Contratos do Mais Médicos desrespeitam as leis trabalhistas e podem ser anulados, dizem juristas
FONTE: JUSBRASIL  
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O
 contrato assinado pelos médicos cubanos para a prestação de serviço no 
Brasil como parte do programa Mais Médicos pode ser anulado pela Justiça
 por estar em desacordo com a legislação trabalhista brasileira. Essa é a
 avaliação unânime de quatro dos maiores especialistas em Direito do 
Trabalho do Brasil ouvidos pelo Estado.
Eles afirmam ainda que, 
por mais que o contrato tenha sido firmado no exterior, ele pode, sim, 
ser questionado na Justiça brasileira porque a legislação que prevalece é
 a do local onde o trabalho é realizado.
"Uma vez que devemos aplicar a lei brasileira, o artigo 9.º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)
 diz que qualquer meio jurídico que tente burlar a legislação será 
considerado nulo. 
No caso do contrato com os médicos cubanos, o que 
quiseram foi contornar a exigência legal e estabelecer regras próprias, o
 que não é permitido", diz Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, 
professor do Departamento de Direito do Trabalho da USP.
O Estado
 teve acesso a uma cópia do contrato firmado por uma profissional cubana
 e pediu que os especialistas avaliassem o documento. O acordo é firmado
 entre o médico e uma empresa "comercializadora de serviços médicos 
cubanos".
"A forma escolhida para a contratação é uma maneira de 
impedir a aplicação das leis trabalhistas, por isso pode ser anulado", 
explica Estêvão Mallet, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil - 
seção São Paulo (OAB-SP) e também professor de Direito da USP. Ele 
afirma ainda que o artigo 651 da CLT
 deixa claro que, por mais que o trabalhador tenha sido contratado no 
exterior ou em lugar diferente do local de trabalho, a Justiça a ser 
requisitada no caso de descumprimento da legislação é a da localidade 
onde o empregado atua.
Os especialistas afirmam que, apesar de os
 médicos serem funcionários de Cuba, as cláusulas do contrato deixam 
claro que é o governo brasileiro o tomador do serviço e, portanto, quem 
deve responder pelas obrigações trabalhistas.
Mesmo que o serviço
 fosse apresentado como uma terceirização, ela possivelmente seria 
classificada como ilícita pela Justiça, afirma Amauri Mascaro 
Nascimento, professor emérito da Faculdade de Direito da USP. "Se quem 
controla e coordena o trabalho é o SUS (Sistema Único de Saúde), o 
vínculo de emprego do médico se dá com o governo brasileiro. Portanto, é
 uma terceirização ilegal", defende.
Professor de Direito da 
PUC-SP e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o advogado Paulo Sérgio João 
concorda. "Trata-se de venda de mão de obra, o que é repudiado pela 
legislação e inadmissível a figura do"merchandage"(intermediador de 
contratação de mão de obra). O contrato com o Estado pode ser 
considerado nulo, indenizando-se o médico quanto aos direitos 
decorrentes", afirma.
Nesse caso, os médicos poderiam requerer na Justiça todos os direitos previstos na CLT
 e a equiparação salarial com os demais profissionais do programa Mais 
Médicos. Enquanto os cubanos recebem o equivalente a US$ 1 mil (R$ 2,4 
mil), os outros participantes ganham uma bolsa de R$ 10 mil.
Para os especialistas, algumas cláusulas do contrato ferem ainda a Constituição.
 Entre as regras questionadas estão a obrigatoriedade de comunicar à 
autoridade cubana no Brasil a intenção de receber visitas e restrições 
impostas aos cubanos nos casos de casamento com pessoas de outras 
nacionalidades. "O artigo 5.º prevê o princípio da igualdade, incluindo 
para estrangeiros. O cubano pode questionar isso na Justiça", afirma 
Freitas Júnior.
Fabiana Cambricoli
O Estado de S.Paulo
 
 
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