IPVA: abusos
Antonio Pessoa Cardoso
Apesar da
expressiva significação desse tributo, vez que atinge grande número de
brasileiros e de valor bastante elevado, segunda maior arrecadação dos
Estados, R$ 26.910 bilhões em 2012, não se tem emprestado maior atenção à
sua cobrança, motivando abusos por parte do agente arrecadador,
responsável pela prática de ilegalidades, como ocorre no campo
tributário de maneira geral.
A inadimplência
no pagamento do IPVA não pode implicar em apreensão do veículo e
impedimento para expedição de licenciamento, da mesma forma que a
inadimplência no caso do IPTU não conduz a apreensão do imóvel ou
obstáculo para deferimento do alvará de licença para construção.
Apesar disso, o CTB,
§ único, art. 271, estabelece que a restituição dos veículos removidos
somente acontecerá depois do pagamento das multas, taxas e despesas, em
colisão direta com a CF que veda a utilização do "tributo com efeito de confisco"; desrespeita o CTN
(LC 5.172/66), que não previu a existência nem a possibilidade de ser
instituído esse imposto. Com efeito, a Constituição atual, art. 146,
III, a) determina expressamente que cabe à lei complementar "estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre" "a
definição de tributos e de suas espécies, bem como em relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes;".
A ação abusiva do
Estado ainda viola princípios como a razoabilidade, fundamentalmente o
fato de conceder a executoriedade para a cobrança de eventual crédito
não inscrito na dívida ativa, providência indispensável para gozar de
validade prévia para a exigibilidade de seu pagamento, conforme prevê a
lei 6.830/80; desrespeita decisões do STF que assegura ser "vedado
ao poder público criar medidas alternativas de cobrança de crédito
tributário, que, diante da inadimplência do contribuinte, impeçam de
forma desarrazoada e desproporcional o exercício de sua atividade
profissional lícita…".
Esse
posicionamento dos agentes estatais de submeter o contribuinte ao
constrangimento de apreensão do carro e liberação somente depois de pago
o valor do IPVA, além de outros abusos é manifesta aplicação da justiça
com as próprias mãos, prática corrente na Idade Média.
A situação
torna-se mais grave quando se sabe que alguns Estados chegam a inscrever
o inadimplente no CADIN por dívidas, às vezes, prescritas ou
inexistentes, a exemplo da cobrança do imposto sobre carro roubado. E o
contribuinte, para evitar maiores dificuldades de contratação de
advogado, morosidade da Justiça, prefere pagar, mesmo sabendo da
arbitrariedade cometida.
A existência de
dívida perante os órgãos públicos deve implicar no ajuizamento da ação
cabível, através das procuradorias e departamentos jurídicos, mas nunca
na apreensão arbitrária, na inscrição indevida em órgão de maus
pagadores ou no impedimento da atividade do contribuinte.
O Estado,
entretanto, através da arbitrariedade administrativa de seus governantes
e sem que haja reação do contribuinte, que já se acostumou com tais
abusos, autua, guincha, apreende, leiloa o veículo para apossar do valor
da dívida.
Outra
ilegalidade, que já se tornou comum, é o arbitramento aleatório do valor
do veículo, obedecendo a tabela nacional que não representa a realidade
do município e muito menos observa as peculiaridades de cada carro, a
exemplo da depreciação, da desvalorização em virtude de batida para
fixar o valor para efeito de cálculo; essa avaliação pode ser
contestada, se o valor atribuído ao carro não condiz com o mercado, mas o
cidadão também opta por pagar, porque sabe das dificuldades que terá no
ajuizamento de ação judicial contra o Estado.
Outro
questionamento reside na incidência do imposto somente sobre carros e
motos, sem alcançar o bolso de todo cidadão que possui um veículo
automotor, como é o caso da aeronave, do helicóptero, das lanchas e dos
iates.
Sabe-se que o
Brasil conta com a terceira maior frota de aviação do mundo, mas seus
proprietários são beneficiados, porque não pagam IPVA. RJ, SP, AM e
outros Estados obrigaram, através de leis, aos proprietários de
aeronaves e embarcações, que, induvidosamente, são veículos automotores,
a pagarem o IPVA, todavia, o STF entendeu ser inconstitucional as leis
estaduais, sob o argumento de que esse imposto só é possível para quem
possui veículos automotores terrestres, vinculando o imposto com a Taxa
Rodoviária Única. Os doutrinadores entendem que houve confusão entre
veículos terrestres e veículos automotores. Assim, até que haja
definição sobre a PEC dos jatinhos o IPVA incide somente sobre carros e
motos.
A PEC é de autoria do
Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, que muito
apropriadamente e depois do pronunciamento do STF, tornou-se necessária
para reparar a injusta isenção dos proprietários de aeronaves e
embarcações. O Dieese - Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos estima a arrecadação de R$ 2,5 bilhões ao ano,
caso seja aprovada referida EC.
_____________
*Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário