Pizzolato poderá nunca mais voltar ao Brasil para cumprir pena
Valerio de Oliveira Mazzuoli
Fonte: Migalhas 3258
A
(possível) fuga de Henrique Pizzolato para a Itália está gerando
especulações de toda ordem, especialmente daqueles que não conhecem a
fundo as regras que o direito internacional assegura para o caso dos
cidadãos que detêm a chamada "dupla nacionalidade".
O fato é que se Pizzolato (condenado na AP 470)
realmente estiver em solo italiano, está exercendo um direito seu
assegurado pelo direito internacional. Porém, sendo nacional italiano,
Pizzolato está submetido à autoridade do art. 26 da Constituição italiana,
que dispõe que "a extradição do cidadão poderá ser autorizada somente
quando esteja expressamente prevista em convenções internacionais".
O tratado
de extradição Brasil-Itália de 1989, por sua vez, dispõe no art. 6º, §
1º, que "quando a pessoa reclamada [Pizzolato], no momento do
recebimento do pedido [da extradição do Brasil para a Itália], for
nacional do Estado requerido [Itália], este não será obrigado a
entregá-la. Neste caso, não sendo concedida a extradição, a parte
requerida [Itália], a pedido da parte requerente [Brasil], submeterá o
caso às suas autoridades competentes para eventual [frise-se, eventual!]
instauração de procedimento penal. Para tal finalidade a parte
requerente [Brasil] deverá fornecer os elementos úteis. A parte
requerida [Itália] comunicará sem demora o andamento dado à causa e,
posteriormente, a decisão final [que poderá ser, inclusive,
denegatória]".
Conjugando-se o
art. 26 da Constituição italiana com o art. 6º, § 1º, do tratado de
extradição Brasil-Itália, percebe-se que há uma faculdade do Estado
italiano em extraditar o seu nacional, prevista pelo tratado e garantida
pela sua Constituição. Como se percebe, a Constituição italiana
facilita mais a extradição de um italiano para o Brasil que a nossa
Constituição em relação a um brasileiro requerido por Estado
estrangeiro. Isso porque a Constituição brasileira (art. 5º, LI) dispõe
que "nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso
de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado
envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na
forma da lei". Se fosse a Itália que estivesse requerendo a extradição
de Pizzolato por eventual crime lá cometido, dado o simples fato de ele
ser brasileiro nato, o Brasil jamais o extraditaria; e não se haveria
que falar que o Brasil estaria descumprindo uma obrigação proveniente de
tratado, eis que o próprio tratado (art. 6º, § 1º) expressamente prevê
que o país requerido "não será obrigado" a entregar a pessoa reclamada
quando esta for nacional do Estado.
Assim, no caso de
Pizzolato, cuja extradição possivelmente o Brasil irá requerer, caberá à
Itália decidir, discricionariamente, se ele volta ou não ao Brasil, eis
que o tratado não obriga (apenas faculta) a República Italiana a
entregá-lo ao nosso país. Caso a Itália não o extradite, dependerá do
Brasil, segundo o tratado, solicitar à Itália que submeta "o caso às
suas autoridades competentes para eventual instauração de procedimento
penal". Veja-se que o tratado diz que esse pedido submete o caso às
autoridades competentes do Estado "para eventual instauração de
procedimento penal". Essa instauração poderá, eventualmente (para usar a
expressão do tratado), não se concretizar. Lembre-se que o ex-banqueiro
Salvatore Cacciola teve sua extradição negada pelo Estado italiano, e
só foi extraditado para o Brasil porque saiu da Itália (foi detido pela
Interpol no Principado de Mônaco em 2007).
Como o crime cometido por
Pizzolato não guarda qualquer ligação com a Itália, não tendo assim
qualquer interesse punitivo para o Estado italiano, pode ser muito
difícil que a Itália o extradite para o Brasil, eis que se trata de
proteger um nacional seu. A seguir o precedente do caso Cacciola, talvez
Pizzolado nunca mais seja punido pelo Estado brasileiro, caso permaneça
em solo italiano até a prescrição do crime que cometeu no Brasil. Mas
isso, como diria Kipling, é uma outra história.
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