2006 para combater a
violência contra a mulher.
Para o advogado, medidas urgentes
precisam ser tomadas, já que, segundo ele, por conta de um boato
espalhado na internet, a dona de casa foi espancada e morta. “É um
assunto que talvez entre em pauta hoje em Brasília. A Lei Maria da Penha
foi criada por causa de uma mulher que foi espancada pelo marido, o que
é muito grave. Só que esse caso da Fabiane é pior ainda, pois além de
ser inocente, ela foi espancada até a morte. É preciso que os
responsáveis por difundir informações inverídicas respondam
criminalmente pelas suas ações”, comenta.
Advogado quer prisão de dono de perfil
O advogado destaca que a polícia
continua investigando o crime, mas que o seu próximo passo será pedir a
prisão temporária do administrador da página ‘Guarujá Alerta’.
"Independentemente do que foi dito por ele para a polícia, eu vou pedir a
sua prisão temporária”, afirma.
O delegado Luiz Ricardo Lara, que
está à frente do caso, diz que ainda é cedo para apontar a
responsabilidade do administrador da página. “Caso, durante a instrução
do inquérito policial, seja vislumbrado que, de alguma forma, ele
colaborou com o crime, na medida em que propalou esses boatos, enfim,
que praticou uma infração penal, ele será responsabilizado por aquele
ato”, ressalta.
O dono da página prestou depoimento à
polícia e afirma estar com medo, por receber ameaças de morte, e não se
considera culpado pelo crime. Em entrevista ao G1, o administrador do
site, que não quis se identificar, falou sobre os principais tópicos
levantados durante os últimos dias.
Passeata
Cerca de 100 pessoas participaram de
uma passeata em homenagem à dona de casa. O ato ocorreu na tarde de
domingo (11), em Guarujá, e durou aproximadamente 1h30.
Os manifestantes – entre eles,
familiares e amigos de Fabiane – estavam com camisas em tributo à mulher
morta. Durante o protesto, os participantes fizeram orações e cantaram
uma música religiosa, uma das preferidas da vítima.
A mãe da dona de casa, Raimunda
Maria de Jesus, também esteve na passeata. Ela falou sobre a saudade que
sente da filha. "Estou com muita dor, é um momento muito difícil,
principalmente hoje. Eu não tenho a minha mãe e ainda perdi a Fabiane",
disse.
Por onde os manifestantes passaram,
no bairro Morrinhos, a marcha recebeu apoio. Em frente a um campo de
futebol da comunidade, o jogo foi interrompido para que as pessoas se
pronunciassem. Os participantes andaram, ainda, até a Igreja São João
Batista e a casa onde Fabiane morava com o marido e as duas filhas,
Yasmin e Ester, de 12 anos e 1 ano de idade, respectivamente.
Missa
Centenas de pessoas participaram, na
noite de sábado (10), de uma missa em memória à dona de casa. A
cerimônia aconteceu na Igreja São João Batista, bem perto do local da
agressão, e contou com a presença de cerca de 300 pessoas. Todos usavam
uma fita preta na roupa, representando luto. Alguns também vestiam
camisetas com uma foto e os dizeres "Fabiane – A dor da inocência".
A mãe da dona de casa, o viúvo e as
filhas estavam presentes e se emocionaram durante todo o tempo. Segundo o
marido, está sendo muito difícil para todo mundo. "A mãe dela está
muito abalada, a Yasmin também. Hoje me senti um pouco mais aliviado. A
saudade bateu, pude chorar um pouco e lembrar dela. Ela era muito amada
por nós e por muitas pessoas da comunidade, tanto que vocês viram a
quantidade de pessoas que estiveram aqui hoje", declarou Jaílson.
Em certo momento da cerimônia
religiosa, todos cantaram uma música que a dona de casa gostava, o que
causou grande comoção entre os participantes da missa.
Quem são os presos
O quinto suspeito de participar do
linchamento negou ter participado da agressão sofrida pela vítima. Em
entrevista, o delegado responsável pelo caso, Luiz Ricardo Lara, afirma
que a própria mãe do suspeito o reconheceu pelos vídeos gravados no
momento do linchamento.
Abel Vieira Batalha Junior, de 18
anos, se apresentou voluntariamente, acompanhado de um advogado, na
manhã desta segunda-feira (12), e negou ter participado do crime ou
sequer de estar na comunidade do bairro Morrinhos no dia em que Fabiane
foi agredida. “As investigações e as próprias imagens apontam que ele
participou da agressão ao amarrar a vítima com um fio de eletricidade e
arrastá-la em seguida. O Abel possui tatuagens características nos
braços e em uma perna, assim como no vídeo. Já havia sido apreendida uma
bermuda vermelha na casa dele”, afirma.
Além das investigações, a própria
mãe de Abel o teria reconhecido ao assistir as imagens do dia do
linchamento, mostradas pela polícia. “Foi a mãe de Abel quem nos cedeu
fotos do rapaz, que se apresentou após ver as suas imagens divulgadas
pelos meios de comunicação”, conclui Lara.
Na sexta-feira (9), Jair Batista dos
Santos, de 35 anos, chegou à delegacia ao lado do advogado por volta
das 12h e foi direto prestar depoimento sobre o caso. A Justiça decretou
a prisão temporária de Santos. Segundo a polícia, ele negou
participação no crime, contradizendo o resultado das investigações.
Os outros três suspeitos presos são:
Lucas Rogério Fabrício Lopes, de 19 anos, Valmir Barbosa, de 48, e
Carlos Alex Oliveira de Jesus, de 23. Segundo a polícia, os três
confessaram participação no linchamento da dona de casa.
Oliveira de Jesus foi preso na tarde
de quinta-feira (8). Ele aparece em um vídeo segurando a vítima pelos
cabelos. O homem disse, porém, que não chegou a golpear Fabiane, já que
foi segurado por duas primas.
Lopes foi preso na madrugada de
quinta-feira, após denúncia anônima recebida pela Polícia Militar. O
rapaz é suspeito de ter passado por cima da dona de casa com uma
bicicleta. Ele passou a madrugada na Delegacia Sede de Guarujá. Em
depoimento à polícia, se disse arrependido. "Peço desculpas à família,
estou muito arrependido. Desculpa mesmo. A gente vê a nossa mãe em casa,
nossa tia, e imagina que poderia ter sido com elas. O que pesa mesmo é a
consciência", afirmou.
Barbosa foi detido na terça-feira
(6), no bairro Morrinhos, a mesma região onde a vítima vivia e foi
atacada. Segundo a polícia, Barbosa foi reconhecido após as imagens do
linchamento terem sido entregues à polícia. Ele alegou que tem filhos e
que participou da ação por acreditar que as acusações à vítima – de que
ela sequestrava crianças para rituais de magia negra – fossem
verdadeiras. "Aconteceu e aconteceu. Não posso fazer mais nada", disse o
suspeito.
O dono da página Guarujá Alerta, que
divulgou o boato que levou ao espancamento e à morte de Fabiane,
prestou depoimento na terça-feira. Segundo o advogado Diego Scarpa, seu
cliente está sendo muito ameaçado. "São ataques injustos, estão atacando
ele de forma injusta. Em momento algum, será comprovado que meu cliente
postou ou incitou a população", defendeu.
Enterro
Centenas de pessoas acompanharam, na
manhã de terça-feira, o enterro de Fabiane. A cerimônia, no Cemitério
Jardim da Paz, em Morrinhos, reuniu familiares e amigos, que ainda não
se conformam com a crueldade do crime.
Na ocasião, o marido da dona de casa
disse que não sente ódio dos suspeitos. "Para mim, a ficha não caiu.
Apesar da brutalidade, não guardo ódio, não guardo esse sentimento ruim
no coração. Espero que não aconteça com mais famílias. Essas pessoas que
a agrediram e as que assistiram e não tiveram a coragem de salvar uma
pessoa inocente não deram nem tempo de defesa para minha esposa. Quero
que eles reflitam e que isso não aconteça nunca com a família deles",
ressaltou.
Confusão
De acordo com o inquérito, o retrato
falado atribuído a Fabiane havia sido feito por policiais do Rio de
Janeiro, da 21ª DP (Bonsucesso), em agosto de 2012. Na ocasião, uma
mulher foi acusada de tentar roubar um bebê do colo da mãe em uma rua de
Ramos, na Zona Norte da cidade.
Imagens de câmeras de segurança
divulgadas na época mostraram uma mulher passando com a filha de 15 dias
no colo e sendo seguida pela suspeita. A vítima estava levando o bebê
para fazer o teste do pezinho em um posto de saúde. Ao sair da unidade,
foi surpreendida pela sequestradora.
Fonte: Jornal Jurid