Transportadoras indenizará familiares de avô e neta atropelados, mas não pagarão pensão alimentícia.
Devido às mudanças sociais e econômicas da realidade brasileira, não cabe pensionamento aos pais de filho menor morto
Processo: 019/1.13.0005582-8
Natureza: Indenizatória
Autor: F. L. da S., V. L. L. da S. e G. M. da S.
Réu: R. T. R. Ltda, F. T. Ltda e M. S. S.A.
Juiz Prolator: Juiz de Direito - Dr. Ramiro Oliveira Cardoso
Data: 09/12/2014
Vistos.
Trata-se de ação indenizatória ajuizada
por F. L. da S., V. L. L. da S. e G. M. da S. em face de R. T. R. Ltda. e
F. T. Ltda, tendo como denunciada à lide a companhia securitária M. S.
S.A., todos devidamente qualificados.
Trata-se de duas mortes ocorridas em
29/05/2012, neste município de Novo Hamburgo, consequente à colisão do
veículo caminhão Mercedes Benz/1418, placa IGJ 8479, de propriedade da
empresa F. T. Ltda (2ª ré), que estava no pátio da empresa R. T. R.
Ltda. (1ª ré), quando em carregamento. Ocorre que finalizada a operação e
durante a espera de liberação das notas fiscais, o indigitado caminhão,
por causa desconhecida, deu início à movimentação, saindo das docas em
direção ao muro que divisa a empresa do passeio público, neste batendo,
vindo a ruí-lo (o muro) sobre as pessoas de L. P. da S., A. V. L. F. e
G. M. da S., que caminhavam sobre a calçada, paralelamente à edificação.
Faleceram L.e A. (69 e 08 anos, respectivamente), tendo G. (07 anos),
nos dizeres da inicial, “traumatismo cranioencefálico com fratura do
osso temporal”. Ajuízam, agora, a presente demanda indenizatória: F. L.
da S., mãe de A., postulando danos materiais por seu falecimento
(pensionamento e pedido restitutório), além de danos morais; V. L. L. da
S., viúva de L., pensionamento e dano moral; e, finalmente, G. M. da
S., representado por sua genitora, A. P. da S. M., postulando danos
materiais pelas despesas com as lesões sofridas, além do dano moral pelo
danos morais em decorrência de ter presenciado o incidente, além da
privação da companhia do avô (L.). Requerem a procedência, com os
consectários legais (fls. 02/23).
Deferida a liminar de indisponibilidade
dos veículos das rés, restou fixado pensionamento na ordem de 01 (um)
salário mínimo a título de tutela antecipada (fls. 165/167v), assim como
concedida a gratuidade judiciária aos autores, sendo cumprida
parcialmente as restrições deferidas (fls. 181).
Aditada a inicial (fls. 172/177), restou
recebida a emenda, mantendo-se, contudo, os exatos termos da decisão
inaugural proferida (fls. 180).
Citadas as corrés (fls. 203 e 205), houve apresentação de respostas (fls. 206/226 e 277/293).
A R. rebate a inicial, aduzindo a
ilegitimidade passiva, vez que o acidente deu-se com veículo da empresa
F., terceirizada, não havendo de se falar em responsabilidade da empresa
contratante. Contesta os pedidos de pensionamento, em especial a
circunstância da menor falecida não exercer trabalho remunerado,
devendo, eventualmente, ser afastado o período que vai de sua tenra
idade (08 anos) até a idade mínima ao exercício de atividade remunerada
(14 ou 16 anos). Deve-se respeitar as deduções com as despesas
pessoais, bem como a circunstância da filha, quando da vida adulta,
constituir nova família. Em relação ao pensionamento postulado pela
viúva, diz que já beneficiária de aposentadoria por morte, bem como
incomprovado os ganhos extras, vez que trazidos por declarações de
familiares, além de ser improvável a atividade remuneratória do falecido
L., em face de sua idade avançada. Diz que não foram provadas as
extensões das lesões de G. (em sua gravidade), muito menos as
indigitadas despesas, postas de forma genéria à incoativa. Aventa para o
seguro obrigatório, do que devem ser abatidas as rubricas indenitárias.
Tece comentários sobre o dano moral.
Denuncia à lide a empresa M. S.. Requer a improcedência (fls. 206/226).
