Black Friday ou Black Fraude? Os direitos dos consumidores
Que
fomos catequizados e que adoramos copiar o que vem do estrangeiro é
fato conhecido. Passamos dezenas de anos fazendo isso e continuamos;
somos copiadores vorazes, inclusive de leis que não nos dizem respeito –
como é o caso exemplar do regime dotal do casamento, copiado da Europa e
introduzido no vetusto Código Civil de 1916. Estamos a todo vapor com o
halloween, que serve para empanturrar nossas crianças de açucares e gorduras. E, claro, chegamos à 4ª. edição do Black Friday.
Como se sabe, o
termo foi criado pelo varejo nos Estados Unidos para nomear a ação de
vendas anual, que acontece sempre na última sexta-feira de novembro após
o feriado de Ação de Graças. Por lá, todo ano, o volume de vendas é
muito alto, pois os descontos são realmente verdadeiros e os empresários
norte-americanos querem se livrar do estoque antigo e, no lugar,
colocar as novas mercadorias para as vendas do período natalino que se
inicia.
Mas, como não poderia deixar de ser, até agora nosso Brazilian Black Friday tem sido mais uma espécie de Brazilian Black Fraude.
Só no ano passado
foram dezenas de denúncias contra as enganações perpetradas por muitos
comerciantes, que usaram uma tática antiga: aumentar o preço na véspera
ou alguns dias antes e depois aplicar um desconto para chegar no mesmo
preço anterior (Aliás, prática essa que é adotada também nas liquidações
sazonais que por aqui se faz). Os abusos foram tamanhos que, neste ano,
os Procons estão em alerta e algumas empresas passaram a fazer anúncios
dizendo que elas juram que os descontos são para valer!
Aumentar preços
num dia e oferecer desconto no dia seguinte (ou seguintes) para chegar
no mesmo preço, falsificando, portanto, a existência de uma promoção ou
liquidação é publicidade enganosa, prevista no § 1º do artigo 37 do
Código de Defesa do Consumidor, e também caracteriza o crime de
publicidade enganosa prevista no art. 67 e o crime de informação falsa
ou enganosa tipificada no art. 66, ambos também do CDC.
De todo modo,
como a maior parte das vendas será feita via web, aponto a seguir, para
lembrar, as regras vigentes do CDC para as operações e também as do
decreto presidencial que regulamentou o comércio eletrônico
O comércio eletrônico
O decreto 7.962,
de 15 de março de 2013, baixado pela presidenta da República fixou uma
série de regras para o comércio eletrônico.
Direitos básicos que já estavam fixados no CDC
O art. 1º do Decreto deixa claro que são direitos dos consumidores na contratação de compras via Internet:
a) O fornecimento de informações claras a respeito do produto, do serviço e do fornecedor;b) O atendimento facilitado ao consumidor; ec) O respeito ao direito de arrependimento.
São determinações
desnecessárias, eis que tudo isso e muito mais está estabelecido no CDC
incontestavelmente. De todo modo, ajuda a fixar as determinações.
A oferta eletrônica
O art. 2º do
Decreto determina que os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos
utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem
disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as
seguintes informações:
a) O nome empresarial e o número de inscrição do fornecedor no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda (CNPJ);b) O endereço físico e eletrônico e demais informações necessárias para sua localização e contato;c) As características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores;d) A discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros;e) As condições integrais da oferta, incluídas as modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; ef) Informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.
Garantia de atendimento facilitado ao consumidor
O Decreto determina que, para garantir o atendimento facilitado ao consumidor, o fornecedor deverá:
a) apresentar um sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos.
Não nos
esqueçamos da regra do § 4º do art. 54 do CDC, que determina que as
cláusulas que implicarem limitação do direito do consumidor devem ser
redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão, e
que o art. 46 diz que os contratos que regulam as relações de consumo
não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de
tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos
instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu
sentido e alcance.
b) fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação;c) confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta;d) disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação;e) manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato;f) confirmar imediatamente o recebimento das demandas do consumidor pelomesmo meio empregado por ele;g) utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor.
Anoto que o
fornecedor tem cinco dias para encaminhar resposta ao consumidor sobre
as demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou
cancelamento do contrato
-
Desistência do negócio: prazo de 7 dias
O CDC estabeleceu o direito de desistência
a favor do consumidor. A intenção da lei é proteger o consumidor nesse
tipo de transação para evitar compras por impulso ou efetuadas sob forte
influência da publicidade ou do pessoal do telemarketing sem que
o produto esteja sendo visto de perto ou o serviço possa ser testado.
E, claro, no presente caso dessa suposta excelente promoção, pela
pressão que a mídia e a publicidade exercem.
Esse prazo garantido pela lei é de sete dias e chama-se prazo de reflexão.
Se nesses sete
dias o consumidor se arrepender da compra, pode desistir pura e
simplesmente. O arrependimento não precisa ser justificado. Não é
preciso dar qualquer satisfação do porquê da desistência. Basta
desistir.
A contagem do prazo dos sete dias inicia-se quando do recebimento do produto.
Existem
fornecedores que oferecem prazos maiores de arrependimento: dez, quinze e
até trinta dias. Nesses casos, o prazo de reflexão fica automaticamente
ampliado de sete para dez, quinze, trinta etc., conforme for a oferta.
E, visando dar
eficácia ao contido no art. 49, o decreto 7.962 referido trouxe para o
sistema uma série de outras determinações específicas. Numa delas (art.
5º “caput”), reforça que o fornecedor deve informar, de forma clara e
ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de
arrependimento pelo consumidor. E n'outra (§ 1º do mesmo art. 5º)
disciplina aquilo que já estava inserido como garantia no CDC: que o
consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma
ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios
disponibilizados.
Uma boa novidade
trazida pelo Decreto é a determinação de que o fornecedor envie ao
consumidor a confirmação do recebimento da desistência imediatamente
após a manifestação do arrependimento (§ 4º, art. 5º).
-
Forma de pagamento não interfere no prazo
A forma de
pagamento não tem nenhuma implicação com o direito de arrependimento.
Não importa como o pagamento do preço será feito:
à vista ou parcelado com cartão de crédito;a prazo através de boletos ou avisos bancários;através de cheque contra a entrega da mercadoria;no caixa do posto dos correios;após a prestação de serviço ou mensalmente, trimensalmente etc.
Em todos esses casos ou em qualquer outro, a desistência se operará da mesma maneira.
-
Devolução do que foi pago
Feita a
desistência, qualquer importância que eventualmente já tenha sido paga
(entrada, adiantamento, desconto do cheque, pagamento com cartão etc.)
deve ser devolvida em valores atualizados. Se, por exemplo, foi feita a
autorização para débitos parcelados no cartão de crédito e apenas o
primeiro (do ato da compra) tenha sido lançado, este tem que ser
devolvido em dinheiro ou lançado como crédito no cartão e os demais têm
que ser cancelados pela vendedora junto à administradora do cartão de
crédito.
Realço que sou
daqueles que sempre defendeu essa posição, que inclusive acabou sendo
adotada em decisões judiciais. E o Decreto 7.962 citado pôs uma pá de
cal numa eventual discussão que pudesse existir. Diz a norma que o
exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos
acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor (§ 2º do art. 5º).
E mais: que o
exercício desse direito deve ser comunicado imediatamente pelo
fornecedor à administradora do cartão de crédito, banco ou instituição
financeira, para que:
a) a transação não seja lançada na fatura ou conta do consumidor; oub) que seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura ou conta já tenha sido realizado (§ 3º e incisos I e II do mesmo art. 5º).
Consumismo
Só para terminar,
quando surgem essas mega promoções, gosto sempre de citar a história de
meu amigo Outrem Ego. Certo dia, sua esposa chegou em casa e anunciou
que fizera uma economia de R$ 1.000,00 em compras. Ela fora numa
liquidação com descontos de 50% nos preços e comprou produtos que antes
teriam custado R$ 2.000,00. Ao ver os produtos meu amigo disse: "Na verdade, você não economizou um mil reais; você gastou um mil reais! Nós não precisávamos de nada do que foi comprado".
É isso. Descontos são bons... Se precisamos do produto!
FONTE:MIGALHAS 3259
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