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sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Juiz nega pedido de censura prévia de especial de Natal do Porta dos Fundos

 

Juiz nega pedido de censura prévia de especial de Natal do Porta dos Fundos


É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Com fundamento no artigo 5º da Constituição, o juiz Luiz Gustavo Esteves, da 11ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou pedido da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura para impedir o especial de Natal deste ano do grupo humorístico Porta dos Fundos.

Ao analisar o pedido, o magistrado explica, em que pese a possibilidade do conteúdo do programa possa não agradar determinadas audiências, não compete ao Estado laico intervir em prol de determinados grupos.

"Analisando-se a hipótese concreta, não se vislumbra em sede de cognição sumária o colorido traçado na petição inicial — não se vislumbra discurso de ódio, mas sim, uma sátira extremamente ácida, típica do grupo — a justificar a prévia censura pretendida, respeitado entendimento diverso", escreveu o julgador.

Por fim, faz a ressalva de que a negativa ao pedido da associação católica não quer dizer se está chancelando ou mesmo anuindo com o conteúdo a ser possivelmente divulgado, mas, apenas, que não cabe ao juízo, nesse momento processual, restringir previamente a liberdade artística, quer seja ela de bom ou mau gosto.

O especial de Natal deste ano da Porta dos Fundos é o primeiro produzido em animação e apresenta uma sátira sobre a adolescência de Jesus Cristo. Em 2020, o especial de Natal da Porta dos Fundos também foi objeto de controvérsia judicial e chegou até o Supremo.

Na ocasião, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal manteve no ar a veiculação do especial no serviço de streaming Netflix. A veiculação havia sido suspensa pelo desembargador Benedicto Abicair, do TJ-RJ. Contra a decisão, a Netflix ajuizou reclamação no Supremo. No final de 2019, o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, deu uma decisão liminar para manter a exibição. "A lei brasileira estabelece a liberdade de expressão", defendeu o ministro.

Clique aqui para ler a decisão

1136234-31.2021.8.26.0100

Fonte: ConJur

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Não casei, não tenho filhos, nem pais vivos. Posso mesmo destinar minha herança pra quem eu quiser?

 

Não casei, não tenho filhos, nem pais vivos. Posso mesmo destinar minha herança pra quem eu quiser?

#PraCegoVer Fundo lilás e um diagrama explicando sobre HERDEIROS NECESSÁRIOS. Os ascendentes são os avós paternos e maternos, logo abaixo estão os pais, um homem e uma mulher. O homem está sozinho logo abaixo e do lado dele uma mulher (cônjuge ou companheiro). Os descendentes descem do pai, mostrando os filhos e logo abaixo, os netos.
 
Publicado por Julio Martins

É BEM VERDADE que irmãos, tios, sobrinhos etc são PARENTES e podem receber herança sim, porém, não estando abarcado no grupo de pessoas que a Lei confere a LEGÍTIMA (ou seja, os herdeiros NECESSÁRIOS, cf. art. 1.845 do CCB) bastará que o titular dos bens contemple QUALQUER PESSOA em Testamento sem mencionar esses outros herdeiros (facultativos) para que sejam eles excluídos da herança, tal como reza o art. 1.850 do CCB:

"Art. 1.850. Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio SEM OS CONTEMPLAR".

Ensina a doutrina clássica de MARIA HELENA DINIZ (Curso de Direito Civil Brasileiro. 2021) que"Na falta de descendentes, ascendentes, convivente e de cônjuge sobrevivente, inclusive nas condições estabelecidas no art. 1.830 do Código Civil, são chamados a suceder os COLATERAIS ATÉ O QUARTO GRAU, atendendo-se ao princípio cardeal de que OS MAIS PRÓXIMOS EXCLUEM OS MAIS REMOTOS". Trata-se aqui da CAPACIDADE SUCESSÓRIA, ou em outras palavras, a legitimidade que confere o direito daquele parente em recolher a herança.

De fato, essa é a regra do art. 1.829 c/c art. 1.839 - devendo ser recordado desde já que como COLATERAIS até o quarto grau estão compreendidos os IRMÃOS (parentes de segundo grau), TIOS e SOBRINHOS (parentes de terceiro grau) e PRIMOS, TIOS-AVÓS e SOBRINHOS-NETOS (parentes de quarto grau) - sendo que nenhum destes é HERDEIRO NECESSÁRIO como reza o art. 1.845, onde estão os descendentes, os ascendentes, o cônjuge e também o companheiro - todos estes a quem a lei reserva a LEGÍTIMA (art. 1.846).

Neste sentido, fica fácil perceber que se o Titular dos bens dispuser em Testamento da TOTALIDADE de seus bens, inclusive para TERCEIRA PESSOA, que nem mesmo parente seja, a pretensão de IRMÃOS do morto em recolher a herança será fadada ao insucesso, como já assentou com acerto o Egrégio TJRS:

"TJRS. 70081610503. J. em: 12/09/2019. SUCESSÕES. INVENTÁRIO. INEXISTÊNCIA DE HERDEIROS NECESSÁRIOS. AUTORA DA HERANÇA QUE DISPÔS DE TODO SEU PATRIMÔNIO EM TESTAMENTO, EM FAVOR DE TERCEIRA PESSOA, SEM CONTEMPLAR COLATERAIS. Os agravantes, colaterais da falecida, interpõem agravo de instrumento contra decisão que indeferiu seu pedido de tutela de urgência para suspender registro de testamento até final julgamento da ação anulatória de testamento e para que seja anotado na matrícula dos imóveis testados a indisponibilidade. (...). Não é esta a hipótese dos autos, pois embora os COLATERAIS até o quatro grau sejam PARENTES SUCESSÍVEIS (arts. 1.829 e art. 1.839 do CCB), NÃO SÃO HERDEIROS NECESSÁRIOS (art. 1.845) - do que resulta que a testadora, falecida solteira, sem filhos e sem ascendentes vivos, tinha LIVRE DISPOSIÇÃO SOBRE TODO SEU PATRIMÔNIO, mediante testamento. (...). NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME".

Efetivamente, não tendo descendentes, cônjuge/companheiro, nem ascendentes o Titular dos bens pode dispor como bem entender em sede de TESTAMENTO, público ou particular.

www.juliomartins.net

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Pequenas anotações sobre a indenização e a multa ambiental

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Pequenas anotações sobre a indenização e a multa ambiental

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Publicado por Rogério Tadeu Romano

PEQUENAS ANOTAÇÕES SOBRE A INDENIZAÇÃO E A MULTA AMBIENTAL

Rogério Tadeu Romano

I - REsp 1519040

Como decorrência do direito sancionatório, inclusive nas infrações ambientais, a aplicação de sanções deve levar em consideração as diferenças entre a indenização – que busca restaurar o estado anterior ou compensar o prejuízo causado – e a multa administrativa – punição que tem como referência o grau de reprovação da conduta, e não propriamente o dano causado. A natureza distinta dos institutos resulta não só na possibilidade de incidência autônoma de cada um, mas também na exigência de que sua aplicação seja pedida expressamente na ação.

As conclusões se deram no julgamento do REsp 1519040.

II – INDENIZAÇÃO E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL

Minozzi (Responsabilitá e colpa, apud Diz. pr. di Diritto Privato, III, pág. 492 e seguintes) estabeleceu diferença clara entre a indenização e o ressarcimento. Neste há dano, diminuição de um patrimônio, sendo o ressarcimento a soma que compuser um prejuízo deste gênero. O ressarcimento, presente na desapropriação indireta, é o último elo de uma cadeia assim composta: a) culpa; b) responsabilidade; c) ressarcimento, como se lê na lição de Carrelli, traçada pelo mestre San Tiago Dantas (Conflito de Vizinhança e sua Composição, 2ª edição, Forense, pág. 254).

Diversa é a indenização que ocorre na desapropriação, compondo-se ao proprietário o prejuízo sofrido onde não há reparação de dano.

A teoria da responsabilidade causada pelo risco tem seu fundamento na socialização dos lucros, pois aquele que lucra com uma atividade, deve “responder pelo risco ou pela desvantagem dela resultante (...). A não necessidade da prova de culpa do agente degradador na responsabilidade por risco denota tal avanço, facilitando a responsabilização”1. No regime da responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco da atividade, para que se possa pleitear a reparação do dano, “basta a demonstração do evento danoso e do nexo de causalidade. A ação, da qual a teoria da culpa faz depender a responsabilidade pelo resultado, é substituída, aqui, pela assunção do risco, em provocá-lo

Disse bem o ministro José Augusto Delgado (Responsabilidade Civil Por Dano Moral Ambiental, Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, v. 19, n. 1, jan./jun. 2008) que “a responsabilidade civil no Direito Ambiental, diferentemente da responsabilidade do Direito Civil, não visa à satisfação de um particular, mas de grupos indeterminados de pessoas que dependem das condições naturais para sobrevivência. Isso sempre deve ser levado em consideração na responsabilização do poluidor. Trata-se de direito público, com caráter notadamente coletivo. A responsabilidade civil por dano ambiental, como se infere do art. 14, § 1o, da Lei nº 6.938/81, é objetiva, isto é, não há que se provar culpa do poluidor. Para sua caracterização há que comprovar somente o evento danoso, a conduta lesiva e o nexo causal entre o dano e a conduta do poluidor. Evento danoso é o fato que causou prejuízo ao meio ambiente. Exige-se que o prejuízo seja grave e não eventual, sendo esta uma noção temporal diferente da comum.”

José Rubens Morato (Dano ambiental: do individual ao extrapatrimonial. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 64) ensinou que a teoria da responsabilidade causada pelo risco tem seu fundamento na socialização dos lucros, pois aquele que lucra com uma atividade, deve “responder pelo risco ou pela desvantagem dela resultante (...). A não necessidade da prova de culpa do agente degradador na responsabilidade por risco denota tal avanço, facilitando a responsabilização”.

José Ricardo Alvarez Vianna (Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 143) explicou que “para fins de reparação dos danos ao meio ambiente, o primeiro objetivo a ser colimado consiste na recomposição, na restauração, na reintegração do patrimônio ambiental lesado”.