A F., por seu turno, narra a
terceirização ocorrida, devendo o evento morte ser atribuído ao caso
fortuito ou à força maior, haja vista as condições adequadas do veículo
envolvido no sinistro, conforme atestaram os peritos do Estado. Quantos
aos danos, apresenta defesa na mesma linha da R., chamando atenção deste
juízo à realidade sócio-brasileira atual quanto à constituição das
rendas familiares. Requer a improcedência (fls. 277/293).
Deferida a denunciação à lide (fls. 359/359v), bem como juntado o acórdão confirmatório da decisão inaugural (fls. 370/374).
Citada (fls. 366), a companhia M. S. apresenta resposta, arguindo a
inexistência de cobertura para a unidade de Novo Hamburgo, bem como a
espécie de sinistro ocorrida. Não aceita a denunciação. No mérito, adere
as teses de fato e de direito trazidas pela denunciante (fls. 378/398).
A denunciante manifesta-se sobre a contestação da denunciada, fazendo alusão ao endosso de fls. 237.
Vieram os autos conclusos, sendo determinada a movimentação “conclusos para sentença”
É O RELATO.
PASSO A DECIDIR.
Do julgamento antecipado da lide.
De prova, a ser produzida em audiência
e/ou através de perícia médica, apenas a atividade laboral de L.(que foi
impugnada pelas contestantes), bem como a extensão das lesões sofridas
por G. e seus respectivos gastos à recuperação total (também
contestadas).
Assim, tais danos, que se convertem em
pecúnia, recomendam, necessariamente, liquidação de sentença (quantum
debeatur), daí porque mostra-se mais producente o julgamento imediato da
causa, pois maduro o feito, onde será fixada responsabilidade, ou não,
das corrés e denunciada, antes de ingressar na fase de liquidação.
Ganha-se tempo, adiantando-se a
prestação jurisdicional naquilo que é dotado de liquidez, sem ter as
partes que amargar com penosa e longa instrução, transferido para a
liquidação a apuração das indigitadas perdas.
Do acidente e das responsabilidades.
O fato de não ter a perícia apontado
falhas ou defeitos mecânicos no veículo envolvido no incidente (fls.
149/150), em documentos trazidos à inicial pelos próprios autores e de
que todas as partes dele tiveram a oportunidade de se manifestar, não é
conclusivo, em absoluto, de força maior ou caso fortuito.
Pelo contrário, a dinâmica do ocorrido
deu-se de forma clara e escorreita, e, se houvesse fortuito, seria o
interno, não elisivo da responsabilidade civil.
Com efeito, após o carregamento do
Caminhão Mercedez, enquanto o proprietário e um ajudante aguardavam
liberação das notas fiscais, o veículo iniciou movimento em declive (da
doca para o muro), vindo a colidir contra este, que ruiu sobre as
vítimas que se encontravam do lado oposto (calçada), como bem informam
os depoimentos, verbi gratia, de F. S.[1] e L. C. S. S.[2], recolhidos
do inquérito policial e não impugnados em sede de respostas:
“Na tarde de hoje, por volta das
17h30min, ou pouco antes, estava na companhia de L. H. S., na
transportadora R. Ltda., local do fato. Após realizarem o carregamento
do veículo, com embalagens de papelão, caixas e máquinas, totalizando
aproximados 3 a 5 mil quilogramas. Observa que realizavam carregamento
por dentro do prédio da empresa na plataforma respectiva, estando o
veículo estacionado na doca. O declarante estacionou o veículo de ré,
tendo puxado o freio de mão e engatado a primeira marcha do veículo,
como de costume. Perguntado, afirmou que era a primeira marcha e não a
marcha ré que teria engatado. Quando o veículo iniciou o deslocamento,
disse que já estava terminado o carregamento, estando o declarante e o
indivíduo L. H. S. próximo de outro veículo caminhão, cor vermelha,
Mercedez, também da empresa. O declarante é proprietário do veículo
envolvido no acidente e do outro caminhão já referido, prestando
serviços para a empresa R.. Viu quando o veículo iniciou o movimento,
porém, como estava longe, não conseguiu alcançá-lo para tentar
imobilizá-lo. O veículo colidiu contra o muro da empresa, momento em que
o declarante conseguiu chegar próximo ao mesmo, tendo então percebido a
fatalidade ocorrida.
Ao chegar próximo do veículo, viu que havia uma
criança chorando, um menino, estando o mesmo debaixo do caminhão, entre o
eixo dianteiro e o eixo traseiro, aparentando estar muito machucado,
ensanguentado, tendo o declarante realizado o socorro do mesmo, junto de
L. H. S. e de mais uma testemunha não conhecida. Havia uma pessoa
embaixo do caminhão, próximo ao eixo dianteiro, co um muro em cima do
corpo, já imóvel e torcido. Havia mais uma criança, que o interrogado só
conseguiu ver quando se dirigiu ao lado do motorista do caminhão. Essa
terceira pessoa não se mexia, aparentando estar morta. Disse que em cima
do corpo dessa vítima também havia um grande bloco do muro. Nega que
alguém tenha entrado dentro do caminhão, mas a porta do motorista estava
aberta. Não lembra se L. H. S. teria entrado dentro do veículo. Disse
que começou a gritar por socorro, tendo vários vizinhos vindo ao local
prestar socorro e acredita que os mesmos chamaram socorro. Com a chegada
da BM deslocaram-se todos para esta delegacia. Realizava a manutenção
do veículo, geralmente de mês a mês, declarando que os freios do mesmo
estavam em bom estado, tal qual a transmissão também estava em perfeitas
condições, aduzindo que iria sair de viagem essa noite, tão logo
estivesse pronto o manifesto de notas e entregadas as notas fiscais dos
objetos a serem transportados. Os indivíduos L. C. S. dos S., gerente da
empresa R., estava no interior da empresa, manifestando as notas, por
isso não viu o acidente. […] Não sabe se ocorreu qualquer fato
semelhante no local, pois era o terceiro dia que realizava transporte
para tal empresa. Nunca se envolveu em ocorrência semelhante. Não
ingeriu bebida alcoólica, nem qualquer medicamento, pois estava em vias
de viajar, transportando a carga para Passo Fundo-RS...”
“Informa ser gestor da filial de Novo Hamburgo-RS, Empresa de Transporte
R. Transportes Rodoviários com sede em Agudo- São Paulo, empresa
responsável pelo transporte da carga que encontrava-se carregada no
caminhão placas IGJ 8479; Observa que como empresa responsável pelo
transporte de carga, ressalta-se responsável somente pela carga,
terceirizou da referida carga para a empresa F. Transportes Ltda, de
propriedade de F. S.; Na ocasião da ocorrência dos fatos, estava na
empresa e tal caminhão, placas IGJ 8479 já havia sido carregado com a
carga de papéis, caixas de suprimentos, carga de produtos não químicos
nem perecíveis, pesando aproximadamente de 3 a 5 ml quilogramas; tal
carga era referente a cinco entregas que seriam realizadas no município
de Passo Fundo-RS; O comunicante acrescenta que era a primeira viagem de
entrega que F. realizaria pela Empresa R., estava ainda em fase de
testes, como ratifica o comunicante, par que venha a trabalhar junto a
sua empresa é necessário passar por uma fase de testes, os quais inclui
qualidade na entregas e coletas, avaliando comportamento, segurança,
condições do veículo, condições de rodagem, a partir dessas primeiras
avaliações, o comunicante informa que Fábio estava apto a realizar a
viagem; Acrescente que Fábio tem vinte anos de trabalho como
caminhoneiro, tendo notável experiência, ressaltando que para trabalhar
junto a sua empresa é consultado o proprietário, o motorista e o
caminhão, junto a seguradora BUONNY onde os mesmos foram aprovados; No
momento do ocorrido, relembra que estava em seu escritório separando as
notas e lançando informações sobre a viagem no sistema da empresa para
liberação do veículo IGJ 8479 para a viagem; Quando saiu do escritório
para fechar os portões e encontrar com Fábio para liberá-lo para a
viagem; Nesse momento, da plataforma da empresa, visualizou o outro
caminhão, também carregado para viagem, onde estavam Fábio e Luís
Henrique o aguardando; Seguidamente ao passar pela outra porta verificou
que o caminhão IGJ 8479 estava se movimentando, sendo que logo em
seguida ouviu os gritos de Fábio e passando correndo em direção ao
caminhão, contudo, não deu tempo de Fábio entrar no caminhão e tentar
pará-lo, o caminhão movimentava-se vagarosamente, atingindo o muro,
seguido por gritos de populares presentes no local que informavam que
havia gente em baixo do caminhão; Esclarece que Fábio veio correndo em
direção ao caminhão e ao tentar passar pela frente o caminhão já se
aproximava do muro sendo que não daria tempo, fez a volta então por traz
do caminhão, não dando tempo de entrar no mesmo para tentar pará-lo;
Ressalta-se ainda que a porta do carona do caminhão encontrava-se
chaveada; Observa que em nenhum momento aproximou-se, manteve-se sob a
plataforma visualizando que Fábio e Luís Henrique removeram pedras e
retiraram um menino que estava em baixo do caminhão; Após isso fechou a
porta e foi para outra porta, do escritório em estado de choque e
manteve-se visualizando o que acontecia.”
Ora, sequer aventado em que consistiria a
força maior ou o caso fortuito, recai a responsabilidade nas
transportadoras contratante e contratada, haja vista a cláusula geral de
responsabilidade objetiva prevista no art. 927, § único, do Código
Civil brasileiro, vez a atividade de transporte de carga pesada
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Com efeito, a circulação de veículos,
por si só, já representa, hoje dia, atividade perigosa, face os inúmeros
acidentes noticiados. O transporte de carga, seja pelo peso das
mercadorias transportadas, ou pelo tamanho destes veículos de
transporte, é típica atividade de risco. A tanto, basta ver o peso a ser
transportado no caso dos autos – de 3 a 5 toneladas – o que certamente
contribuiu para a movimentação do veículo caminhão[3], que estava
estacionado em declive (causa óbvia da movimentação), local inadequado
para se fazer carregamento.
Já a terceirização restou evidenciada
pelos depoimentos acima transcritos, bem como pelas contestações, em
especial pela leitura do penúltimo parágrafo das fls. 209. O fato da
terceirização ser atividade lícita em nada altera o quadro, vez que
beneficiária (a contratante) da atividade econômica, conforme assentado
pelo e. Tribunal de Justiça do RS e Superior Tribunal de Justiça:
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL
EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE-FIM DA
EMPRESA. TERCEIRIZADA CARACTERIZADA COMO LONGA MANUS. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA.
[...]. 1. Tratando-se a apelante de empresa de transporte de cargas e
tendo firmado com outra empresa contrato de coleta e entrega de
mercadorias, esta contratação, na prática, significou verdadeira
terceirização de suas atividades-fins, passando a terceirizada a agir
como longa manus daquela. Caracterizada a terceirização de serviços,
responde a empresa contratante pelos danos causados pela empresa
contratada. In casu, a atividade de transporte em geral é considerada
atividade de risco e, uma vez violado o dever de segurança, a
transportadora está obrigada à reparação do dano, independentemente de
culpa (art. 927, parágrafo único do CC/2002. Responsabilidade solidária
caracterizada (art. 942 do CC/2002). [...] APELAÇÃO PARCIALMENTE
PROVIDA.” (Apelação Cível Nº 70023990922, Décima Segunda Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy, Julgado
em 04/09/2008)
“Civil e Processo civil. Recurso
especial. Responsabilidade civil. Acidente de Trânsito. Contrato de
fretamento e transporte de pessoal. Legitimidade passiva da contratante.
- A empresa contratante do serviço de frete e transporte de pessoal é
parte legítima para figurar no polo passivo da ação de reparação de
danos causados a terceiros, decorrentes de acidente de trânsito, se o
veículo estava a seu serviço em tarefa de seu imediato interesse
econômico.” (Recurso Especial 325.176/SP, Relatora Ministra Nancy
Andrighi, 3ª Turma do STJ, julgada em 06/12/2001).
Assim, sopesadas as circunstâncias do sinistro e definidas as responsabilidades, cabe afirmar e quantificar os danos.
Dos danos.
a) morte de A..
a1) da inexistência do dever de pensionar.
Em que pese o entendimento quase
uníssono de que é devido pensionamento aos pais pela morte de filhos
menores em famílias humildes, pela presunção de que estes, quando da
vida adulta, ajudariam àqueles, tenho que tal sentimento não mais se
reveste de atualidade, haja vista o avanço, nessa quadra da história, do
Estado Social.
Com efeito, a Súmula 491 que ordena o
pensionamento nestas hipóteses foi criada no final da década de 60,
quando o Brasil não apresentava um quadro previdenciário consistente,
quando os direitos sociais eram pouco conhecidos (muito menos
efetivados) e, ainda, como pano de fundo, tinha a incipiente discussão
acerca do dano moral, que era, majoritariamente, negado. A tanto, para
compreensão do cenário, recomenda-se a leitura do RE 59.940/SP
(disponível no sítio do STF na Revista Trimestral de Jurisprudência
eletrônica), um dos acórdãos que balizaram a criação da indigitada
súmula. Ali se observam as preocupações palpitantes do direito civil no
final da década de 60, onde o direito à indenização por dano moral era
acanhado e a deficiência do Estado escancarada.
De fato, movidos pelos melhores
sentimentos possíveis, pois era cruel aos pais conceder apenas a
indenização pelo luto e despesas funerais quando acometidos pela morte
filhos menores de idade, quiçá um pedido restitutório pelo investimento
feito na criação dos filhos (?!), criou-se o pensionamento por morte de
filho menor. Um misto de indenização por perda de uma chance (de, no
futuro, os genitores pleitearem alimentos), com lenitivo pela dor
sentida (dano moral puro).
Ocorre que passados 40 (quarenta) anos do entendimento sumular, há de
ser revisto, ou, ao menos, ponderado com a realidade atual, e não se
tornar uma mera repetição sumular[4]. Hoje a criança ou o jovem, ainda
que de família humilde, em centros urbanos, como o de Novo Hamburgo, não
tem o valor econômico que antes tinha[5]. O acesso à rede escolar e
universal e gratuito, desde a tenra idade. A saúde, da mesma foram, e,
quando falha, a mão judiciária o realiza. A previdência social acolhe a
velhice e o doente. São épocas diversas, inclusive para um “virada de
posicionamento”.
Como bem dito por Anderson Schreiber,
apud Daniel Ustárroz, in Responsabilidade Civil por Ato Lícito, a
responsabilidade civil contemporânea deve fugir da esfera individualista
de proteção à vítima (e necessária) mas que sempre e sempre levou à
bancarrota do autor do dano:
“O problema está em que tal
solidarização da responsabilidade civil ocorre apenas pela metade. No
afã de proteger a vítima, o Poder Judiciário dispensa, com facilidade, a
prova da culpa e do nexo causal, mostrando-se interessado não em quem
gerou o dano, mas em quem pode suportá-lo. A erosão dos filtros de
reparação corresponde, portanto, não a um endêmico despreparo dos juízes
com relação a uma disciplina secular – como desejam os cultores da
responsabilidade civil -, mas uma revolução gradual, silenciosa,
marginal até, inspirada pelo elevado propósito de atribuir efetividade
ao projeto constitucional, solidário por essência, a exigir o
reconhecimento de que os danos não se produzem por acaso ou fatalidade,
mas consistem em um efeito colateral da própria convivência em
sociedade. A revolução, contudo, é falha, porque meramente parcial. Os
tribunais desconsideram a culpa (somos todos culpados) e a causa (todos
somos causadores) dos danos, mas concluem o processo judicial de
responsabilização lançando o ônus indenizatório sobre o único - e,
muitas vezes, randômico – responsável. Há solidarismo no que diz
respeito às condições para a deflagração do dever de reparar, enquanto a
atribuição do dever em si continua arraigada ao individualismo mais
visceral. O ônus de auxiliar as vítimas pertence a todos, mas vem
atribuído a cada réu, aleatória e isoladamente, o que acaba por resultar
em injustiça, a rigor, tão grave quanto manter o dano sobre a vítima”
(Novos paradigmas da responsabilidade civil, 3ª ed. São Paulo, Atlas,
2011, p. 7).
