Contratos do Mais Médicos desrespeitam as leis trabalhistas e podem ser anulados, dizem juristas
FONTE: JUSBRASIL
16
O
contrato assinado pelos médicos cubanos para a prestação de serviço no
Brasil como parte do programa Mais Médicos pode ser anulado pela Justiça
por estar em desacordo com a legislação trabalhista brasileira. Essa é a
avaliação unânime de quatro dos maiores especialistas em Direito do
Trabalho do Brasil ouvidos pelo Estado.
Eles afirmam ainda que,
por mais que o contrato tenha sido firmado no exterior, ele pode, sim,
ser questionado na Justiça brasileira porque a legislação que prevalece é
a do local onde o trabalho é realizado.
"Uma vez que devemos aplicar a lei brasileira, o artigo 9.º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)
diz que qualquer meio jurídico que tente burlar a legislação será
considerado nulo.
No caso do contrato com os médicos cubanos, o que
quiseram foi contornar a exigência legal e estabelecer regras próprias, o
que não é permitido", diz Antonio Rodrigues de Freitas Júnior,
professor do Departamento de Direito do Trabalho da USP.
O Estado
teve acesso a uma cópia do contrato firmado por uma profissional cubana
e pediu que os especialistas avaliassem o documento. O acordo é firmado
entre o médico e uma empresa "comercializadora de serviços médicos
cubanos".
"A forma escolhida para a contratação é uma maneira de
impedir a aplicação das leis trabalhistas, por isso pode ser anulado",
explica Estêvão Mallet, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil -
seção São Paulo (OAB-SP) e também professor de Direito da USP. Ele
afirma ainda que o artigo 651 da CLT
deixa claro que, por mais que o trabalhador tenha sido contratado no
exterior ou em lugar diferente do local de trabalho, a Justiça a ser
requisitada no caso de descumprimento da legislação é a da localidade
onde o empregado atua.
Os especialistas afirmam que, apesar de os
médicos serem funcionários de Cuba, as cláusulas do contrato deixam
claro que é o governo brasileiro o tomador do serviço e, portanto, quem
deve responder pelas obrigações trabalhistas.
Mesmo que o serviço
fosse apresentado como uma terceirização, ela possivelmente seria
classificada como ilícita pela Justiça, afirma Amauri Mascaro
Nascimento, professor emérito da Faculdade de Direito da USP. "Se quem
controla e coordena o trabalho é o SUS (Sistema Único de Saúde), o
vínculo de emprego do médico se dá com o governo brasileiro. Portanto, é
uma terceirização ilegal", defende.
Professor de Direito da
PUC-SP e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o advogado Paulo Sérgio João
concorda. "Trata-se de venda de mão de obra, o que é repudiado pela
legislação e inadmissível a figura do"merchandage"(intermediador de
contratação de mão de obra). O contrato com o Estado pode ser
considerado nulo, indenizando-se o médico quanto aos direitos
decorrentes", afirma.
Nesse caso, os médicos poderiam requerer na Justiça todos os direitos previstos na CLT
e a equiparação salarial com os demais profissionais do programa Mais
Médicos. Enquanto os cubanos recebem o equivalente a US$ 1 mil (R$ 2,4
mil), os outros participantes ganham uma bolsa de R$ 10 mil.
Para os especialistas, algumas cláusulas do contrato ferem ainda a Constituição.
Entre as regras questionadas estão a obrigatoriedade de comunicar à
autoridade cubana no Brasil a intenção de receber visitas e restrições
impostas aos cubanos nos casos de casamento com pessoas de outras
nacionalidades. "O artigo 5.º prevê o princípio da igualdade, incluindo
para estrangeiros. O cubano pode questionar isso na Justiça", afirma
Freitas Júnior.
Fabiana Cambricoli
O Estado de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário