Direito de defesa
Com
a intensificação do debate sobre a abertura ao público dos julgamentos
administrativos de primeira instância da Receita Federal, a Ordem dos
Advogados do Brasil adota tática de guerrilha para forçar o Fisco a
abrir mão do sigilo das sessões ou, caso a estratégia não dê certo, para
se cercar de jurisprudência e levar a discussão ao Supremo Tribunal
Federal.
Duas seccionais, a do Rio de Janeiro e a do Distrito
Federal, já ajuizaram Mandados de Segurança para forçar as Delegacias
Regionais de Julgamento a intimar os contribuintes a comparecer às
sessões e a abrir espaço para advogados fazerem sustentações orais. Elas
já conseguiram liminares. A seccional catarinense, por sua vez, oficiou
a Receita Federal no estado, informando sobre as decisões judiciais.
Outras seccionais já manifestaram interesse pela via judicial e, até o
fim do ano, todas devem entrar com ações.
O advogado afirma que o Conselho Federal
aguarda o desenrolar de ações judiciais nos estados para agir. Como as
delegacias de julgamento são regionais, os ajuizamentos cabem às
seccionais. E os presidentes das comissões tributárias de quase todas já
pediram os fundamentos dos Mandados de Segurança vitoriosos. “Vamos ver
a jurisprudência se formar primeiro. E, se for o caso, a comissão
nacional votará sobre um remédio constitucional no Supremo, que teria de
ser aprovado pelo Conselho Federal”, planeja Mendonça.
A Medida
Provisória 2.158-35, de 2001, determinou que as impugnações de
contribuintes contra autuações fiscais sejam julgadas por órgãos
internos de deliberação colegiada da Receita Federal — as delegacias.
Advogados podem elaborar as defesas, mas somente despacham com
julgadores ou fazem sustentações em segundo grau, caso haja apelação
contra a decisão das delegacias no Conselho Administrativo de Recursos
FiscaiS, que tem sede em Brasília.
O Fisco rebate dizendo que abrir as sessões
contrariariam legislação específica, e inviabilizaria a administração
tributária, por conta da obrigatoriedade de intimação de contribuintes e
advogados. Mas segundo a seccional fluminense, ao vedar a participação
dos contribuintes nos julgamentos, as delegacias tornam-se “meramente
ratificadoras ou retificadoras dos atos administrativos” da Receita
Federal, uma vez que suas decisões mostram posturas fiscalizadoras.
Argumento persuasivo
O argumento já convenceu pelo menos na primeira instância da Justiça Federal no Rio e no Distrito Federal. Liminar concedida em janeiro pela 5ª Vara Federal fluminense determinou que a Receita passasse a designar dia, hora e local para os julgamentos administrativos fiscais de primeira instância.
O argumento já convenceu pelo menos na primeira instância da Justiça Federal no Rio e no Distrito Federal. Liminar concedida em janeiro pela 5ª Vara Federal fluminense determinou que a Receita passasse a designar dia, hora e local para os julgamentos administrativos fiscais de primeira instância.
Além disso, as
partes deveriam ser intimadas e, “em existindo advogados, os mesmos
também devem ser intimados, podendo ofertar questões de ordem sobre
aspectos de fato da causa”.
A decisão foi confirmada
pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região,
desembargador Sergio Schwaitzer, após recurso da Procuradoria da Fazenda
Nacional, antes de ser suspensa pelo colegiado com o julgamento de um Agravo de Instrumento da União.
No Distrito Federal, a 8ª Vara Federal acolheu
pedido de liminar em Mandado de Segurança coletivo da seccional da OAB
contra a Portaria 341/2011 do Ministério da Fazenda, que proibiu a
presença de advogados e partes nos julgamentos. A Justiça obrigou que as
sessões fossem abertas ao público e aos advogados, que passaram a poder
apresentar memoriais, fazer sustentações orais, participar de debates e
pedir a produção de provas.
O juiz federal Antonio Claudio Macedo
da Silva disse que a Portaria 341 diverge do Regimento Interno do Carf,
que regulamenta a publicidade das sessões de julgamento, apresentação
de memoriais e sustentação oral. A diferença entre a transparência no
Carf e o segredo nas delegacias levou o julgador a afirmar que há
“evidente assimetria entre os procedimentos de julgamento de primeiro e
segundo graus no âmbito do procedimento administrativo fiscal, em
prejuízo evidente e inequívoco, na primeira instância”.
Mas depois
de um recurso da Fazenda, o TRF-1 suspendeu os efeitos da liminar.
O motivo foi a alegada falta de estrutura da Receita para receber os
advogados. "É absurdo, pois se as sessões de julgamento já ocorrem,
basta publicar as datas de julgamento e franquear o acesso aos advogados
e permitir seu direito a manifestação", diz Jacques Veloso de Melo, presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-DF.
O Ministério Público Federal também já encampou a tese. Em parecer
sobre o Mandado de Segurança coletivo da OAB-RJ, o órgão diz que o
devedor deve manifestar seu direito de defesa baseado em “todas as
ferramentas que lhe forem benéficas”. “É certo que, com a Constituição
de 1988, o direito à defesa estabeleceu a sua importância frente à ideia
de democracia, se mostrando como instrumento capaz de reduzir,
sobremaneira, o arbítrio do Estado, especialmente no que se refere aos
processos administrativos”, diz a manifestação.
