Lei da Palmada não proíbe palmada, dizem advogados
Publicado por Rafael Costa -
A
chamada Lei da Palmada, aprovada anteontem (4/6) no Senado, é subjetiva
e não acrescenta nada à legislação vigente, dizem advogados ouvidos
pela Folha. Deixa brecha, inclusive, para a própria palmada. A
legislação proíbe "castigo físico" que cause "sofrimento físico" ou
"lesão". Apesar do apelido, a palavra "palmada" não consta no texto. Nem
outra semelhante.
Cinco advogados ouvidos pela Folha afirmam que a regra deixa brechas para várias interpretações.
O
criminalista Carlos Kauffmann diz que, para o caso de castigo físico
que cause sofrimento ou lesão, já constam lesão corporal e maus-tratos
no Código Penal. "Se der a palmada sem sofrimento físico ou moral e sem lesão corporal, não há problema."
Na
tramitação no Congresso, o texto proposto pelo Executivo sofreu uma
mudança. A palavra "dor" foi trocada por "sofrimento físico". Com isso,
diz Kauffmann, a legislação ficou ainda mais subjetiva.
Efeito simbólico
Alamiro
Velludo Netto, criminalista e professor de direito penal na USP,
concorda que a norma não proíbe todo tipo de tapinha. "A palmada que tem
mais efeito simbólico, de correção, não foi proibida, mas sim aquela
que tem o caráter de agressão."
Segundo ele, a lei gera um grande
desafio para os juízes, que terão de dar contornos mais precisos ao que
deve ser considerado sofrimento físico.
"Em que medida um tapa é
significativo? A forma como ele é dado, o contexto, tudo isso deverá
ser considerado [na Justiça]. Uma palmada pode não ser considerada
sofrimento físico, e o que vai determinar isso serão as decisões
[judiciais]", diz o advogado.
O que a lei deve penalizar é a
situação em que o responsável pela criança, seja a mãe ou o pai,
ultrapasse os limites do razoável, afirma o professor.
O
criminalista Fernando Castelo Branco ressalta que agressões devem ser
punidas, como prevê a lei. O medo dele é que, por ser ampla, a nova
regra abra espaço para interpretações radicais.
"O pai que dá uma
palmada no filho que sai correndo para atravessar a rua causou um
sofrimento físico na criança?", pergunta ele, que não vê na palmada
tratamento degradante.
O professor de direito penal Luiz Flávio
Gomes lembra que a norma não prevê punições penais, mas encaminhamento
para tratamento. "Se a lei penal que prevê pena não surtir efeito
preventivo, uma lei sem prever punição vai surtir menos efeito", diz.
"A violência física, sobretudo doméstica, é cultural. As leis não mudam a realidade", acrescenta Gomes.
Denuncismo
Para
a advogada Carmen Nery, especialista em administração legal, a lei
interfere em assuntos familiares e pode gerar um denuncismo que
sobrecarregaria o Judiciário.
"Agora, o juiz vai verificar se tal chinelada fere ou não fere a Lei da Palmada", diz.
"Você
acha que um Judiciário como nosso, lotado, sem condição de julgar
latrocínios e serial killers, tem de decidir se a palmada foi bem dada e
o beliscão foi excessivo?"
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