A PEC 03/2021 e sua inconstitucionalidade à luz do princípio da separação dos poderes.
Como a PEC da Impunidade ameaça um dos principais alicerces da Constituição Federal
O Poder Reformador possui a função de manter a Constituição atualizada diante das relevantes transformações jurídica sociais, de modo a acompanhar as mudanças da sociedade e evitar que a Carta Magna sucumba em uma letra morta que não mais reflete a realidade de seu povo. Assim, o Poder Constituinte Originário estabeleceu a possibilidade de alteração do texto constitucional por meio de emendas, impondo algumas limitações circunstanciais, formais, materiais e até mesmo temporais ao Poder Reformador.
O presente artigo objetiva analisar brevemente a afronta da PEC 03/2021, popularmente denominada como PEC da Impunidade e proposta como efeito backlash à prisão do deputado Daniel Silveira, à limitação material do Poder Reformador, mais especificamente quanto a sua possível inconstitucionalidade referente à separação dos poderes. O Projeto de Emenda à Constituição de autoria do Deputado Celso Sabino - PSDB/PA e coautoria de mais de cento e oitenta parlamentares, visa alterar os artigos 14, 27, 53, 102 e 105 da Constituição Federal, dispondo sobre as prerrogativas parlamentares e expandindo a imunidade material dos congressistas.
Importante ressaltar que a Separação dos Poderes é corolário do Sistema Democrático de Direito e integra diretamente o Republicanismo, estabelecendo uma repartição das funções estatais entre órgãos distintos com a finalidade de proteger as liberdades dos particulares por meio da limitação do poder do Estado (Novelino, 2016). Em conseguinte, o atual conceito de separação dos poderes, em que pese baseado nas ideias de Aristóteles (384 a 322 a.C) ao esboçar as funções do Estado em sua obra A Política, não se limita a mera divisão de competências, especialmente após as teorias formuladas por John Locke (1632-1704) e posteriormente Montesquieu (1689-1755).
Para Locke, reunir o Legislativo e o Executivo em um mesmo órgão seria provocar uma tentação muito forte para a fragilidade humana, tão sujeita à ambição (Caetano, 2003). Já Montesquieu, inspirado nas ideais do filósofo inglês, defende que a limitação de um poder somente seria possível com a existência de um outro poder capaz de limitá-lo. É nesse sentido que surge o sistema de freios e contrapesos (check and balances) integrante nuclear da separação dos poderes.
Segundo Marcelo Novelino, nesse sistema “a repartição equilibrada dos poderes entre os diferentes órgãos é feita de modo que nenhum deles possa ultrapassar os limites estabelecidos pela Constituição sem ser contido pelos demais.” Assim, trata-se de uma fiscalização e controle recíprocos entre os poderes, em uma repartição equilibrada de funções, alicerçados na independência harmônica. É o que acontece, por exemplo, quando o Presidente da República exerce o poder de veto em um projeto de lei ou, ainda, o próprio poder-dever de controle e fiscalização conferido ao Legislativo em relação ao Poder Executivo.
Dessa forma, é com base em tais conceitos que o texto da PEC 03/2021 deve ser analisado, especialmente a alteração proposta ao artigo 53, caput, objeto deste artigo. A emenda prevê a responsabilidade exclusivamente política pela quebra do decoro parlamentar, a ser realizada pelo conselho de ética da Casa Legislativa, que inclusive, está com suas atividades suspensas há um ano. O novo texto dispõe que “os Deputados e Senadores são invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, cabendo, exclusivamente, a responsabilização ético-disciplinar por procedimento incompatível com o decoro parlamentar” (Grifo nosso).
Sob a regência da Constituição Federal, os parlamentares de fato “são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. É a chamada imunidade material, que deve estar relacionada ao exercício das funções legislativas, de maneira a garantir o livre debate de ideias e pensamentos nas casas legislativas, necessário à construção e manutenção da democracia. Depreende-se, neste ínterim, que o papel das imunidades parlamentares não é outro, senão a garantia da persecução dos interesses sociais no deslindar da função legislativa (Júnior e Lima, 2016).
Entretanto, a essência da democracia, para Piovesan e Gonçalves (2013), pressupõe como elementos nucleares, a constitucionalidade, legalidade, observância de direitos, garantias fundamentais e o princípio da igualdade perante a lei, entendendo que esta deve ser aplicada de forma igualitária a todos, independentemente de cargo ou função que exerçam. Partindo deste pressuposto, os agentes públicos não se escusam da responsabilidade por suas ações, tampouco o exercício de função ou cargo público não pode servir como justificativa para isenção da responsabilidade pelos excessos cometidos. Nesse sentido
[...] a vítima de um crime tem o direito fundamental à proteção judicial, não podendo a lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (como prevê a CF/88, no art. 5, inc. XXXV). Ao princípio do livre acesso ao Poder Judiciário conjuga-se o dever do Estado de investigar, processar e punir aqueles que cometeram delitos. [...]
À vista disso, a imunidade material não pode ser compreendida como sinônimo de imunidade absoluta e sequer ser usada como escudo para agressões à dignidade, discursos de ódio, violência e discriminação. Nesse limiar, a atual ótica constitucional permite que os parlamentares sejam punidos civil e penalmente pelos seus atos que extrapolam o necessário ao exercício da função legislativa, ou seja, os excessos que não se relacionam às funções para as quais os congressistas foram eleitos. Assim, com base nas disposições constitucionais, cabe ao Judiciário exercer parte do controle em relação ao Poder Legislativo, à medida que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar os processos que figuram como réus Deputados Federais e Senadores.
