Caso
goleiro Bruno: erros técnicos-jurídicos na dosimetria da pena.
Publicado em 01/2015. Elaborado em 03/2013.
Houve erros técnicos-jurídicos existentes na
sentença que condenou o goleiro Bruno pela morte de Eliza Samúdio: a pena
poderia ser de aproximadamente 23 anos só pelo homicídio.
A condenação do goleiro Bruno pela morte de Eliza
Samúdio aconteceu no dia 08 de março de 2013 e foi fixada pelo Tribunal do Júri
da Comarca de Contagem (MG). De fato, ela já era esperada, mormente após a condenação
de seu "braço direito", o Luiz Henrique Ferreira Romão,
conhecido como “Macarrão”, ocorrida em novembro de 2012.
Ocorre que, da análise do referido édito
condenatório[1], com a devida venia, vislumbra-se a
existência de alguns erros técnicos-jurídicos, vez que, considerando somente a
fundamentação exposta (a qual, frise-se, não concordamos, conforme se
demonstrará), a sanção penal a ser imposta ao referido atleta deveria ser
bem maior que os 17 (dezessete) anos e 6 (seis) meses fixados na
sentença condenatória, senão vejamos.
Inicialmente, cabe registrar, que analisaremos
apenas a fundamentação do crime de homicídio triplamente
qualificado (art.121, §2º, incisos I, III e IV do Código Penal brasileiro)
pelo qual Bruno fora condenado pela morte de Eliza Samúdio, deixando de lado,
assim, a análise dos crimes de Sequestro (art. 148, §1º, IV, CP) e Ocultação de
Cadáver (art.211, CP).
Como é sabido, o juiz ao dosar (fixar) a pena deve
se atentar para os vetores previstos no art. 59 do Código Penal brasileiro
("O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta
social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e
consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá,
conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime..."),
sendo que os mais comezinhos princípios sobre dosimetria da pena direcionam
para que, caso todas as circunstâncias judiciais (as previstas no art.59 do CP)
sejam favoráveis ao condenado, a pena-base deverá ser fixada no patamar mínimo
previsto no preceito secundário do tipo penal.
A seu turno, caso as mesmas circunstâncias
judiciais sejam todas desfavoráveis, a pena-base deverá ser fixada no patamar
máximo. Se houver apenas uma circunstância judicial desfavorável, a pena deverá
ser fixada um pouco acima do mínimo previsto na lei penal.
Ocorre que, no caso do goleiro Bruno, a douta
magistrada sopesou 6 (seis) circunstâncias judiciais negativas (culpabilidade,
antecedentes, conduta social, personalidade, circunstâncias e consequências do
crime) e mais 2 (duas) qualificadoras (do emprego de asfixia e do recurso que
dificultou a defesa da vítima) para fixar a pena-base, ou seja, no total foram
8 (oito) circunstâncias negativas, mesmo número das circunstâncias previstas no
art. 59 do CP.
Como dito linhas acima, caso todas as
circunstâncias judiciais sejam desfavoráveis ao réu, como foi a hipótese do
goleiro Bruno, vez que ao total foram sopesadas 8 (oito) circunstâncias
desfavoráveis a ele, a pena-base deveria ter sido fixada no patamar
máximo (ou o mais perto disso, vez que não estamos diante de simples questão
matemática) da pena do crime de Homicídio qualificado, qual seja, em 30
(trinta) anos, não nos 20 (vinte) que lhe foram impostos. Neste sentido,
confira o magistério de Guilherme de Souza Nucci[2], in verbis:
[...] Há possibilidade legal e, em certos casos,
viabilidade concreta e desejável de se estabelecer o máximo previsto no tipo
penal secundário para determinados delinquentes. O raciocínio é
exatamente o inverso do utilizado pelo julgador para atingir a pena mínima: se
todas as circunstâncias do art. 59 apresentam-se desfavoráveis, inexiste outro
caminho senão partir da pena-base estabelecida no máximo. (negrito nosso)
Em outras palavras, a pena-base aplicada a Bruno
deveria ter sido de 30 anos, vez que a magistrada em sua fundamentação
consignou 8 (oito) circunstâncias desfavoráveis.
