Justiça autoriza advogada a ter ‘morte digna’
Decisão de 2013 faz com que mulher não seja obrigada a passar por tratamento desnecessário, caso desenvolva uma doença irreversível
Em
decisão inédita, a Justiça brasileira autorizou uma advogada a ter
“morte digna”, o que, nesse caso, significa não ter de passar por
tratamento desnecessário caso desenvolva, no futuro, doença irreversível
que comprometa a capacidade física e a consciência.
É a ortotanásia, quando se permite que a
morte ocorra de forma natural, nos casos em que nada mais pode ser
feito para salvar o paciente. Nesse caso, recusa-se, por exemplo,
aparelhos que mantenham a pessoa viva de maneira artificial.
A ação judicial foi movida pela advogada
Rosana Chiavassa, de 54 anos, e avaliada pelo juiz Alexandre Coelho, na
época titular da 2.ª Vara Cível do Fórum João Mendes, em São Paulo. A
sentença foi dada em junho de 2013, mas somente agora a advogada quis
divulgar o caso.
A manifestação da vontade prévia de não
prolongar a vida em casos irreversíveis já é feita em testamentos
vitais, documento registrado em cartório em que se pode deixar claro por
quais tipos de procedimentos o paciente aceita passar. É a primeira vez
que tal desejo prévio tem chancela da Justiça.
Em entrevista exclusiva ao Estado,
Rosana explica que preferiu fazer o trâmite em juízo para ter maior
garantia de que sua vontade seja cumprida. “O testamento vital pode ser
questionado pela família. Podem alegar que a pessoa tenha registrado o
documento já em um momento de insanidade ou em um surto de desespero
pela descoberta de uma doença, por exemplo. Quis entrar na Justiça para
provar que estou completamente saudável e tenho consciência da minha
decisão.”
O juiz que cuidou do caso afirma que
acolheu o pedido da advogada levando em consideração a preocupação de
Rosana de que a vontade apenas expressa no testamento vital poderia ser
desconsiderada. “Há uma dificuldade de se agir racionalmente com relação
a parentes que se encontram em estados terminais. As pessoas, por medo,
amor ou ignorância, acabam não tomando decisões que seriam razoáveis e
desrespeitando a vontade do paciente. Um testamento vital, embora
previsto em resolução do Conselho Federal de Medicina, não tem previsão
na lei brasileira. Feito o testamento vital, com quem ele ficaria? Na
mão da pessoa mais próxima, a mesma que neste momento da morte estará
insegura. A Rosana queria dar à sua manifestação de vontade uma força
maior, uma chancela judicial para que ninguém pudesse questionar.”
Na decisão, o juiz esclarece que o
pedido, acatado pela Justiça, afasta qualquer ideia de eutanásia,
proibida no Brasil, uma vez que “não se pretende a morte, obtida
mediante intervenção humana, mas sim a vida, com toda a sua dignidade,
evitando-se apenas a positivação de procedimentos médico-hospitalares
que sabidamente nenhum resultado obterão quanto à recuperação da saúde e
reversão do quadro mórbido”.
Razões. Advogada especializada em
direito à saúde, Rosana afirma que decidiu ingressar com ação para
garantir o direito à ortotanásia após anos de trabalho lidando em seu
escritório com casos de doenças incuráveis. “Atendo muitas famílias com
um parente em processo neurológico irreversível, acamado, em estado
vegetativo, que ainda precisam entrar na Justiça contra planos de saúde
para conseguir um home care, que enfrentam problemas de assistência
médico-hospitalar. A vivência com a realidade dos meus clientes, seja
ela emocional, financeira, pessoal, me fez imaginar como seria se eu
estivesse naquela situação. Ninguém quer ser um ônus para os seus
familiares”, diz ela, mãe de três filhos, de 24, 25 e 26 anos, que já
foram comunicados sobre a decisão da mãe.
Para garantir que sua vontade seja
respeitada, a advogada elencou na ação seis médicos que a acompanham e
deverão ser consultados para que se determine se o quadro é irreversível
e quais procedimentos podem ser dispensados.
Rosana diz que, embora não possa ter
absoluta certeza de que, caso desenvolva uma doença irreversível, sua
vontade seja respeitada, ela fez a sua parte. “Às vezes a família
escolhe manter essa situação, mas acho um egoísmo atroz não se pensar a
respeito. O debate tem de acontecer na sociedade.”
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