Joaquim Barbosa quebrou complexo de que ladrões de milhões não vão para a cadeia
Cesar Asfor Rocha
Especial para o UOL
A notícia da aposentadoria voluntária e prematura do ministro Joaquim Barbosa pegou a todos de surpresa.
A uma, porque ainda lhe restavam seis meses na presidência do STF
(Supremo Tribunal Federal) e dez anos de permanência como ministro da
Suprema Corte - visto que tem menos de sessenta anos de idade -
achando-se, portanto, na faixa etária em que muitos postulantes
pretendem chegar ao tribunal, do qual ele antecipada e desprendidamente
se despede.
A duas, porque a data limite de sua aposentadoria a
não lhe retirar a condição de elegibilidade para eventual candidatura
nas eleições que se aproximam seria 4 de abril. Superado esse prazo,
como foi, a sua candidatura a cargo eletivo deve ser excluída do
horizonte das coisas possíveis.
Dessa circunstância podem ser
extraídas algumas ilações relevantes. A mais destacada delas é a de que a
obstinação de Joaquim Barbosa para julgar a Ação Penal 470, o chamado
mensalão do PT, e os duros votos por ele ali proferidos, ao contrário do
que alardeavam os seus desafetos, não eram motivados por propósitos ou
ambições eleitoreiras.
Se Joaquim Barbosa tivesse deixado a
presidência do STF para se candidatar a presidente da República ou a
senador pelo Estado do Rio de Janeiro - como propagavam seus adversários
-, teria ele desqualificado as suas corajosas posturas de que resultou a
quebra para sempre do complexo do brasileiro com profundas raízes
históricas e sociológicas, segundo o qual os ladrões de milhões não vão
para a cadeia.
Agora não pode haver nenhuma dúvida
razoável de que Joaquim Barbosa, ao proferir seus votos contudentes, com
gestos severos e palavras cortantes, nada mais fez senão dar vazão às
suas convicções jurídicas, elaboradas na ótica e no contexto de sua
visão do mundo.
Muitos o acusavam de ter tido uma condução rude e
mesmo sem neutralidade. Mas para um processo com 40 réus, com 40
advogados criminalistas dos mais talentosos, consagrados, experientes e
sérios do país, não haveria modo de fazê-lo prosseguir se permitisse
postergações dispensáveis, desde que sem afrontar garantias processuais
constitucionais.
Divulgação Não pode haver nenhuma dúvida de que Joaquim Barbosa, ao proferir seus votos contudentes, com gestos severos e palavras cortantes, nada mais fez senão dar vazão às suas convicções jurídicas ex-presidente do STJ, sobre o julgamento do mensalão
A outra censura foi a de que não teria tido neutralidade. Do juiz
deve-se exigir imparcialidade, nunca neutralidade, pois que não há juiz
neutro (aliás, não há ninguém neutro), dado que ele julga com sua carga
de vivências, ideologias, esperanças, realizações e frustrações.
Devo anotar que esses seus posicionamentos na função de julgar, sem
embargo do que dito acima, sofrem exaltadas oposições de juristas
destacados na percepção de que o ministro Joaquim Barbosa foi além do
que o sistema jurídico permite, em termos de ativismo da magistratura.
Essa é uma outra visão e um modo diverso de considerar-se o papel
judicial, que tem a seu favor o peso das tradições liberais, que tanto
zelamos e prestigiamos, e a que eu, pessoalmente, muito me afeiçoo.
Aliás, essas convicções contam com o peso do que sustenta o ministro
Ricardo Lewandowski, que as defendeu com coragem e sem inibições,
enfrentando incompreensões descabidas, sem se curvar às injustas
críticas que recebia, o que mostra a dimensão de seu caráter e de sua
força moral.
Anote-se, por fim, que o resultado produzido no
julgamento do mensalão do PT espelha uma decisão colegiada que teve o
apoio da maioria dos ministros do STF.
Por isso, não se pode
dizer que o julgamento se deu por motivações ressentidas, impulsos
vingativos ou represálias guardadas. Ainda que seja colegiada, a decisão
pertence primariamente ao relator Joaquim Barbosa.
O balanço do tempo e das condutas em que o ministro Joaquim Barbosa atuou lhe é abertamente favorável ex-presidente do STJ, sobre a gestão do Supremo Tribunal Federal
Para ser mais preciso, no imaginário popular a decisão é como tivesse
sido somente dele. Ao fim e ao cabo, este é o resumo do julgamento,
visto somente na sua versão conclusiva.
O balanço do tempo e das
condutas em que o ministro Joaquim Barbosa atuou lhe é abertamente
favorável. Se pode ser identificado nesse balanço algo que mereça
ressalva (ou não mereça aplauso) isso deve ser debitado a outros
fatores, que não servirão para reduzir a sua importância estratégica e
inestimável à mudança dos costumes judiciários do nosso país.
FONTE: UOL OPINIÕES
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