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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

 

Princípio da insignificância: conceito e aplicabilidade


Olá, pessoal, tudo bem?

Segue mais um artigo para vocês.

Primeiramente é importante ressaltar que o princípio da insignificância não decorre de lei, ou seja, não está previsto na legislação. Trata-se, pois, de construção doutrinária e jurisprudencial visando criar um posicionamento quanto à interpretação das condutas consideradas “insignificantes” aos olhos do julgador.

O professor Victor Eduardo Rios Gonçalves, em sua obra Curso de Direito Penal assim conceitua referido princípio:

“De acordo com o princípio da insignificância, o direito penal não deve se ocupar de comportamentos que provoquem lesões ínfimas aos bens jurídicos. Assim, os comportamentos que produzam danos ou perigos irrisórios devem ser considerados atípicos pelo julgador ``. (2018, p. 62).

O princípio da insignificância, caso seja aplicado ao réu no processo criminal, tem o condão de afastar a tipicidade material do delito.

Dessa forma, temos que o fato praticado deixa de ser considerado crime e, por consequência, o suposto transgressor teria decretada a sua absolvição e não somente a redução da pena ou algo parecido.

A tipicidade penal é um dos elementos do crime. Quando ausentes um dos elementos do crime, nos estudos de teoria geral do crime, não há que se falar em punição penal, mormente quando se trata de tipicidade. Se aplicada a insignificância, o fato deixa de ser ilícito.

Aqui, necessário se faz distinguir a tipicidade formal e material. A primeira é a perfeita adequação da conduta humana à norma penal prevista no tipo legal.

Já no que diz respeito à tipicidade material, há que se levar em consideração o agravo social da conduta. É neste ponto que o princípio da insignificância pode ser aplicado.

Exige-se, então, que a ação perpetrada pelo réu tenha possibilidade da existência de uma exposição de terceiros ao risco da ação, de cometer uma lesão ou provocar alguma lesão significativa ao bem jurídico tutelado.

Entretanto, o princípio da insignificância não pode ser aplicado a torto e direito. Há requisitos que necessitam ser preenchidos, quais sejam:

i. inexpressividade da lesão jurídica cometida;

ii. nenhuma periculosidade social decorrente da ação;

iii. mínima ofensividade da conduta do agente;

iv. baixo grau de reprovabilidade da conduta;

Com o preenchimento concomitante dos requisitos cantados acima, torna-se plausível a aplicação do referido princípio, concedendo ao réu a absolvição por atipicidade material.

A título de ilustração acrescento algumas decisões dos tribunais pátrios a respeito do tema:

FURTO QUALIFICADO. AUTORIA E MATERIALIDADE. BEM JURÍDICO INEXPRESSIVO. RESTITUIÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ABSOLVIÇÃO. Ainda que comprovadas a materialidade e a autoria, configura-se atípica, pela insignificância penal, a subtração de bens cujos valores não tiveram repercussão no patrimônio da vítima, máxime quando a totalidade da res furtiva lhe foi restituída, caso em que o réu deve ser absolvido. (Apelação nº 0050054-28.2007.8.22.0004, 1ª Câmara Criminal do TJRO, Rel. Valter de Oliveira. j. 27.10.2011, unânime, DJe 07.11.2011).

EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL - TENTATIVA DE FURTO - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - PROVIMENTO. Primeiramente observo que o réu não é habitual na prática de delito, pois não possui antecedentes criminais, conforme se verifica da certidão. Considerando que o direito penal deve ser a ultima ratio, sua utilização deve resumir-se à proteção de bens jurídicos relevantes, quando houver lesividade expressiva à sociedade. No caso presente, tratando-se de conduta com ofensividade mínima, deve ser aplicado o princípio da insignificância para afastar a tipicidade e absolver o embargante, nos termos do art. 386, III, do CPP. (Embargos Infringentes em Apelação Criminal - Reclusão nº 2010.032380-6/0001-00, Seção Criminal do TJMS, Rel. Dorival Moreira dos Santos. maioria, DJ 21.06.2011).

APELAÇÕES CRIMINAIS - FURTO QUALIFICADO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICAÇÃO - POSSIBILIDADE - CONDUTA ATÍPICA - RECURSOS PROVIDOS. Verificando-se o ínfimo valor da res furtiva, necessário reconhecer que não houve lesão ao bem juridicamente protegido, sendo, assim, aplicável o princípio da insignificância que, mesmo não estando expresso no ordenamento jurídico pátrio, pode ser considerado como causa supralegal de exclusão da tipicidade. (Apelação Criminal nº 5200674-10.2009.8.13.0145, 4ª Câmara Criminal do TJMG, Rel. Herbert Carneiro. j. 11.05.2011, unânime, Publ. 01.06.2011).

ESTELIONATO. TIPICIDADE FORMAL. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ATIPICIDADE MATERIAL. CRIME NÃO CONFIGURADO. Embora a conduta do agente se amolde formalmente ao crime de estelionato, ausente se encontra na hipótese a tipicidade material, que consiste na efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, pelo que não há falar em crime. (Apelação Criminal nº 0211666-89.2006.8.13.0026, 7ª Câmara Criminal do TJMG, Rel. Duarte de Paula. j. 06.10.2011, maioria, Publ. 21.10.2011).

APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. ART. 155, §§ 1º E , DO CÓDIGO PENAL. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES STF. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO, À UNANIMIDADE. 1. O princípio da insignificância permite afastar a tipicidade material de condutas que causam ínfima lesão ao bem jurídico protegido, como os furtos de objetos de valores irrisórios. 2. A aplicação desse princípio deve atender a quatro requisitos estabelecidos pela jurisprudência do STF: mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. Apelação Criminal desprovida, unanimemente. (Apelação nº 0240971-0, 1ª Câmara Criminal do TJPE, Rel. Roberto Ferreira Lins. j. 02.08.2011, unânime, DJe 15.08.2011).

Dessa forma, caso a defesa se depare com uma situação em que a conduta do réu, somadas às provas colhidas nos autos, possa se adequar ao que foi narrado neste artigo, deverá suscitar a tese de absolvição por atipicidade material ante a existência de crime de bagatela.

Por hoje é isso, pessoal. Espero que gostem.

Forte abraço.

Escrito em 03/02/2021.

João Gabriel Desiderato Cavalcante, Advogado criminalista, pós-graduado em advocacia criminal, pós-graduado em perícia criminal, consultor em direito e processo penal.

14 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Excelente reflexão nobre causidico.

"De minimis non curat praetor" preceito bimilenar, simplifica a prolixidade jurídico comprobatória.

CP
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

§ 2º - Se o criminoso é primário , e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Vc. não acredita que neste parágrafo está a origem do princípio da significância ?

Boa tarde, Ataíde. Agradeço o comentário e digo que todas as manifestações são bem-vindas, pois engrandecem o debate.

Alguns pontos do artigo citado por você são parecidos com os requisitos para a aplicação do princípio da insignificância, mas divergem em outros pontos.

O artigo 155, § 2º é uma causa especial de redução da pena, ou seja, ainda assim haverá uma condenação, ao passo que no princípio da insignificância ocorre a absolvição por atipicidade material.

Mas a construção doutrinária e jurisprudencial levam em consideração os itens mencionados no referido artigo.

Forte abraço.

Matéria excelente, para o profissional militante na área, ratifico excelente. Abs.

Tal princípio não contraria a Teoria das Janelas Quebradas, da qual decorre a Tolerância Zero?

TOTALMENTE. Claro que eu entendo que há pessoas que passam necessidade, mas o problema é lembrar que há uma vítima que não tem nada haver com isto. O problema é que de insignificância em insignificância uma loja quebra e os criminosos não são punidos, afinal, foi tudo insignificante.

Será insignificante o caso do EUSTAQUIO aos olhos dessa lei ????

Fico me perguntando qual tamanho da insignificância o legislador aceitaria quando propôs a Lei...

Muito bem esclarecido o princípio da insignificância pelo ilustre advogado. Meus parabéns!!!!!
Milton

Excelente, muito agradecida!

Por menos insignificante que seja, o ato de subtrair coisa alheia nunca deixará de ser um crime de lesão ao patrimônio alheio. O ato foi cometido e, embora não cause maiores danos ao lesado (a), o infrator pode cair no erro de acreditar que nunca será punido, podendo a conduta se tornar habitual.

E, lembre-se: se você agir com dignidade, poderá não concertar o mundo; mas haverá na terra um canalha a menos.

Sou uma admiradora do judiciário, uma cidadã brasileira, de origem pobre, leio todos os artigos e todos os comentários sem pretensão nenhuma, embora não entenda de leis e achando pouco educado algumas respostas e publicações por não usarem linguagem compreensiva, o Doutor foi o que me pareceu responder mais sensatamente, estudei muito pouco e algumas (muitas) palavras preciso de consulta a livros (dicionários) para entender, concordo plenamente... muito obrigada por descrever o que penso, já me desculpando por me apossar de sua resposta...
Eliana da Silva França

 

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