Racismo no futebol: Brasil debate penas, Itália indica caminho contrário.
Os
xingamentos de 'Macaco' ouvidos pelo goleiro Aranha, do Santos, na
partida contra o Grêmio pelas oitavas de final da Copa do Brasil em
Porto Alegre reacenderam a polêmica sobre o racismo no futebol
brasileiro.
Foi o quarto caso de grande repercussão no ano nos
gramados do país – o primeiro foi com o árbitro Marcio Chagas, em Bento
Gonçalves (RS), quando torcedores atacaram o carro dele e deixaram
bananas no retrovisor; o segundo foi com o zagueiro Paulão, do
Internacional, que ouviu insultos racistas de um torcedor gremista na
Arena Grêmio em Porto Alegre; e o terceiro aconteceu com o também
santista Arouca, quando ele dava entrevista para os jornalistas na saída
de campo de um jogo em Mogi Mirim (SP).
Antes desses episódios, o
Brasil só estava acostumado a lidar com casos de racismo no futebol
fora de casa, com jogadores brasileiros atuando na Europa ou em
campeonatos sul-americanos. Mas desde que o problema ficou evidente
também nos gramados nacionais, passou-se a discutir punições para
combatê-lo.
Perda de pontos ou de mando de campos para o clube
responsável, além de punição para os próprios torcedores que cometeram o
ato racista são algumas das 'penas' que têm entrado em pauta no debate
sobre o assunto, mas poucas delas foram vistas na prática.
Enquanto
isso, na Itália, país onde os casos de discriminação racial são mais
frequentes, as punições contra atos desse tipo foram abrandadas pelo
novo presidente da Federação Italiana de Futebol (FIGC), Carlo
Tavecchio.
De acordo com as novas determinações, os casos de
insultos racistas nos estádios - que antes eram punidos drasticamente
com perda de mando de campo ou jogos com portões fechados – agora terão
penas aplicadas de maneira mais "gradual e sem implicar automaticamente
no fechamento do estádio ou em sanções contra a torcida do time
envolvido".
A mudança veio logo na primeira reunião de conselho
sob o comando do novo presidente. Com ele, a Federação decidiu atenuar
substancialmente as penas para times cujos torcedores ou jogadores que
cometem insultos a outras pessoas por causa de sua origem ou raça. A
novidade gerou polêmica entre os italianos.
"Será que estamos de
volta ao tempo em que nos estádios qualquer bestialidade era permitida
em nome e por conta da torcida?", perguntou Enzo Bucchioni, respeitado
comentarista esportivo do jornal Il Giorno.
"O dever da federação é
educar e trazer a civilidade de volta aos estádios, com prevenção e
repressão", lembrou Bucchioni. "Regras inexpressivas só servem a alguns
presidentes de clubes da Série A, e não ao futebol como um todo".
Presidente polêmico
Antes
de se tornar presidente da Federação Italiana, Carlo Tavecchio fez uma
declaração polêmica que foi considerada ofensiva por muitos, ao ser
indagado sobre o grande número de jogadores estrangeiros no país.
Tavecchio,
de 71 anos, comentou que na Inglaterra os jogadores são escolhidos com
base em seu profissionalismo. Já na Itália "um sujeito qualquer que até
pouco comia bananas" pode vir a ser profissional.
O cartola foi duramente
criticado pela imprensa e também por dirigentes de clubes de futebol. A
UEFA (Confederação Europeia de Futebol) chegou a abrir um inquérito
disciplinar contra o italiano. Ele pediu desculpas, negou o tom racista
da declaração e disse que iria explicar à entidade suas reais intenções.
Tavecchio
acabou sendo eleito presidente da Figc, em meados de agosto, com cerca
de dois terços dos votos, e prometeu ser "o presidente de todos". O
inquérito o eximiu de qualquer culpa. No entanto, a polêmica que ele
causou continua ocupando a imprensa e a opinião pública.
Resquício fascista
Analistas
temem que a ausência de penas pesadas acabe incentivando atos racistas
nos estádios, que ocorrem frequentemente Itália afora.
Uma das
vítimas mais famosas desses ataques na última temporada foi o jogador
Mario Balotelli, da seleção italiana de futebol, que acaba de ser
vendido ao FC Liverpool da Grã-Bretanha.
Depois do fracasso da
"azzurra" na última copa, Balotelli desabafou: "Eu não escolhi ser
italiano Não me culpem de tudo. Os africanos nunca abandonariam um
irmão".
Para o sociólogo italiano Mario Valleri, o comportamento
de Balotelli é típico para jogadores negros que jogam na Itália: "Eles
têm que dar 200% de si para serem aceitos, e são duramente criticados se
fazem um erro".
Valleri, que é diretor do Observatório Italiano
do Racismo e Antirracismo no Futebol, diz que o futebol italiano não
conseguiu superar o racismo. Ele viria da era fascista, quando o esporte
era utilizado para exaltar a superioridade do "italiano puro".
O
sociólogo aponta para o fato de que somente três jogadores de cor
nascidos na Itália jogaram na Série A na última temporada. "Os outros
acabam deixando os campos ou mudando o esporte".
Punições no Brasil
Com
os recentes casos no futebol brasileiro, aumentou a pressão para que
houvesse punições aos responsáveis pelos atos racistas nos estádios. No
entanto, até aqui, nos quatro episódios de racismo mencionados acima,
nenhum dele resultou em punições para os autores dos insultos.
Algumas
punições vieram, no entanto, no âmbito esportivo. O Código Brasileiro
de Justiça Desportiva diz que atitudes discriminatórias por raça ou cor
podem acarretar punição pesada às entidades desportivas às quais estão
vinculados os autores dos xingamentos. A pena pode ir de multa e perda
de pontos a perda de mandos de campo ou exclusão da competição.
No
caso do árbitro Márcio Chagas, houve punição ao Esportivo (RS), que
perdeu inicialmente nove pontos na tabela do Campeonato Gaúcho, mas
depois conseguiu reduzir a pena para a perda de apenas três pontos. No
âmbito judicial, o inquérito policial aberto para investigar o caso
acabou sem indiciamentos.
O episódio envolvendo o zagueiro do
Internacional, Paulão, também acabou apenas em punição esportiva. O
Grêmio foi multado em R$ 80 mil pelo Tribunal de Justiça Desportiva pelo
insulto de seu torcedor.
Já no caso do jogador do Santos, Arouca,
a punição foi também esportiva, com a interdição do estádio do Mogi
Mirim e a aplicação de uma multa de R$ 50 mil.
O acontecimento
mais recente, envolvendo o goleiro santista Aranha, teve até mesmo um
boletim de ocorrência registrado por ele na polícia gaúcha.
Uma
das torcedoras do Grêmio responsáveis pelo insulto foi identificada
pelas câmeras de TV e chegou a ser afastada do trabalho em Porto Alegre.
O próprio Grêmio identificou outros dez torcedores que participaram do
ato racista – dois eram sócios do clube e foram expulsos, e os outros
estão proibidos de entrar na Arena Grêmio.
Enquanto isso, o clube
gaúcho aguarda para saber se será punido pelo Superior Tribunal de
Justiça Desportiva (STJD). O jogo de volta das oitavas de final da Copa
do Brasil contra o Santos, antes marcado para a próxima quarta-feira,
foi adiado até que o caso seja julgado.
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