É o caso da “restauração natural ou in specie”, considerada a modalidade ideal, vez que trata-se da restauração natural do bem agredido de forma a cessar a atividade lesiva e repor a situação o mais próximo possível do status anterior ao dano, como nos ensinou Milaré( 2013, p. 328)

Destarte, quando ocorre o Dano Ambiental há imposição da reparação. Porém, nem sempre a reparação é de fácil alcance ou de solução imediata. Há dificuldades que surgem da própria complexidade e amplitude que envolvem os bens ambientais, assim, José Ricardo Alvarez Vianna (obra citada, p. 142-143) ensina que:

“Em algumas hipóteses a degradação ambiental importa em resultados irreversíveis, tais como extinção de espécies animais, destruição de monumento tombado, perda da capacidade auto-regenerativa de recursos naturais, o que somente agrava a situação em termos de ressarcimento. Essas circunstâncias, porém, não se justificam como óbices à reparação dos danos ambientais. Ao contrário, enaltecem a importância de se elaborar e implementar mecanismos e instrumentos jurídicos alternativos e eficazes na restauração do equilíbrio ecológico comprometido”, como nos disse Tamires Regina Zimermann Fopa (Dano ambiental e reparação, in Âmbito Jurídico, em 24 de julho de 2019).

Assim, quando ocorrer uma situação irreversível e a reconstituição do bem lesado não for possível, deve-se buscar a compensação equivalente aos bens ambientais lesados.

“Trata-se de compensar o patrimônio ambiental com patrimônio ambiental correspondente e equivalente”. (VIANNA, 2009, p. 145).

A responsabilidade civil no Direito Ambiental deve estar em consonância com o Princípio do desenvolvimento sustentável.

Quanto à reparação dos Danos Ambientais, o art. 14, § 1º da lei 6.938/81 dispõe que “(…) é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

O art. 225, § 3º da Constituição Federal estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Ao final, quando menciona a obrigação de reparar os Danos causados, adota a responsabilidade civil, independentemente da responsabilidade penal e da responsabilidade administrativa.

O Art. 13, caput, da lei 7.347/85 estabelece que “havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais”. Esclarece ainda, que no referido Fundo, deve participar o Ministério Público além de representantes da comunidade. Trata-se do Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD), ou Fundos Estaduais.

Por fim, lembrou-nos ainda Tamires Regina Zimermann Fopa (obra citada) que:

“Quanto à eficácia da indenização pecuniária, Salles apud Paulo Affonso Leme (Direito Ambiental Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. 1311 p. (2013, p. 417) ensina que:

“Uma medida compensatória, consistente em substituição por equivalente em valor pecuniário, não cumpre a função de reconstituir a característica coletiva do bem. Constata-se não interessar remédios judiciais de simples compensação. Medidas desse teor transformam em dinheiro valores sociais de natureza diversa, que não encontram correspondência nos parâmetros de mercado. Para cumprir sua função nessa esfera, os mecanismos processuais devem ser compreendidos e aplicados de maneira a conduzir à adoção de soluções capazes de impor condutas, de maneira a evitar o dano ou a reconstituir o bem lesado”.

A indenização pecuniária pode ser eficiente para punir o causador do dano, porém, a preocupação maior deve ser se ela realmente é efetiva quanto a recuperação do bem lesado, isso porque, ao falar de bens ambientais, fala-se em bens essenciais a sobrevivência humana. É correto afirmar que a vida depende inteiramente do meio ambiente, assim, o ato de lesionar um bem ambiental, vai além do ato ilícito, mas atinge um número indeterminado de pessoas que sem ter qualquer relação com tal ato restam prejudicadas.”

III – MULTA AMBIENTAL

Mas, afinal, qual a natureza jurídica da multa ambiental?

Fábio Meneguelo Sakamoto (Regime jurídico da multa ambiental, in Migalhas) “recentemente, no julgamento do AgRg no Agravo em REsp 62.584/RJ, decidiu a Egrégia 1ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, que a multa administrativa decorrente de dano acusado ao meio ambiente somente pode ser imposta contra quem foi o causador direto do dano, não alcançando, de forma objetiva, isto é, independentemente da prova de dolo ou culpa, o poluidor indireto.”

Ficou assim ementada a decisão:

Administrativo e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Violação ao art. 535 do CPC. Inocorrência. Dano ambiental. Acidente no transporte de óleo diesel. Imposição de multa ao proprietário da carga. Impossibilidade. Terceiro. Responsabilidade subjetiva.

I - A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia de modo integral e adequado, apenas não adotando a tese vertida pela parte ora Agravante. Inexistência de omissão.

II - A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador.

III - Agravo regimental provido.

Do infrator, portanto, é possível exigir a reparação do dano ambiental causado, sem prejuízo da ação penal cabível e da imposição da multa administrativa.

O art. 225, § 3º, da CF estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados,” consagrando-se, destarte, a possibilidade de responsabilização do infrator, simultânea ou sucessivamente, perante essas três esferas, que são, como regra, independentes entre si.

O art. , IV, da Lei 6.938/81, Política Nacional do Meio Ambiente, conceitua o poluidor como a “ pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental ”. De acordo com o conceito legal, poluidor não é somente o causador direto da degradação ambiental, mas todo aquele que concorre maneira que f para eclosão do resultado danoso da or, ainda que de forma omissiva como já se reconheceu em relação ao Estado que se omite na fiscalização ambiental (REsp 1.071.741/2009).

Voltemos ao conceito de multa ambiental.

Para Fábio Meneguelo Sakamoto (obra citada) a multa administrativa decorre, de maneira geral, de manifestação do poder de polícia administrativa e tem natureza jurídica punitiva, sancionatória.

Para Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998 e 2012) a multa administrativa equivale aos atos punitivos, que “são os que contêm uma sanção imposta pela Administração àqueles que infringem disposições legais, regulamentares 13 ou ordinatórias dos bens ou serviços públicos. Visam a punir e reprimir as infrações administrativas ou a conduta irregular dos servidores ou dos particulares perante a Administração”.

Para Hely Lopes Meirelles (obra citada), “a multa administrativa é de natureza objetiva e se torna devida independentemente da ocorrência de culpa ou dolo do infrator”.

Disse então Sakamoto (obra citada):

“A Lei 9.605/98 disciplina duas espécies de multa no capítulo dedicado às infrações administrativas. A primeira delas, a multa simples, prevista no art. 72, II, da Lei 9.605/98, tem cabimento sempre quando o agente: I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha; II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha. A segunda, a multa diária, prevista no art. 72, III, da Lei 9.605/98, tem cabimento sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo. Esta tem por escopo desestimular o causador do dano a prosseguir com a conduta degradadora do meio ambiente. Possui, pois, natureza jurídica coercitiva. Aquela, de seu lado, assume, segundo entendemos, duas funções distintas: sancionatória e reparadora, o que implica que tenha natureza jurídica igualmente mista: sancionatória e reparadora. Quanto à natureza punitiva da multa simples, nenhuma dúvida existe, vez que resulta da prática de conduta contrária a alguma norma em vigor. O art. do Decreto n. 6.514/2008, na mesma esteira da dicção do art. 71 da Lei 9.605/98, preceitua que as infrações administrativas serão punidas com as algumas sanções, dentre elas a multa simples, de tal sorte que a singela interpretação literal desses dispositivos leva à conclusão de que se trata de uma sanção. Além disso, como visto acima, cuida-se de manifestação de ato administrativo punitivo.

O art. 72, § 3º, da Lei 9.605/98, porém, na contramão da PNMA, previu que a multa ambiental será aplicada sempre que o agente, com negligência ou dolo: I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha; II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha. Dessa maneira, ao fazer alusão a elementos subjetivos que são típicos da responsabilidade civil extracontratual subjetiva, teria o legislador ordinário, segundo parte da doutrina, exigido a comprovação de culpa lato sensu para imposição de multa qualquer que seja a infração ambiental.

Ora, isso é um contrassenso para um sistema que adota a responsabilidade objetiva ambiental a partir das ilações do artigo 225 da Constituição.

Nicolau Dino Neto e Flávio Dino (Crimes e infrações administrativas ambientais), aliás, ensinaram:

“ A defeituosa redação dada ao § 3º pode ensejar interpretações equivocadas que em muito dificultariam a imposição da sanção de multa – “pena administrativa por excelência”, conforme ensinamento de Ruy Cirne Lima, referido por Vladimir Passos de Freitas. Por primeiro, poder-se-ia considerar que somente se caracterizados culpa ou dolo seria possível a aplicação de multa; em segundo lugar, em face do inciso I, ter-se-ia como imprescindível a prévia aplicação da pena de advertência – relativa ao mesmo fato – para que fosse imposta a multa. Contudo, estas leituras, além de reduzirem de modo expressivo a eficácia do 18 sistema de sanções administrativas, gerariam uma série de contradições impossíveis de serem explicadas, tais como: por que exigir o elemento subjetivo somente quando a sanção aplicável for a de multa? Por que exclusivamente esta sanção deve vir antecedida da pena de advertência? É imperativo, portanto, buscar-se uma interpretação que concilie a letra da norma com o espírito e lógica interna do sistema. Com este escopo, a melhor alternativa consiste em considerar-se o dispositivo em análise como veiculador de regras excepcionais, logo insuscetível de interpretação ampliativa. Assim sendo, conclui-se que a presença de culpa ou dolo por parte do infrator só é exigível caso se cuide de embaraço à fiscalização ou de inobservância de prazo para superar irregularidades sanáveis. Nesta última hipótese, a autoridade competente somente poderá impor a pena de multa após o fluxo do prazo atribuído ao infrator e a ele comunicado por escrito quando da notificação da imposição da pena de advertência. Contudo, este iter não é necessário quando se trata de irregularidades insanáveis, caso em que não há qualquer sentido em se conferir tal prazo ao infrator (nem a lei assim expressamente determina). No mesmo diapasão, em outros casos, que não os discriminados expressamente, será possível a aplicação da pena de multa independentemente de caracterização de culpa por parte do poluidor, de acordo com o que determinar cada tipo infracional específico – conforme demonstrado anteriormente.”

A multa ambiental, portanto, aplica se ao causador do dano ambiental independentemente da averiguação do elemento subjetivo do infrator, bastando a voluntariedade da conduta. Nas hipóteses arroladas no art. 72, § 3º, da Lei 9.605/98 excepcionalmente, haverá necessidade de comprovação de dolo ou culpa, em nome

Concluiu então Sakamoto, naquela obra:

“Cuidando-se de exceção ao sistema geral das multas administrativas, o dispositivo legal em questão deve ser interpretado de forma restritiva e dessa maneira tem aplicação somente para as hipóteses expressamente nele mencionadas, quais sejam quando o infrator deixar de sanar tempestivamente as irregularidades constatadas pela autoridade ambiental (I) ou opuser embaraço a fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha (II). Nos demais casos de infração ambiental, nada obsta que a multa continue sendo aplicada de forma objetiva em razão apenas da prática da conduta lesiva ao meio ambiente.”