Para não haver dúvidas, cabe destacar, quando há
mais de uma qualificadora, como no caso em testilha que tinham 3 (três), uma
delas serve para qualificar o homicídio e as outras podem tanto ser utilizadas
na análise das circunstâncias judiciais (1ª fase da fixação da pena) ou como
agravantes (na 2ª fase). In casu, a juíza, acertadamente,
considerou o motivo torpe para qualificar o crime e as outras duas na análise
das circunstâncias judiciais. Ou seja, considerando as 6 circunstâncias
judiciais negativas somadas às 2 (duas) qualificadoras, chegou-se ao número de
8 circunstâncias negativas.
Após a fixação da pena-base, que no caso do goleiro
Bruno foi fixada – com a devida venia, equivocadamente, pensamos nós - em 20
(vinte) anos, deveria ter sido neutralizada a agravante (art.
62, I do CP - quando o agente dirige a atividade dos demais agentes) com
a atenuante (art.65, III, "d" do CP - quando o agente confessa
a autoria do crime), ou seja, não deveria ter sido realizada a valoração de
tais circunstâncias, eis que, por possuírem o mesmo valor (jurisprudencialmente
fixado em 1/6) e a mesma natureza (subjetiva), deveriam ter sido reconhecidas
na sentença, mas não aplicadas. Neste diapasão, o magistrado baiano Ricardo
Augusto Schmitt[3] leciona que:
Eis a única hipótese em que a jurisprudência admite
a neutralização entre as circunstâncias, ou seja, a pena não sofrerá nenhuma
alteração.
Somente ocorrerá a neutralização de uma
circunstância por outra na hipótese de serem da mesma espécie, ou seja,
atenuante subjetiva com agravante subjetiva ou atenuante objetiva com agravante
objetiva e, ainda, desde que não estejam inseridas no art. 67 do Código Penal,
caso contrário sempre haverá a preponderância de uma sobre a outra.
Muito embora pareçam sinônimos, não se trata de
compensação ou anulação de uma circunstância por outra, mas sim de
neutralização de seus efeitos. (negrito nosso)
Desta forma, considerando a fundamentação
constante da sentença condenatória (a qual equivocadamente, frise-se,
considerou 8 circunstâncias negativas contra o goleiro Bruno), vislumbra-se
que a pena-base deveria ter sido fixada em aproximadamente 30 (trinta) anos e
que, em face neutralização dos efeitos da agravante e da atenuante
supracitadas, bem como em razão da inexistência de causas especiais de aumento
ou diminuição da pena, a pena-base deveria se tornar definitiva (30
anos).
Ademais, há que se destacar, que a sentença
condenatória não observou o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade
no que se refere ao quantum a ser dado à atenuante da
confissão e da agravante, vez que, não obstante a doutrina e jurisprudência
majoritárias entenderem que deve ser aplicado o montante de 1/6 (um sexto) para
ambas as circunstâncias (agravante e atenuante), a juíza deu o valor de 3
(três) anos para a atenuante e de apenas 6 (seis) meses para a agravante, ou
seja, faltou razoabilidade e proporcionalidade, vez que agravantes e atenuantes
devem possuir o mesmo quantum, exceto quando há preponderância
entre elas (como preconizado pelo art.67 do CP), o que não é a hipótese em
apreço.
Contudo, consideramos que houve um erro no que
tange ao reconhecimento e valoração de 3 (três) circunstâncias judiciais
(antecedentes, conduta social e consequências do crime) consideradas
desfavoráveis ao goleiro Bruno, senão vejamos.
Primeiramente, a magistrada considerou como
circunstância judicial negativa os antecedentes, tendo em vista que ele
já havia sido condenado anteriormente. Ocorre que, segundo entendimento
predominante de nossos Tribunais Superiores (STF e STJ), a existência de
inquéritos e processos sem trânsito em julgado não servem para caracterizar
maus antecedentes, sob pena de violação frontal à garantia constitucional da
Presunção de Inocência (art.5º, LVII, CF/88 - "Ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória"),
verdadeira garantia individual. Neste sentido, recentemente o STJ sumulou a
matéria em seu verbete de número 444, in verbis: "É vedada
a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a
pena-base".