O procurador da
República André Tavares Coutinho, que assina o documento, acrescenta que
o processo administrativo fiscal tem como fim a constituição de um
título executivo, “portanto, sancionador”. “Por ser sancionador, não há
como admitir uma limitação dos direitos de defesa, visando impedir os
arbítrios por parte do administrador e garantir justeza do caso em
análise.”
Visão imparcial
Até mesmo no Fisco o entendimento encontra adeptos. Em artigo publicado na ConJur, o conselheiro do Carf Eduardo Martins Neiva Monteiro, auditor fiscal e representante da Fazenda Nacional no órgão, afirma que a falta de acesso às sessões de julgamento na primeira instância viola o “compromisso do legislador constituinte com a publicidade, sem qualquer participação das partes interessadas no litígio (Procuradoria da Fazenda Nacional e contribuintes), sendo condenável tal modelo e insuficiente a publicação apenas das ementas no sítio da RFB na internet”.
Até mesmo no Fisco o entendimento encontra adeptos. Em artigo publicado na ConJur, o conselheiro do Carf Eduardo Martins Neiva Monteiro, auditor fiscal e representante da Fazenda Nacional no órgão, afirma que a falta de acesso às sessões de julgamento na primeira instância viola o “compromisso do legislador constituinte com a publicidade, sem qualquer participação das partes interessadas no litígio (Procuradoria da Fazenda Nacional e contribuintes), sendo condenável tal modelo e insuficiente a publicação apenas das ementas no sítio da RFB na internet”.
“Atualmente,
sequer se toma conhecimento de quando determinado processo irá a
julgamento, pois as pautas não são publicadas previamente no Diário
Oficial da União ou divulgadas”, critica, para dizer que a restrição
sonega às partes “o direito de presença que lhes proporcionaria conhecer
o teor dos debates que o precederam”.
“Seria ingênuo afirmar que
acórdãos, em especial os decorrentes de casos mais complexos, sejam
capazes de fielmente retratar as discussões travadas durante o
julgamento. Ora, a abertura dos debates ao público, ou no mínimo às
partes, auxilia na melhor compreensão de todos os argumentos levados em
consideração pela Turma Julgadora, não apenas dos que restaram afinal
formalizados no acórdão.”
Ex-julgador, ele conta que as decisões
de primeiro grau nas delegacias costumam ser precedidas de “calorosos
debates” entre os auditores. “Por mais que haja argumentos contrários
por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil para não permitir o
acesso às sessões de julgamento, como a falta de estrutura e de
pessoal, ou a necessidade de se impor celeridade aos julgamentos; a
publicidade, como principio que é, não pode ceder frente a obstáculos de
outra ordem, dissociadas de conteúdo normativo.”
Sua
argumentação se sustentará em sete balizas: a de que documentos públicos
produzidos por funcionários públicos com recursos públicos em
repartições públicas devem ser públicos; a de que não é possível a
compreensão do julgamento de segunda instância sem o amplo acesso aos
julgamentos de primeira instância, o que tornaria a prática atual do
Fisco uma ocultação do próprio objeto do julgamento; a de que a
divulgação das decisões de primeira instância aumentam o fluxo de
informação sobre a legalidade prática usada pela administração, o que
aumentaria a compreensão do contribuinte sobre seus critérios; a de que a
publicidade dos julgamentos aumenta o controle social da administração
pública; a de que a ampla publicidade dos julgados democratiza o
entendimento, fazendo com que não apenas grandes escritórios que
trabalham em larga escala tenham visão privilegiada do entendimento dos
julgados; e que a participação dos advogados nos julgamentos amplia o
diálogo entre o público e o privado, atendendo ao princípio da ampla
defesa e revelando que o problema do contencioso é a má qualidade dos
autos de infração, combinada com a complexidade da legislação
tributária e a omissão do Fisco em revelar seus critérios.
Sem negociação
Além da via judicial, a OAB também tem tentado mudar o quadro na base da conversa. Em maio, a comissão tributária da OAB mineira aproveitou o bom relacionamento mantido com a representação da Receita Federal local para discutir o tema em uma reunião. O convite partiu do próprio Fisco, mas decepcionou os advogados. No encontro, os responsáveis pela Superintendência Regional mantiveram seus argumentos de que há impossibilidades estruturais para atender à demanda e falta legislação expressa que regulamente a prática.
Além da via judicial, a OAB também tem tentado mudar o quadro na base da conversa. Em maio, a comissão tributária da OAB mineira aproveitou o bom relacionamento mantido com a representação da Receita Federal local para discutir o tema em uma reunião. O convite partiu do próprio Fisco, mas decepcionou os advogados. No encontro, os responsáveis pela Superintendência Regional mantiveram seus argumentos de que há impossibilidades estruturais para atender à demanda e falta legislação expressa que regulamente a prática.
Parte da defesa do Fisco se
baseia no fato de que a Receita Federal centralizou os processos das
delegacias. De acordo com a Portaria 453/2013 do órgão, os recursos
tramitam em um único ambiente virtual, o que reduziu a competência
territorial de cada delegacia. Ou seja, um processo originado no Rio de
Janeiro, por exemplo, pode ser julgado em Belo Horizonte, como explica o
advogado Bernardo Motta Moreira, membro da Comissão de
Direito Tributário da OAB-MG. Segundo ele, a resposta do Fisco não
deixa opção à seccional senão ajuizar um Mandado de Segurança, proposta
que já foi autorizada pelo Conselho Pleno da OAB-MG.
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