Ou nas próprias palavras de Ustárroz:
“O debate judicial acerca da responsabilidade civil, em geral, procura
distinguir se é melhor imputar ao réu o dever de reparar todo o dano
suportado pelo autor ou se o prejuízo, quando comprovado, deve ser
digerido pelo próprio lesado. Ou seja, o sistema judicial permanece
individualista, pois não consegue visualizar meios de socializar o dano,
de sorte a aprimorar a proteção de ambas as pessoas. Em outros termos,
muitas vezes, a pretexto de se facilitar a reparação da vítima, joga-se
todo o custo ao suposto causador do dano, apenas, de sorte. Esta
realidade atenta contra outro aspecto do fenômeno da repartição dos
danos: tanto as vítimas como os supostos causadores são pessoas muito
parecidas. Às vezes, assumir o papel de autor ou de réu é questão de
sorte, o que demonstra a sua aleatoriedade e a inconveniência de se
alimentar um discurso de que a responsabilidade civil, como regra, deva
procurar censurar uma das partes ou deva partir de um direito
fundamental de a vítima ser reparada. Qualquer dessas óticas é
individual e parece ser adotada por simpatia.” (ob. Citada, pág. 5/6).
E assim sendo, não comungo do
pensionamento do filho menor morto, porque o direito de pedir alimentos
(pelos genitores) pode ser suportado pelo Estado Social, sendo
irrazoável apenar o aleatório causador do dano, sob pena de malferimento
ao solidarismo de duas vias (vítima e lesante).
a2) a reparação moral do dano-morte.
Conforme raciocínio já desenvolvido na
liminar de fls. 165/167v, a partir do julgado do Superior Tribunal de
Justiça (REsp 959.780/ES, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino),
tenho por arbitrar o dano moral em 400 (quatrocentos) salários mínimos
nacionais vigentes à época da publicação da presente sentença, os quais,
na ausência de outros fatos, vão fixados de forma definitiva, devendo
as rubricas serem corrigidas pelo IGPM-Foro a contar da data da
publicação da sentença, bem como acrescida de juros de mora de 1% ao mês
a contar do evento ilícito.
b) morte de L..
b1) da inexistência do dever de pensionar.
Nada há a ser indenizado, por ora, a
título de pensionamento, vez que, conforme raciocínio desenvolvido
acima, e diante do Estado Social, a senhora Vera Lúcia é beneficiária de
pensão por morte, em nada lhe prejudicando, materialmente, a morte de
L.(fls. 96).
E não me convence o argumento de que seriam causas distintas o mote do pensionamento: um, o ato ilícito; outro, a previdência.
Como dito, a previdência vem a cobrir os infortúnios da vida, que,
certamente, terão como motivo qualquer outra causa que não seja
previdenciária (doença, reclusão, morte, acidente, etc), sendo sofístico
o argumento. No mais, o duplo pagamento (previdenciário +
indenizatório) levaria ao enriquecimento do ofendido, o que fere o
princípio da reparação integral, pois conceder-se-ia reparação além do
devido[6].
Fica em aberto, para discussão em
liquidação, os eventuais rendimentos auferidos pelo falecido fora do
ambiente previdenciário, descontado, é lógico, 1/3 (com gastos
pessoais), limitados à expectativa de vida do gaúcho, considerando a
tabela do IBGE quando do evento morte.
b2) da reparação moral do dano-morte.
Com efeito, partindo-se do julgado já
referido, e tendo em conta a idade do ofendido, quase septuagenário,
tenho por reduzir em 100 (cem) salários mínimos a indenização por sua
morte, fixando, forma definitiva, em 300 (trezentos) salários mínimos
nacionais à época da publicação da presente, corrigidos pelo IGPM-Foro
desde a publicação e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar
do evento morte.
c) dos danos sentidos por G..
Sem dúvida, ter assistido os escombros
ruir por cima de si, bem como o trauma pela morte do avô e da também
neta A., são trauma que levará consigo. Fixo, para tal incidente, o dano
moral em 50 (cinquenta) salários mínimos nacionais, vigentes à época da
publicação da presente sentença, que deverá ser corrigida pelo
IGPM-Foro a partir da mesma data e acrescida de juros de mora 1% ao mês a
contar do evento.
Os danos de convalescença serão apurados
em liquidação de sentença, conforme já dito no início da fundamentação.
Infelizmente, não constou à inicial, danos pelas sequelas das quais foi
acometido, o que, dada a tenra idade de G. e pela imprescritibilidade
dos mesmos pode, eventualmente, serem postulados em demanda própria.
