Jubileu de Prata
Ministro Celso de Mello completa 25 anos de atuação no Supremo
O
recordista de tempo é o ministro José Paulo Figueirôa Nabuco de Araújo
(31 anos e 3 meses), ainda no Império. Já na República, estão Hermínio
do Espírito Santo (29 anos e 11 meses ), seguido por André Cavalcanti
(29 anos e 8 meses), que morreram no exercício do cargo. Completa a
lista José Carlos Moreira Alves, que pontificou no STF por 27 anos e 10
meses (de 1975 a 2003).
Paulista de Tatuí, Celso de Mello é uma
das raras unanimidades entre os que lá estão ou por que lá passaram. Seu
excepcional conhecimento jurídico e o profundo embasamento técnico de
seus votos são dois dos predicados mais citados como marca de sua
judicatura. Essa característica o tornou referência pedagógica para
magistrados e advogados, que chegam a usar seus parâmetros como se
fossem súmulas.
Formado em Direito pela Universidade de São Paulo,
Celso de Mello ingressou no Ministério Público em 1970 e atuou em
Santos, Osasco, São José dos Campos, Cândido Mota, Palmital, Garça e São
Paulo. Como a instituição era muito atrelada ao executivo, sofreu
resistência por, durante o governo militar, abrir sindicâncias para
investigar abusos policiais. Mesmo assim, foi indicado três vezes pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo para ocupar a vaga do Quinto destinada
ao MP. Dentro da carreira, porém, chegou a procurador pouco antes de
ocupar a cadeira de Rafael Mayer no STF.
Nomeado pelo presidente
José Sarney dez meses depois da promulgação da Constituição Federal de
1988, o ministro foi um dos artífices da guinada na jurisprudência do
Supremo, que por muito tempo se deixou governar pelas Cartas anteriores.
Tão jovem ministro quanto a nova Carta, Celso de Mello estabeleceu
marcos importantes a respeito de garantias e direitos fundamentais.
Entre 1997 e 1999, com 51 anos, foi o mais jovem ministro a presidir o
STF desde sua fundação.
Garantista, o ministro também se
notabilizou pelo apreço ao direito de defesa. Entre os exemplos está o
voto que determinou a suspensão de processo em que não se havia
permitido que os advogados fizessem perguntas ao outro réu do processo
durante interrogatório. O caso envolvia o investidor russo Boris
Berezovsky e o juiz Fausto de Sanctis, que foi repreendido.
Uma outra bronca foi endereçada recentemente ao juiz federal Sérgio Moro. O Supremo julgava
um Habeas Corpus de um réu que teve a pena executada por ele
após julgar prejudicado um recurso extraordinário por ausência de
repercussão geral. Para Celso de Mello a decisão era “destituída de
qualquer ortodoxia processual”. “O magistrado federal de primeira
instância procedeu a uma conduta de usurpação de competência deste
Supremo Tribunal Federal”, disse em seu voto.
Nesse quarto de
século de atuação no STF, Celso de Mello ainda instituiu que comissões
parlamentares de inquérito devem seguir o devido processo legal
e que as minorias podem instalar CPIs, mesmo contra a vontade da
maioria governista. O ministro também não se preocupou em frustrar quem
tentava impedir as candidaturas de políticos pelo simples fato de
responderem a processo judicial.
Na julgamento, em 2008, ele lembrou
que a Lei Complementar 5, de 1970, aprovada no governo Médici, proibia
que qualquer pessoa concorressem a cargos eletivos pelo simples fato de
ter contra si denuncia recebida pela Justiça. Ao demonstrar que a
medida poderia ressuscitar um instrumento de perseguição política, Celso
de Mello inspirou a Lei de Ficha Limpa a prever, ao menos, que exista
uma condenação transitada em julgado ou por órgão colegiado.
O
mais recente exemplo da resistência de Celso de Mello aos clamores
populares está prestes a completar um ano. O Supremo discutia a admissão
de Embargos Infringentes na Ação Penal 470, o processo do mensalão, e
por um capricho regimental coube ao decano desempatar a questão.
Não foi insignificante a pressão da mídia
e da opinião pública para que Celso de Mello votasse contra a admissão
dos recursos. O ministro não se intimidou e admitiu os embargos. Com a
decisão, 12 réus garantiram o direito de ter parte de suas condenações
revista pela corte. Com uma nova composição, o Plenário acabou por
decidir, em fevereiro, que os réus não formaram quadrilha.
Em seu voto pela admissão
dos infringentes, Celso de Mello disse que juízes “não se podem deixar
contaminar por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião
pública que objetivem condicionar a manifestação de juízes e tribunais.
Estar-se-ia a negar a acusados o direito fundamental a um julgamento
justo. Constituiria manifesta ofensa ao que proclama a Constituição e ao
que garantem os tratados internacionais".
Se naquela ocasião o
voto de Celso de Mello surpreendeu quem se limitava a nutrir a
expectativa de um desfecho diferente, observadores mais atentos do
Judiciário já sabiam o que esperar. O próprio ministro já havia dito que
os Embargos Infringentes eram previstos pelo Regimento Interno do STF e
não foram, portanto, suprimidos pela Lei 8.038/1990 — invocada pelo
relator Joaquim Barbosa para fundamentar a rejeição aos recursos.

Não
foi a primeira vez que o ministro manteve-se fiel a seus
posicionamentos. Em voto que levou duas horas para ser lido, em 2007,
Celso de Mello conduziu seus pares a decidir que os votos recebidos nas
eleições proporcionais pertencem ao partido, não ao candidato. Na
ocasião, o ministro afirmou que a infidelidade partidária deforma o resultado das urnas. Dezoito anos, pouco depois de ingressar na Corte, ele foi voto vencido em julgamento semelhante.
Relator
da ação que garantiu a organização da Marcha da Maconha, em 2011, o
ministro argumentou que mais do que o uso e consumo de substâncias
proibidas, naquela ocasião estava em jogo a reafirmação de dois direitos
fundamentais: a livre expressão do pensamento e o direito de reunião.
Em seu voto, ressaltou o papel contramajoritário
do Supremo, a quem cabe assegurar que as minorias possam defender suas
ideias posições, mesmo que elas sejam inaceitáveis para a maioria.
No histórico julgamento de 2008 que liberou, de forma unânime, as pesquisas com células-tronco embrionárias,
Celso de Mello recorreu à história para reafirmar a necessidade da
separação entre Estado e Igreja. Queria uma liberação irrestrita e
protagonizou acalorado debate com o ministro Cezar Peluso, que tinha
ressalvas.
Em 2009, o Tribunal Penal Internacional (TPI)
encaminhou pela primeira vez ao governo brasileiro um pedido de prisão
de um chefe de estado: Omar al Bashir, presidente do Sudão. No exercício
da presidência do Supremo, Celso de Mello elaborou um despacho
de 19 páginas pedindo manifestação da Procuradoria Geral da República.
Não sem abordar aspectos ainda não considerados sobre a incorporação ao
ordenamento jurídico brasileiro dos termos do Estatuto de Roma, que
criou o TPI.
Intelectual aplicado, Celso de Mello é a antítese do
invencionismo que, ao sabor das circunstâncias, propõe ideias
mirabolantes a bem de “inovar” o Direito. Sua produção no Supremo é um
desafio a quem queira buscar contradições. De seus bem fundamentados
votos como relator, foram raríssimos os casos de divergências que
permanecerem de pé.
Se a Constituição de 1988 movimentou o
Judiciário com uma explosão de direitos a ponto de inspirar intervenções
capazes de renegá-la, é com mesma Carta que o ministro Celso de Mello
posiciona-se como um de seus mais sólidos intérpretes.
FONTE: CONJUR
FONTE: CONJUR
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