Desse modo, caso uma lei proíba totalmente a responsabilização do Legislativo pelo Judiciário, como é o caso, há uma interferência direta neste e, portanto, viola a separação dos poderes ao restringir o controle recíproco previsto no sistema de freios e contrapesos, em uma evidente manobra de blindagem a qualquer interferência por outro poder.
Ante as breves considerações, é possível concluir que objetiva a PEC 03/2021 intervir no núcleo da separação dos poderes e limitar o sistema de freios e contrapesos ao interferir diretamente nas competências próprias do Poder Judiciário, neste caso, o julgamento de Deputados Federais e Senadores pelo excesso de suas manifestações que extrapolam o exercício da função. Desse modo, subsiste a ofensa à separação dos poderes, prevista como cláusula pétrea pela Constituição Federal, tornando, portanto, a referida emenda inconstitucional e merecedora o título de PEC da Impunidade.
Por fim, mister salientar que este é apenas um dos diversos pontos questionáveis da propositura da PEC 03/2021, seja pelo enfoque legal, ético ou moral, vez que visa um verdadeiro constitucionalismo em causa própria, promovendo a blindagem dos membros do Congresso Nacional a qualquer controle externo e abrindo as portas para imunidade absoluta, possibilitando a violação à honra, imagem e dignidade daquele que for vítima dos excessos parlamentares, pois estes ficarão livres de qualquer responsabilidade concreta. No mais, por enquanto nos resta a expectativa de que o Legislativo exerça sua prerrogativa de aprimoramento do texto da proposição legislativa e, nas palavras do Ministro Barroso, “desmereça o epíteto de PEC da Impunidade."
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição. Constituição da Republica Federativa do Brasil, 1988.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 37.721. Impetrante: Kim Patroca Kataguiri. Impetrado: Mesa da Câmara dos Deputados. Relator: Ministro Roberto Barroso. Distrito Federal, 26 de fevereiro de 2021
CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. 6 ed. Coimbra: Editora Almedina. Tomo I, 2003
DISTRITO FEDERAL. Câmara dos Deputados. Projeto de Emenda Constitucional nº 03/2021. Altera os arts. 14, 27, 53, 102 e 105 da Constituição Federal, para dispor sobre as prerrogativas parlamentares e dá outras providências. Disponível em: https://www.câmara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1966562&filename=Tramitacao.... Acesso em 27 de fevereiro de 2021
GONÇALVES, Guilherme Figueiredo Leite; PIOVESAN, Flávia. Imunidade Parlamentar no Estado Democrático de Direito. Revista de direito constitucional e internacional, São Paulo, 2013
JÚNIOR, Silvio Valois da Cruz. LIMA, Alanna Sousa. Imunidades parlamentares e o estado democrático de direito: uma análise contemporânea. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/imunidades-parlamentareseo-estado-de...
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11 ed. Salvador: Editora JusPodvm, 2016
Os políticos podem e devem ser punidos por crimes, mas o que se vê hoje é que quem rouba dinheiro público é poupado e o processo vai pra gaveta, traficantes e demais bandidos são soltos em nome da "pandemia", mas quem critica o STF é julgado, condenado e preso. Mas a prisão só vale para os que não são opositores do presidente. Se for da esquerda ou extrema esquerda aí pode tudo. As provas do que falo estão nas redes sociais, no mesmo local onde está a "prova" do crime do Daniel Silveira. Isso que dá ter o Lex Luthor no STF. Quando o executivo ou o legislativo tomam uma ação é desrespeito a separação dos poderes, mas quando o STF prende um politico por opinião aí não quebra a separação de poderes. Sei...
O problema aqui não é nem a criação da tal PEC da impunidade, o que para mim é uma excrescência, o problema é o judiciário, intervir em outro poder, alegando que houve um ataque à democracia, usando uma lei que é um entulho do autoritarismo, embasado em um inquérito totalmente ilegal e sem o menor amparo na constituição e na lei. Se um deputado não pode falar o que o povo que nele votou, gostaria que ele falasse, então, estamos mesmo em um regime de exceção. Os senhores ministros do Supremo Tribunal Federal não são o Supremo Tribunal Federal, são servidores que deveriam se colocar em seus lugares, e julgarem, não foram colocados lá para soltar bandidos, perseguir adversários políticos, nem para dar pitacos em receitas de bolos. Eles foram colocados lá para uma única coisa, serem os guardiães da constituição, e neste quesito eles tem falhado bisonhamente. Em tempo, o que esperar de cabos eleitorais, amigos do peito de condenados, advogados obscuros, e cidadão que nem conseguiu passar em concurso de juiz de primeira instância, né?
O quanto deste desrespeito à separação dos poderes é causada pelas atitudes dos 11 supremos?
Lamentavelmente o que se percebe o STF legislando em favor próprio,
esquecendo do restante do povo brasileiro. Estão oferecendo migalhas
para os "menos favorecidos" ao invés de oferecer as ferramentas para que
todos possam trabalhar com dignidade. Um exemplo; Um cidadão que
trabalha durante 35 anos com problemas de saúde e quando fecha os
requisitos para aposentar recebe um salário mínimo com o qual deve pagar
as contas dos "poderosos" e seus caprichos, enquanto que um cara que
nunca trabalhou mas, está doente acaba por receber o Benefício
Assistencial ao Deficiente, sendo premiado com o mesmo salário minimo,
igual aquele que laborou a vida toda. É muito triste a gente ver poucos
ganhando rios de dinheiro enquanto os demais, a grande maioria mingua
pedindo socorro nas filas dos Orgãos de Saúde.
ONDE ESTÃO ESTES PROTETORES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL?
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