De toda sorte, o sistema jurídico do direito ambiental nos leva a concluir que a indenização e a multa ambiental têm um liame próprio, que é a responsabilidade civil objetiva integral, no que independe de culpa a averiguação da conduta danosa ao meio ambiente.

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terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Rachadinha" e o Direito Penal Crime ou fato atípico?


"Rachadinha" e o Direito Penal Crime ou fato atípico? 

 

Publicado por Bruno Gilaberte, Delegado de Polícia 

 


 

“Rachadinha” é a denominação leiga conferida à prática de contratar pessoas para a ocupação de cargos comissionados (normalmente, porém, não exclusivamente, assessoria parlamentar), com a exigência de repasse de parte dos salários ao agente público que faz a indicação. Não raro, os contratados são “funcionários fantasmas”, isto é, sequer cumprem a jornada normal de trabalho, apenas emprestando os respectivos nomes para a percepção de salários pelos administradores do esquema ímprobo. Vander Ferreira de Andrade, definindo a “rachadinha”, diz que a prática “encontra a sua configuração quando o legítimo detentor do poder discricionário de nomear, escolhe determinada pessoa para exercer uma função vinculada ao exercício de um cargo de confiança, dela passando a receber uma parcela ou fração dos seus vencimentos, como se se cuidasse de um preço ou de um encargo, para manter vigentes os efeitos diretos e reflexos do ato de nomeação”.[1]  

 

Embora seja uma conduta corriqueira no ambiente político brasileiro, sua subsunção ainda é cercada de controvérsias. Não há nenhuma norma que se refira especificamente à prática, ainda que existam projetos de lei buscando a tipificação.

 

[2] Sequer há a certeza de que, hoje, constitua uma infração penal. Assim, surgem diversas posições se digladiando acerca da natureza jurídico-penal da conduta: (a) crime de peculato-desvio (art. 312 do CP); (b) corrupção passiva (artigo 317 do CP); (c) concussão (artigo 316 do CP); (d) estelionato; (e) crime contra a ordem tributária; (f) apenas ato de improbidade administrativa; (g) não há ilícito penal ou administrativo.[3] 

 

 A fim de esmiuçarmos a questão, impõe-se primeiramente averiguar se o ato de devolver (entregar) parte dos salários para o contratante é ilícito ou cuida-se de legítimo exercício da autonomia de vontade da pessoa contratada, a qual teria o direito de dispor dos valores recebidos como bem entendesse (o salário, depois de recebido, deixa de ser uma verba pública e se torna patrimônio privado do trabalhador). Analisando o tema, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que o repasse dos valores não apenas é uma conduta ilícita, como também caracteriza dano ao erário público.[4] 

 

Em seu voto, o Min. Alexandre de Moraes salientou que as “sobras” das verbas de gabinete, usadas para o pagamento a integrantes dos gabinetes parlamentares, devem ser devolvidas aos cofres públicos, de modo que, se um assessor é contratado para possibilitar a divisão da remuneração, ainda que efetivamente exerça a função, estará impedindo a devolução de parte da quantia. No caso decidido pelo TSE, restou assentado que a remuneração devida aos assessores parlamentares era definida – dentro de um teto – pelo parlamentar que o indicara. Suponhamos, assim, que o parlamentar contratasse o assessor com salário fixado em R$ 3.000,00, mas vinculando essa contratação à obrigação de entregar ao próprio parlamentar o valor de R$ 1.000,00; em verdade, o salário desse assessor seria de R$ 2.000,00 e os R$ 1.000,00 pagos a mais seriam sobra de verba. Essa sobra não comporia o patrimônio privado do assessor, mas sim teria a natureza de verba pública, impondo-se sua restituição. Se auferida pelo parlamentar, reconhecível o desvio. Uma vez estabelecido que a “rachadinha” – consoante o TSE – constitui uma hipótese de dano ao erário, consistente em um desvio das verbas de gabinete, o raciocínio que vê na conduta crime de peculato-desvio se torna bastante claro. Nesse sentido, o STJ: “(...) 1. A conduta praticada pela recorrente amolda-se ao crime de peculato-desvio, tipificado na última parte do art. 312 do Código Penal. 2. Situação concreta em que parte dos vencimentos de funcionários investidos em cargos comissionados no gabinete da vereadora, alguns que nem sequer trabalhavam de fato, eram para ela repassados e posteriormente utilizados no pagamento de outras pessoas que também prestavam serviços em sua assessoria, porém sem estarem investidas em cargos públicos”.[5] 

 

Frise-se que adotamos essa posição,[6] embora não na totalidade dos casos. Em sentido contrário, manifesta-se André Callegari. Para o jurista, a subsunção ao crime de peculato-desvio violaria o aspecto da taxatividade do princípio da legalidade. Escreve o autor: "Nos casos que estão sendo intitulados como ‘rachadinha’, não há propriamente a modalidade desvio em proveito próprio, conduta exigida pelo tipo penal que configuraria a atividade delitiva. Ainda que o funcionário, por ocasião da contratação de seus subordinados, diga que uma parte dever retornar para ele, não há propriamente um desvio do dinheiro público. O dinheiro público, nesse caso, chega ao seu destinatário final, que é o subordinado, portanto, não foi desviado. Se o funcionário concorda em devolver parte dos valores recebidos, não há de se falar em peculato desvio. Diferente seria se houvesse uma exigência por parte do funcionário, o que poderia, em tese, tipificar o crime de concussão”.[7] 

