Marco civil da internet e regulamentação do comércio eletrônico.
Tarcisio Teixeira
O decreto 7.962/2013 tem por objeto dar mais segurança aos internautas que compram pela internet.
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Comércio
é o ramo da produção econômica que provoca o aumento dos valores dos
produtos pela interposição entre produtores e consumidores, objetivando
facilitar a circulação das mercadorias. O comércio pode ser visto como o
conjunto de trocas e compras e vendas visando obter ganhos e/ou
satisfações. Para sua estabilidade e crescimento, os agentes operadores
do comércio foram desenvolvendo regras ao longo do tempo,
fundamentalmente por meio dos usos e costumes, que acabaram colaborando
para a construção do direito comercial como um ramo do Direito.1
A grande expansão
da internet nos últimos anos foi extremante relevante para o crescimento
do comércio eletrônico no Brasil e no mundo. De acordo com a pesquisa
do e-Bit, o crescimento do comércio eletrônico varejista no Brasil subiu
de R$ 0,5 bilhão, em 2001, para R$ 28 bilhões, em 2013. Aqui as
categorias de bens mais comercializados são: moda e acessórios, 13,7%;
eletrodomésticos, 12,3%; cosméticos e perfumaria, 12,2%; informática,
9,0%; livros e revistas, 8,9%. Essas compras pela internet foram
efetuadas por 43 milhões brasileiros tidos como consumidores on-line2.
O comércio
eletrônico é uma extensão do comércio convencional, pois se trata de um
ambiente digital em que as operações de troca, compra e venda e
prestação de serviço ocorrem com suporte de equipamentos e programas de
informática, por meio dos quais se possibilita realizar a negociação, a
conclusão e até a execução do contrato, quando for o caso de bens
intangíveis. Apesar de o ambiente virtual propiciar os mais variados
tipos de contratos, públicos e privados, como, por exemplo: negócios
entre empresas (B2B - business to business) e entre particulares no âmbito da contratação civil (C2C - consumer to consumer), sem dúvida a grande massa de negócios eletrônicos são entre fornecedor e consumidor (B2C - business to consumer).
Consideramos que no
âmbito nacional (ou seja, quando as partes estiverem sediadas no
Brasil), os contratos celebrados pela internet estão sujeitos ao mesmo
regime jurídico (princípios e regras aplicáveis) dos demais contratos
firmados fisicamente no território brasileiro. Logo, sem prejuízo da
aplicação de outras normas especiais, aplicam-se as regras do Código
Civil e do Código de Defesa do Consumidor (neste caso, quando
configurada uma relação de consumo, como trataremos adiante) aos
negócios concretizados eletronicamente.
Dessa forma, são
aplicáveis as regras legais sobre contrato de adesão, cláusulas
abusivas, publicidade enganosa e abusiva, responsabilidade por
inadimplemento contratual e por ato ilícito; os princípios do direito
contratual, como o da boa-fé e o da função social do contrato, entre
outros.3 Também são
aplicáveis as regras de cunho contratual estabelecidas pelas partes,
desde que respeitados os limites e os princípios do Direito, devendo
igualmente acatar as normas de ordem pública (de caráter imperativo),
exemplificativamente, àquelas fixadas pelo Código de Defesa do
Consumidor para as relações de consumo, como as que impedem o fornecedor
de fixar cláusula que exonere ou atenue sua responsabilidade (art. 25, caput).
A doutrina é
uniforme quanto à admissibilidade da aplicação do ordenamento jurídico
brasileiro às relações estabelecidas no comércio eletrônico entre partes
sediadas no Brasil. Logo, sem prejuízo da aplicação de outras normas
especiais, aplicam-se as regras do Código Civil e do CDC - Código de
Defesa do Consumidor (neste caso, quando configurada uma relação de
consumo, como trataremos adiante).
De qualquer forma,
cada vez mais vem surgindo normas sobre problemas jurídicos relacionados
ao uso da Tecnologia da Informação, como o Marco Civil da Internet
(MCI), Lei n. 12.965, em 23 de abril de 2014. Mas, será que essa lei é
aplicável ao comércio eletrônico? Trata-se de uma lei principiológica
que estabelece parâmetros gerais acerca de princípios, garantias,
direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, além de determinar
algumas diretrizes a serem seguidas pelo Poder Público sobre o assunto
(MCI, art. 1º). Em seu texto também há regras específicas a serem
cumpridas por agentes que operam na internet, especialmente as dirigidas
aos provedores de conexão (acesso) e de aplicações de internet (de
conteúdo).
Ao se analisar o
Marco Civil pode se ter a impressão inicial de que a norma não trata
claramente sobre comércio eletrônico em sentido estrito (quanto à compra
e venda de produtos e prestação de serviços), mas apenas de outras
operações realizadas no comércio eletrônico em sentido amplo (como,
questões envolvendo a proteção à privacidade e a vedação da captação
indevida de dados e da sua comercialização). Entretanto, suas regras e
princípios têm implicação direta em tudo o que ocorre na internet em
âmbito brasileiro, inclusive o e-commerce, enquanto operações envolvendo a produção e a circulação de bens e de serviços.
Além disso, o art.