Em segundo lugar, foi considerada negativa a conduta
social do goleiro Bruno em face de supostas informações de que ele
tinha envolvimento com o tráfico de drogas e também com a face obscura do mundo
do futebol. Em primeiro lugar, insta salientar que meras suposições de
participação em atividade criminosa, sem que haja prova cabal, não admite a
exasperação da pena-base por má conduta social. A seu turno, se o goleiro Bruno
participava de orgias (independentemente de comprovação) tal fato não deve ser
considerado como fator negativo de conduta social, vez que esta se refere
apenas à conduta social do réu no seio familiar, da comunidade e do trabalho,
ou seja, não tem nada a ver com as festas de que participava ou de que modo
eram realizadas.
Outrossim, outro equívoco se referiu à
circunstância judicial das consequências do crime que foram
consideradas negativas, onde se lê que: "[...] foram graves, eis que a
vítima deixou órfã uma criança de apenas quatro meses de vida (fls.5)".
Ora, tal fundamento não é valido para considerar negativa as consequências do
crime, tendo em vista que não transcendeu o resultado típico. No crime de
homicídio (Crime Rei), ante a gravidade do delito, a pena fixada abstratamente
já é suficientemente alta e proporcional ao bem jurídico tutelado, ou seja, a
vida.
Por isso, somente quando as consequências
ultrapassarem o resultado típico é que será possível considerar tal circunstância
negativa, sob pena de odiável bis in iden. In casu,
temos que a consequência do delito não ultrapassou o resultado típico.
Neste diapasão, cabe trazer à baila mais uma vez os ensinamentos de Guilherme
Nucci[4]:
O mal causado pelo crime, que transcende o
resultado típico, é a consequência a ser considerada para a fixação da pena. É
lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de
alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um
indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando-lhe um
trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de
uma consequência não natural do delito. (negrito nosso)
No mesmo sentido, o jurista e professor de Direito
Penal da Universidade de São Paulo (USP), DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO[5] ensina que:
É defeso ao magistrado elevar a sanção, no trabalho
de motivação e aplicação da pena, em razão da virulência do ataque ou da
gravidade de lesão ao bem jurídico, tomando circunstâncias já consideradas no
tipo incriminador. Se assim o fizer, incidirá no bis in idem, repetindo para a
gravidade do crime a modalidade ou o grau de intensidade da ofensa, ambos já
considerados e avaliados pelo legislador ao fixar a quantidade da pena mínima.
Desta forma, consideramos que as três
circunstâncias judiciais supracitadas (antecedentes, conduta social e
consequências do crime) não deveriam ter sido consideradas negativas contra o
goleiro Bruno.
Assim, eliminando estas 3 (três) circunstâncias
judiciais, restariam apenas 5 circunstâncias negativas (já consideradas as
2 (duas) qualificadoras acima destacadas), devendo por isso, em homenagem
ao princípio constitucional da individualização da pena, a pena-base do goleiro
Bruno deveria ser fixada aproximadamente em 23 (vinte e três) anos e 2 (dois)
meses de reclusão.
Por seu turno, considerando que os efeitos da
atenuante deveriam ser neutralizados pelos da agravante ante seu mesmo valor
(1/6) e sua natureza subjetiva, bem como pela inexistência de causas especiais
de aumento ou diminuição da pena, a pena definitiva do goleiro Bruno só
com relação ao homicídio praticado contra Eliza Samúdio seria de
aproximadamente 23 (vinte e três) anos e 2 (dois) meses de reclusão, por ser a
reprimenda necessária e suficiente ao crime praticado (homicídio triplamente
qualificado), não apenas os 17 (dezessete) anos e 6 (seis) meses de reclusão
que lhe foram impostos na sentença condenatória.
NOTAS
[1]http://media.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/03/08/079_10_035_624_9_art_121_i_iii_e_iv_2reus_nc_bruno_e_dayanne.pdf
[2] Individualização da Pena. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.341.
[3] Sentença Penal Condenatória. 7ª
Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p. 239.
[4] Individualização da Pena. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.226.
[5] Dosimetria da pena: causas de aumento
e diminuição. 1ª ed. 2ª tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p.42.
Autor
Advogado; Graduado em Direito
pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pós-graduando em Ciências
Criminais pela Faculdade Maurício de Nassau (UNINASSAU).
FONTE: Jus Navigandi
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