 

Para Callegari, o peculato, no seu tipo fundamental, exige a posse prévia do dinheiro pelo funcionário público, mas no comportamento ora em comento “a posse esteve sempre nas mãos da Administração Pública, que faz efetivamente o pagamento direto ao subordinado”.[8] Por fim, o autor não descarta o peculato na hipótese de contratação de “funcionários fantasmas”, pois, como não há contraprestação de trabalho, “haveria uma apropriação dos valores pelo funcionário público, que não contrata ninguém e recebe os valores de volta”.[9] 

 

Em resumo: (I) a mera prática da “rachadinha” não configura ilícito penal; (II) caso haja exigência de devolução da quantia por parte do funcionário público que indicou o contratado, ocorrerá crime de concussão; (III) se a contratação for de “funcionário fantasma”, há peculato. A lesão ao princípio da taxatividade – que entendemos inexistente – também é o argumento esgrimido por Guilherme Gueiros para recusar tipicidade à “rachadinha”. Na mesma toada que Callegari, entende que “se o funcionário é fantasma, isto é, se o servidor não existe, seria possível, com algum esforço, o enquadramento ao tipo previsto no art. 312 do Código Penal (...)”.[10] Prossegue o articulista, aduzindo que “se os valores retornam ao agente político ou se existe coerção, a conduta poderia configurar crime de concussão”.[11] Aqui, acreditamos que houve um equívoco material: certamente o autor do texto quis usar a conjunção e, ao invés de “ou”, pois a coerção é ínsita ao crime de concussão. Arremata: “(...) na hipótese em que o funcionário não é fantasma e consente espontaneamente em repassar parte de seu salário a outrem, em tese, não haveria qualquer infração penal, por se tratar de negócio jurídico que dispõe sobre objeto lícito e disponível, notadamente por que, após o ingresso do numerário na esfera patrimonial do servidor, este pode dispor como bem lhe aprouver dos valores”.[12] 

 

O STJ, no entanto, desconstrói – ao menos parcialmente – as defesas de Callegari e Gueiros, ao salientar que, no peculato, a posse pode ser constituída de forma indireta, bastando que o sujeito ativo tenha a disponibilidade jurídica da verba ao determinar seu destino através de ordens, requisições ou mandados, ainda que sem apreensão material.[13] O STF, igualmente, já sufragou essa tese.[14] Aliás, vemos na posição de Callegari um equívoco: a prosperar a ótica que afasta o peculato por inexistência de posse da quantia desviada, tampouco existiria peculato na situação do “funcionário fantasma”, de modo que nos parece contraditória a argumentação. Entrementes, não se pode descartar a existência de casos em que sequer a posse indireta exista, o que deve ser considerado para que surja uma conclusão com rigor técnico. Trataremos do tema mais adiante. Por ora, prossigamos. Merece registro julgado do STJ sustentando a inexistência de peculato no mero pagamento de remuneração a “funcionários fantasmas”:"(...) 1. O pagamento de salário não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/67, pois a remuneração é devida, ainda que questionável a contratação de parentes do Prefeito. 2. Agravo regimental improvido".[15] 

 

A situação, todavia, é diferente da “rachadinha”, pois, no caso julgado, não havia o repasse de vencimentos. Davi Tangerino, comentando a decisão do STJ acima colacionada em entrevista à Rádio CBN, defendeu a existência de estelionato na contratação de “funcionários fantasmas”, dada a manutenção em erro da administração pública. A lógica do seu raciocínio, cremos, se estende à “rachadinha”, embora essa conclusão não seja explicitada na entrevista. Parece-nos uma ótica eventualmente relevante. O entrevistado deixa claro seu posicionamento no sentido de haver concussão quando há a exigência de repasse dos vencimentos de pessoas contratadas regularmente, ou seja, eu estejam efetivamente trabalhando. Nesse último caso, não existiria concurso de pessoas, ao passo em que, no estelionato, responderiam pelo crime o agente político e a pessoa contratada. No Tribunal de Justiça do Paraná, encontramos menção a denúncia oferecida pelo Ministério Público capitulando a conduta como corrupção passiva e ativa: “Habeas corpus com pedido liminar. Apuração dos crimes de corrupção passiva e corrupção ativa. “Operação Rachadinha”. Alegação de Ausência de justa causa, bem como de materialidade e tipicidade. Inviabilidade. Medidas cautelares que se apresentam necessárias. Discricionariedade do Magistrado na escolha das medidas mais adequadas e suficientes à tutela pretendida. Impossibilidade de análise probatória em habeas corpus. Elementos que ensejam o prosseguimento de processo-crime. Constrangimento ilegal não evidenciado. Ordem denegada”.[16] 

 

O Tribunal de Justiça do Espírito Santo, ao seu turno, classifica a conduta como corrupção passiva e peculato, em concurso, posição da qual discordamos enfaticamente. Assim restou consignado no acórdão: “(...) 1. Peculato-desvio é crime formal para cuja consumação não se exige que o agente público ou terceiro obtenha vantagem indevida mediante prática criminosa, bastando a destinação diversa daquela que deveria ter o dinheiro. Precedentes do STJ. 2. Não existe consunção entre o peculato e a corrupção passiva pois o recebimento da vantagem (corrupção passiva) não se confunde com a nomeação de funcionários fantasmas para desvio de dinheiro (peculato). Como dito acima, o peculato-desvio exige somente a destinação diversa da verba; seu recebimento em razão do mandato caracteriza corrupção passiva”.[17] Analisando a prática ora em comento sob outra ótica, mas sem desconsiderar a possibilidade de crimes contra a administração pública, Paulo Calmon Nogueira da Gama apregoa a existência de ilícito tributário: “Considerando o milenar princípio tributário ‘pecunia non olet’ (o dinheiro não tem odor), é possível a abstração quanto à origem do fato gerador tributário. Embora exista grande discussão quanto ao tema ‘tributação de ato ilícito’, o Código Tributário Nacional concretiza esse princípio em vários dispositivos (artigos 118, 126, entre outros). Mesmo num exercício de abstração, em que se desconsidere candidamente a ilicitude da rachadinha nas demais áreas, do ponto de vista tributário, porém, não haveria como escapar. (...) Se houve recebimento sem o respectivo recolhimento tributário, significa – numa adaptação do famigerado caso do miliciano Al Capone – que houve... sonegação! Simples assim. Um mesmo ato, como se sabe, pode sensibilizar ilicitude em diversas esferas, por exemplo, civil, penal, administrativa, consumerista, sanitária, ambiental etc. No caso das rachadinhas parlamentares, além da área eleitoral (inelegibilidade), cível (improbidade), penal comum (crime de peculato), administrativa (falta ético-disciplinar, conforme o regimento da casa legislativa), delineia-se também ilícito penal-tributário”.[18]  

 

Compreendemos que a “rachadinha”, pelos motivos já expostos, configura em regra crime de peculato, na modalidade desvio.[19] Ainda que o agente público não seja o possuidor direto, terá a posse indireta dos valores caso ocupe a posição de ordenador de despesas, delas podendo dispor. A verba, afinal, lhe está disponível. Ou seja, presentes as condições mínimas par a prática do crime do artigo 312 do CP. Como é necessário o conluio para com a pessoa contratada, ela também responderá pelo crime, em concurso de pessoas. Eventualmente concebemos a hipótese de concussão. Esse delito configurar-se-á quando: (a) inexistindo ajuste prévio entre o agente público e o comissionado, aquele, coagindo este com a ameaça da prática de um ato de ofício (por exemplo, a exoneração do contratado), exigir para si parte do salário percebido; (b) existindo o ajuste prévio, o contratado abandona o acordo, ocasião em que o agente público passa a exigir parcela da remuneração mediante coação. Nessas situações, apenas o agente político será responsabilizado, não a pessoa coagida. Sobre o tema, já se manifestou o STJ: “(...) 22. O crime previsto no art. 316 do CP é espécie de extorsão praticada por funcionário público contra particular e se aperfeiçoa com a obtenção de vantagem. Não se requer constrangimento físico contra as vítimas. Dessa forma, a indicação para cargo em comissão mediante condição sine qua non de repasse de parte dos futuros vencimentos e a ameaça implícita e velada, mas sempre concreta, de exoneração pelo não rateio do percentual entabulado àquele que tem o poder para indicar a nomeação e a exoneração, notadamente quando se trata de vítimas de menor capacidade econômica, é o que basta para satisfazer o verbo nuclear do tipo. Nem se cogita que as vítimas pudessem ter a audácia de informar ao desembargador acusado que deixariam de fazer repasses a ele, sagrando-se ilesas no cargo. (...)”.[20] Não há como se descartar, por fim, a ocorrência de estelionato. Em certos casos, o agente público pode criar o esquema tendo como objeto valores que não estejam sob sua posse direta ou seu domínio. Sem o domínio, não haverá sequer posse indireta, que é coligada àquele. Ou seja, busca-se a apropriação de valores pertencentes à administração pública e por ela são geridos, sem a interferência do autor do fato. Este se limita a ludibriar a administração, simulando um negócio jurídico para a obtenção de uma contrapartida indevida, com a qual restam caracterizados o binômio vantagem-prejuízo. Inexistindo a posse (direta ou indireta) não há peculato, seja apropriação, seja desvio. E não haverá se falar em peculato-furto, porquanto não ocorra a subtração da quantia, mas a simulação de uma relação sintomática para a obtenção dos valores. Como nenhuma das formas de peculato se aproxima dessa construção típica, a conduta subsumir-se-á à regra do artigo 171 do CP. Acerca da sonegação tributária, entendemos ser possível sua caracterização, porém, não é o apossamento de recursos públicos que a determina e sim a falta do contestatário recolhimento do tributo devido. Ou seja, trata-se de um comportamento conexo ao desvio das verbas, mas que com ele não se confunde. O mesmo pode ser dito em relação a falsidades documentais, lavagem de dinheiro e outros, desde que não seja caso de incidência do princípio da consunção. Admitimos que o tema é complexo, pois as lesões ao erário podem assumir diversas formas de execução e a criatividade daqueles que indevidamente se locupletam é quase inesgotável. Assim, em que pese a tentativa de formulação de uma regra de subsunção, jamais deverá ser dispensada a análise casuística. Mas esse ponto de partida analítico é necessário para o deslinde dos casos que podem se apresentar. [1] ANDRADE, Vander Ferreira de. A prática da vulgarmente denominada" rachadinha "configura crime? Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/333553/a-pratica-da-vulgarmente-denominada--rachadinha--configura.... Publicado em: 18.09.2020. Acesso em 26.11.2021. [2] Entre outros PL nº 5.612/2020, que cria os crimes de expropriação indevida de remuneração (artigo 316-A), transferência indevida de remuneração (artigo 316-B) e participação em expropriação indevida de remuneração (artigo 333-A). [3] ANDRADE, Vander Ferreira de. A prática da vulgarmente denominada" rachadinha "configura crime? Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/333553/a-pratica-da-vulgarmente-denominada--rachadinha--configura.... 

 

 

No mesmo sentido, Rogério Tadeu Romano (ROMANO, Rogério Tadeu. A" rachadinha "é delito contra a Administração Pública. Disponível em: https://rogeriotadeuromano.jusbrasil.com.br/artigos/1296347986/a-rachadinhaedelito-contraaadmini.... Acesso em: 26.11.2021. [7] CALLEGARI, André. Peculato e 'rachadinha': dificuldade de adequação típica. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-05/callegari-peculato-rachadinha-dificuldade-adequacao-tipica. Publicado em: 05.06.2021. Acesso em: 26.11.2021. [8] Idem, ibidem. [9] Idem, ibidem. [10] GUEIROS, Guilherme. Caso Queiroz: Uso político do Direito Penal? Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/330015/caso-queiroz--uso-politico-do-direito-penal. Publicado em: 02.07.2020. Acesso em: 30.11.2021. [11] Idem, ibidem. [12] Idem, ibidem. [13] Nesse sentido: REsp 1.723.969/PR, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julg. em 16.05.2019; RHC 10.845/SP, rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, julg. em 13/03/2001; REsp nº 1.776.680-MG, rel Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julg. em 11.02.2020. [14] Inq 2.966, rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julg. em 15.05.2014. [15] AgRg no AREsp 1162086/SP, rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julg. em 05.03.2020. [16] TJPR, 2ª C.Criminal, HC nº 0005283-51.2021.8.16.0000, rel. Des. José Maurício Pinto de Almeida, julg. em 15.03.2021. [17] TJES, APR nº 0007768-14.2010.8.08.0006, Primeira Câmara Militar, rel. Des. Willian Silva, julg. em 26.08.2020. [18] GAMA, Paulo Calmon Nogueira da. A rachadinha do Capone. Disponível em: migalhas.com.br/depeso/354908/a-rachadinha-do-capone. Publicado em: 16.11.2021. Acesso em: 02.12.2021. [19] No caso de prefeitos, o crime será aquele previsto no artigo 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/1967. 

 

Nesse sentido, TRF-5, Ap 0005905-14.2015.4.05.8300, Quarta Turma, rel. Des. Rubens de Mendonça Canuto Neto, julg. em 21.09.2021. [20] STJ, APn 0320093-97.2013.3.00.0000/DF, Corte Especial, rel. Min. Herman Benjamin, julg. em 08.04.2019. 

 

Bruno Gilaberte, Delegado de Polícia Bruno Gilaberte Delegado de Polícia Civil no RJ. Membro da Banca de Direito Penal para o concurso de ingresso na carreira de delegado de polícia do RJ. Autor de livros e artigos jurídicos. Professor universitário e em pós-graduação. 14 PUBLICAÇÕES 272 SEGUIDORES Logo do Jusbrasil com acesso para a página inicial Menu do usuário Para você Consulta Processual Jurisprudência Doutrina Artigos Notícias Diários Oficiais Peças Modelos Legislação Diretório de Advogados 

 

 5 Comentários 

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Norberto Marcher Mühle 20 horas atrás E quando a figura da "rachadinha" é institucionalizada como obrigação dos filiados de determinado (s) Partido (s) político (s) que assumam cargos públicos??? 1 

 

Responder Cristina Campi Auresco 11 horas atrás Vi.muito isso. Aceita quem.quer. Se ao se filiar já te impõem está situação, imagina o que virá logo.mais a frente? Por isso não existe um.partido     melhor que outro. Todos fazem.falcatruas. 

 

1 Luiz Eduardo Da Silva PRO 11 horas atrás parabéns pelo texto! na minha opinião, trata se de um ilícito penal claro, a medida que o parlamentar abocanha parte do salário do funcionário nomeado, que certamente ja recebe um valor superfaturado por um serviço muitas vezes sequer prestado, causando um enorme prejuízo ao erário. a pratica sempre foi vista como normal no congresso nacional, sendo que a maioria dos assessores contratados são pessoas escolhidas porque aceitaram essa condição. 

 

1 Responder Aparecido F Oliveira 1 dia atrás Tanto blá blá para um ilícito claro, Ao final, conclui-se o óbvio: há funcionários em excesso. 1 Responder Cristina Campi Auresco 11 horas atrás Não concordo. O que acontece é que não se faz mais concursos para que os :nobres"vereadores, deputados, senadores e membros de outros poderes, possam nomear livremente seus funcionários ditos de "confiança" exatamente.para roubarem o dinheiro público. 1

FONTE JUS BRASIL