7º, inc. XIII, da Lei n. 12.965/2014 reafirma a aplicação das normas de
defesa do consumidor nas relações firmadas pela internet, desde que
configurada uma relação de consumo. Uma questão muito interessante para
efeitos de e-commerce está no art. 6º da Lei n. 12.965/2014, ao
prever que na interpretação desta norma serão levados em consideração os
seus fundamentos, princípios e objetivos, bem como a natureza da
internet, seus “usos e costumes particulares” e sua importância para a
promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural. Vale
explicitar que, usos e costumes são práticas reiteradas por determinados
agentes que são aceitas como regras jurídicas positivadas e
obrigatórias, mas que vão sendo ajustados de forma dinâmica, conforme a
necessidade dos operadores do mercado.
Todavia, uma norma
que trata mais especificamente sobre comércio eletrônico é o Decreto n.
7.962, de 15 de março de 2013, que regulamenta o Código de Defesa do
Consumidor (CDC) para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico.
Ele dispõe acerca da necessidade de informações claras sobre o produto,
o serviço, o fornecedor, o atendimento facilitado ao consumidor e o
respeito ao exercício do direito de arrependimento (art. 1º).
O art. 2º do Decreto n. 7.962/2013 prevê que os sites
de comércio eletrônico ou outros meios eletrônicos devem manter em
destaque e facilmente visualizável: o seu nome empresarial e o número do
CNPJ; o seu endereço físico e eletrônico, bem como outros dados para
sua localização e contato; as descrições essenciais do bem, incluindo os
riscos à saúde e à segurança; a especificação no preço de quaisquer
adicionais, como despesas com frete ou seguro; as condições integrais da
oferta, albergando a disponibilidade, formas de pagamento, maneiras e
prazo de entrega ou disponibilização do produto ou de execução do
serviço; as informações claras e evidentes sobre restrições ao
aproveitamento da oferta. Especificamente sobre a qualificação e
localização do titular do site, algumas empresas já vêm cumprindo a determinação da referida norma, como, por exemplo, o www.mercadolivre.com.br.
Por sua vez, os arts. 4º e
6º do Decreto n. 7.962/2013, visando garantir um atendimento facilitado
ao consumidor no comércio eletrônico, prevêem que o fornecedor deverá:
confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta; manter
serviço eficaz de atendimento em meio eletrônico a fim de possibilitar
que o consumidor obtenha informações, esclareça dúvidas, apresente
reclamação, suspensão ou cancelamento do negócio (devendo a resposta ser
fornecida em até cinco dias); confirmar instantaneamente o recebimento
da solicitação do consumidor pelo mesmo meio utilizado por ele;
disponibilizar ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e
correção instantânea de erros ocorridos nas fases anteriores à conclusão
do contrato; utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e
tratamento de dados do consumidor; apresentar antes da contratação um
resumo do teor do contrato, com informações imprescindíveis para a
escolha do consumidor, destacando as cláusulas limitativas de direitos;
fornecer o contrato ao consumidor de forma que possa ser conservado e
reproduzido imediatamente após a contratação; as contratações deverão
observar o cumprimento dos termos da oferta, sendo que a entrega dos
produtos e a prestação dos serviços respeitarão prazos, qualidade,
quantidade e adequação inerente. Por sua vez, o seu art. 5º disciplina o
direito de arrependimento do consumidor ao dispor que o fornecedor deve
informar, de maneira ostensiva e clara, os meios pelos quais este
direito pode ser exercido.4
Contudo, o Decreto
n. 7.962/2013 tem por objeto dar mais segurança aos internautas que
compram pela internet, bem como estabelecer um comportamento mais
adequado de vendedores, prestadores de serviço e intermediários,
deixando assim as relações jurídicas mais seguras e transparentes e
facilitando o acesso às informações sobre fornecedores, produtos e
serviços.
_____________
1 Para um aprofundamento no exame do desenvolvimento do comércio, veja TEIXEIRA, Tarcisio. Direito Empresarial Sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 27 e ss.
2 Evolução da internet e do e-commerce. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2014.
3 Para um estudo aprofundado sobre as regras aplicáveis aos contratos eletrônicos, veja TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico: doutrina, jurisprudência e prática. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 131 e ss.
4
Para um detalhamento sobre contratos eletrônicos e aplicação do direito
de arrependimento, veja nosso: TEIXEIRA, Tarcisio. “Aplicação do CDC
aos contratos celebrados eletronicamente – uma visão da análise
econômica do direito”. In: KEMPFER, Marlene; ARAÚJO JÚNIOR, Miguel
Etinger (Coords.). Direito negocial & relações de consumo. Birigui, SP: Boreal Editora, 2013. p. 186 e ss.
______________
Referências
TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico: doutrina, jurisprudência e prática. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.
______. “Aplicação do
cdc aos contratos celebrados eletronicamente – uma visão da análise
econômica do direito”. In: KEMPFER, Marlene; ARAÚJO JÚNIOR, Miguel
Etinger (Coords.). Direito negocial & relações de consumo. Birigui, SP: Boreal Editora, 2013.
______. Compromisso e promessa de compra e venda: distinções e novas aplicações do contrato preliminar. São Paulo: Saraiva, 2013.
______. Direito Empresarial Sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
______________
* Tarcisio Teixeira é professor, doutor e mestre pela USP, advogado e consultor de empresas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário