FEMINICÍDIO E
NEOCOLPOVULVOPLASTIA.
As implicações legais do conceito de mulher para os
fins penais
Publicado em 03/2015. Elaborado em 03/2015.
Deve-se identificar a mulher em sua
concepção genética ou cromossômica, e não pelo aspecto psicológico ou pelo nome
civil.
Problematização I: Tício fez um procedimento cirúrgico denominado
neocolpovulvoplastia alterando genitália masculina para feminina, ato contínuo,
Tício, através de uma ação judicial, muda seu nome para Tícia e,
consequentemente, todos seus documentos são alterados. Posteriormente, em uma
discussão motivada pela opção sexual de Tícia, Seprônio disparou 05 tiros,
assassinando-a.
Pergunta-se: Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora do inciso VI (Se
o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de gênero)?
Problematização II: Tícia, entendendo que psicologicamente é do sexo masculino,
interpõe ação judicial e, muda seu nome para Tício, consequentemente, todos
seus documentos são alterados. Posteriormente, em uma discussão motivada pela
opção sexual de Tício, Seprônio disparou 05 tiros, assassinando-o.
Pergunta-se: Considerando que a vítima é biologicamente mulher, mas foi registrada
como Tício, Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora do
inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de
gênero)?
Problematização III: Tício, tem dois órgãos genitais, um feminino e outro masculino. O
órgão genital biologicamente prevalente é o masculino. Certo dia, em uma
discussão motivada pela condição sexual de Tício, Seprônio disparou 05 tiros,
assassinando-o.
Pergunta-se: Considerando que a vítima também tem um órgão genital feminino, Seprônio
será denunciado por homicídio com a qualificadora do inciso VI (Se o homicídio
é cometido: VI – contra a mulher por razões de gênero)?
1.A NEOCOLPOVULVOPLASTIA E O FEMINICÍDIO
A cirurgia de redesignação
sexual ou de transgenitalização consiste nos procedimentos cirúrgicos
denominados neocolpovulvoplastia e neofaloplastia. Ela permite a mudança do
aparelho sexual importando apenas em alterações estéticas e não genéticas. A
neocolpovulvoplastia é a mudança da genitália masculina para feminina;
consiste, basicamente, em duas etapas: na primeira, o pênis é amputado e são retirados
os testículos do paciente e, em seguida, faz-se uma cavidade vaginal; a segunda
etapa é marcada pela constituição plástica: com a pele do saco escrotal são
formados os lábios vaginais. A operação inversa, ou seja, a transformação do
aparelho masculino para feminino se denomina neofaloplastia, mas ela está
autorizada pela mencionada Resolução, ainda a título experimental, tendo em
vista as dificuldades técnicas ainda presentes para a obtenção de bom resultado
tanto no aspecto estético e funcional destas. [1]
2.O CONCEITO JURÍDICO DE MULHER PARA CARACTERIZAÇÃO DO FEMINICÍDIO
Tema muito novo, mas já
antecipo que haverá 03 (três) posições, pois a doutrina vai elaborar 03 (três)
critérios para identificar a mulher com escopo de aplicar a qualificadora do
feminicídio.
1º posição: o critério psicológico.
Haverá defesa no sentido de
identificar como mulher toda aquela em que o psíquico ou o aspecto
comportamental é feminino.
Adotando-se esse critério,
matar alguém que fez o procedimento de neocolpovulvoplastia ou que
psicologicamente acredita ser uma mulher enseja aplicação da qualificadora do
feminicídio.
2º posição: o critério jurídico cível.
O amigo Rogério Greco[2], comentando o crime de estupro,
defende que deve ser considerado o sexo que consta no registro civil, in
verbis:
Entendemos que, nesse caso,
se a modificação se der tão-somente no documento de identidade, com a simples
retificação do nome, aquela pessoa ainda deverá ser considerada pertencente ao
gênero masculino, não sendo, pois, passível de ser considerada vítima do delito
de estupro. No entanto, se
houver determinação judicial para a modificação do registro de nascimento,
alterando-se o sexo do peticionário, teremos um novo conceito de mulher, que
deixará de ser natural, orgânico, passando, agora, a um conceito de natureza
jurídica, determinado pelos julgadores.
3º posição: o critério biológico.
Entendo que deve ser sempre
considerado o critério biológico, ou seja, identifica-se a mulher em sua
concepção genética ou cromossômica. Neste caso, como a neocolpovulvoplastia
altera a estética, mas não a concepção genética, não será possível a aplicação
da qualificadora do feminicídio.
O critério biológico identifica homem ou
mulher pelo sexo morfológico, sexo genético e sexo endócrino: a) sexomorfológico ou somático
resulta da soma das características genitais (órgão genitais externos, pênis e
vagina, e órgãos genitais internos, testículos e ovários) e extragenitais
somáticas (caracteres secundários – desenvolvimento de mamas, dos pêlos
pubianos, timbre de voz, etc.); b) sexo
genético ou cromossômico é responsável pela determinação do sexo do
indivíduo através dos genes ou pares de cromossomos sexuais (XY – masculino e
XX - feminino) e; c) sexo
endócrino é identificado nas glândulas sexuais, testículos e
ovários, que produzem hormônios sexuais (testosterona e progesterona)
responsáveis em conceder à pessoa atributos masculino ou feminino. [3]
O grande problema de usarmos
o critério psicológico para
conceituar “mulher” é que o mesmo é formado pela convicção íntima da pessoa que
entende pertencer ao sexo feminino, critério que pode ser, diante do caso
concreto subjetivo, algo que não é compatível com o direito penal moderno.
O critério jurídico cível,
data venia, também não pode ser aplicado, pois as instâncias cível e penal são
independentes, assim a mudança jurídica no cível representaria algo que seria
usado em prejuízo do réu, afrontando o princípio da proibição da analogia in
malam partem, o corolário da legalidade proíbe a adequação típica “por
semelhança” entre fatos.
Ademais, o legislador, mesmo
sabendo que existem outros gêneros sexuais, não incluiu os transexuais,
homossexuais e travestis, sendo peremptório ao afirmar:
Considera-se que a há razões
de gênero quando o crime envolve: “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.
3. HERMAFRODITAS E O FEMINICÍDIO:
Também chamadas de
intersexuais ou sexo dúbio, são pessoas que possuem órgãos sexuais dos dois
sexos. Usando o critério biológico, entendemos que a qualificadora do
feminicídio só pode ser aplicado se o órgão feminino for prevalente.
AD CONCLUSIO
Vítima homossexual ou o travesti: não haverá feminicídio,
considerando que o sexo biológico continua sendo masculino.
Vítima lésbica: haverá feminicídio, considerando que o sexo biológico sendo
feminino.
Vítima transexual que realizou o procedimento de neocolpovulvoplastia: não haverá feminicídio, considerando que sob
os aspectos morfológico, genético e endócrino continua sendo do sexo masculino.
Vítima hermafrodita: pode haver feminicídio, dependendo da
análise do sexo biológico prevalente.
Autor
Promotor de Justiça Criminal,
Promotor de Justiça Eleitoral, Mestre em Direito (Ordem Jurídica
Constitucional), Especialista em Direito Penal e processo penal, ex-professor
universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de
pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação
em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos
preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as
disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação
Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF,
Membros efetivo do GNMP (Grupo Nacional do Ministério Público). Colunista da
Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Palestrante em diversos
congressos no Brasil. Autor de diversos artigos em revistas especializadas.
Professor do curso on line “eu vou passar” (www.euvoupassar.com.br). Colunista
do Blog Concurseiro Guerreiro. Colunista do Blog AD (Atualidades do Direito),
coordenação: Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini. Colunista da Revista
Eletrônica Jus Navigandi.
Fonte: Jus Navigandi.
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