Direito à meação em união estável só existe para bens adquiridos após a Lei 9.278/96.

Em uniões estáveis iniciadas antes da Lei 9.278/96, mas
dissolvidas já na sua vigência, a presunção do esforço comum e,
portanto, o direito à meação – limita-se aos bens adquiridos
onerosamente após a entrada em vigor da lei
Esse
foi o entendimento majoritário da Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), que decidiu questão controvertida nas duas turmas que
compõem o colegiado ao julgar recurso sobre partilha de bens em união
estável iniciada em 1985 e dissolvida em 1997.
O recorrente se insurgiu contra acórdão
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que reconheceu o direito à
meação do patrimônio reunido pelos companheiros nos moldes da Lei 9.278,
incluídos todos os bens, inclusive os que foram adquiridos antes da
edição da lei. O TJMG considerou a presunção legal do esforço comum.
Segundo o recorrente, a decisão do
tribunal mineiro desrespeitou o direito adquirido e o ato jurídico
perfeito por ter atingido os bens anteriores à lei, que seriam regidos
por outra legislação.
A ministra Isabel Gallotti, cujo voto
foi vencedor no colegiado, afirmou que se houve ofensa ao direito
adquirido e ao ato jurídico perfeito, isso não decorreu do texto da Lei 9.278, mas da interpretação do TJMG acerca dos conceitos legais de direito adquirido e de ato jurídico perfeito – presentes no artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) –, “ensejadora da aplicação de lei nova (Lei 9.278) à situação jurídica já constituída quando de sua edição”.
Sociedade de fato
A ministra explicou que até a entrada em
vigor da Constituição de 1988, as relações patrimoniais entre pessoas
não casadas eram regidas por “regras do direito civil estranhas ao
direito de família”.
De acordo com Gallotti, o entendimento jurisprudencial sobre a matéria estava consolidado na Súmula 380
do Supremo Tribunal Federal (STF). O dispositivo diz que, comprovada a
existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua
dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço
comum.
A ministra lembrou que a partilha do
patrimônio se dava não como reconhecimento de direito proveniente da
convivência familiar, mas de contrato informal de sociedade civil, cujos
frutos eram resultado de contribuição direta dos conviventes por meio
de trabalho ou dinheiro.
Segundo Gallotti, com a Constituição de
1988, os litígios envolvendo as relações entre os conviventes passaram a
ser da competência das varas de família.
Evolução
Ao traçar um histórico evolutivo das leis, a ministra reconheceu que antes de ser publicada a Lei 9.278, não se cogitava presunção legal de esforço comum para efeito de partilha igualitária de patrimônio entre os conviventes.
A partilha de bens ao término da união
estável dava-se “mediante a comprovação e na proporção respectiva do
esforço de cada companheiro para a formação do patrimônio amealhado
durante a convivência”, afirmou.
Segundo Gallotti, com a edição da lei,
foi estabelecida a presunção legal relativa de comunhão dos bens
adquiridos a título oneroso durante a união estável.
Aquisição anterior
Entretanto, essa presunção não existe
“se a aquisição se der com o produto de bens adquiridos anteriormente ao
início da união”, acrescentou a ministra.
Ela explicou que, com a edição da Lei 9.278,
“os bens a partir de então adquiridos por pessoas em união estável
passaram a pertencer a ambos em meação, salvo se houvesse estipulação em
sentido contrário ou se a aquisição patrimonial decorresse do produto
de bens anteriores ao início da união”.
Segundo Gallotti, a partilha dos bens
adquiridos antes da lei é disciplinada pelo ordenamento jurídico vigente
quando se deu a aquisição, ou seja, com base na Súmula 380 do STF.
A ministra afirmou que a aquisição da
propriedade acontece no momento em que se aperfeiçoam os requisitos
legais para tanto, e por isso sua titularidade “não pode ser alterada
por lei posterior, em prejuízo do direito adquirido e do ato jurídico
perfeito”, conforme o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição e o artigo 6º da LICC.
Expropriação
Isabel Gallotti disse que a partilha de
bens, seja em razão do término do relacionamento em vida, seja em
decorrência de morte do companheiro ou cônjuge, “deve observar o regime
de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada
bem a partilhar”.
De acordo com a ministra, a aplicação da
lei vigente ao término do relacionamento a todo o período de união
implicaria “expropriação do patrimônio adquirido segundo a disciplina da
lei anterior, em manifesta ofensa ao direito adquirido e ao ato
jurídico perfeito, além de causar insegurança jurídica, podendo atingir
até mesmo terceiros”.
Por isso, a Seção determinou que a
presunção do esforço comum e do direito à meação limitam-se aos bens
adquiridos onerosamente após a vigência da Lei 9.278.
Quanto ao período anterior, “a partilha
deverá ser norteada pela súmula do STF, mas, sobretudo, pela
jurisprudência deste tribunal, que admite também como esforço indireto
todas as formas de colaboração dos companheiros, mas que não assegura
direito à partilha de 50%, salvo se assim for decidido pelo juízo de
acordo com a apreciação do esforço direto e indireto de cada
companheiro”, afirmou Gallotti.
FONTE: JORNAL JURID