Da existência de contrato de seguro.
A apólice trazida pela contestante R.,
qual seja, o endosso 3, de fls. 237, ainda que possa levar à conclusão
de inalcançabilidade do seguro para a data do evento, vez que datado de
21/06/2012 (e o acidente data de 29/05/2012), não se sustenta a um olhar
mais acurado.
De fato, ainda que a apólice tenha sido
emitida em 21/06/2012, a proposta é de 30/04/2012 (fls. 238), conforme
logotipo da Marítima
Seguros, daí porque vinculante desde então. Tratando-se de mera extensão
à unidade de Novo Hamburgo, Rua Taquara, local 11, deve a seguradora
desembolsar os gastos havidos (e de forma direta) pela R., no limite
máximo de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), corrigido o capital
desde o sinistro pelas leis do mercado securitário.
Quanto às rubricas indenizatórias, o
dano moral está coberto: seja porque o evento está previsto em “Impacto
de Veículos” (fls. 407, apólice matriz), sem exclusão da rubrica dano
moral no corpo da apólice e muito menos – e isso é o importante – na
proposta de fls. 238, conforme reza o art. 759 do Código Civil
brasileiro: “A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta
escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser
garantido e do risco”
Com essas brevíssimas considerações, condeno direta e solidariamente a companhia M. S. S.A.
d) abatimento das quantias eventualmente recebidas a título de seguro obrigatório.
Vai deferido tal pleito, devendo ser oficiado, em sentença, às companhias securitárias administradora do sistema.
Dispositivo.
Pelo exposto, julgo parcialmente
procedente a ação indenizatória movida por F. L. da S., V. L. L. da S. e
G. M. da S. em face de R. T. R. Ltda. e F. T. Ltda, para o fim de
condenar as rés, forma solidária, ao pagamento de: a) danos morais em
favor de F. L. da S. pela morte de A. V. L. F. no valor de 400
(quatrocentos) salários mínimos nacionais vigentes à época da publicação
da sentença; b) danos morais em favor de V. L. L. da S. pela morte de
L. P. da S. no valor de 300 (trezentos) salários mínimos nacionais
vigentes à época da publicação da sentença; c) danos morais em favor de
G. M. da S. pelo trauma e morte do avô consistente em 50 (cinquenta)
salários mínimos nacionais vigentes à época da publicação da presente
sentença; d) tais rubricas serão corrigidas pelo IGPM-Foro desde a
publicação da sentença e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a
contar do evento danoso; e) fica assegurado o direito à liquidação dos
valores a que fazia jus o falecido L.e não contemplados pelo benefício
previdenciário, descontados 1/3 com despesas pessoais, limitados à
expectativa de vida do gaúcho segundo dados do IBGE quando do evento
morte; f) resta também assegurada a liquidação das despesas
médico-hospitalares à convalescença de G..
Julgo procedente a denunciação à lide promovida por R. T. R. Ltda. em
face de M. S. S.A., condenando esta a satisfazer diretamente os danos
estipulados no parágrafo acima, tudo no limite do importe de R$
600.000,00 (seiscentos mil reais), valores estes que devem ser
corrigidos desde o sinistro pelas leis do mercado securitário.
Para a lide principal, diante da prova
trazida a juízo pelo procurador dos autores, o que facilitou o
julgamento antecipado, o que deve ser louvado, e face a sucumbência ter
recaído em entendimento singular deste juízo, fixo a verba honorária dos
autores, a serem satisfeitas pelas rés, forma solidária, em 20% sobre
os valores da condenação.
Arcarão as demandadas, ainda, ao
percentual de 80% das custas processuais. Os autores arcarão com o
restante (20%), mais a honorária de cada procurador das rés, esta
arbitrada, para cada qual, em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais),
verbas estas suspensas pela gratuidade judiciária deferida, mas que
devem ser compensadas (Súmula 306 do STJ).
Na denunciação, fixo a verba do patrono
do denunciante em 10% sobre os valores a serem desembolsados pela
seguradora, a serem satisfeitas pela companhia securitária, bem como as
custas processuais em sua integralidade.
Oficie-se à administradora do consórcio DPVAT, indicando os beneficiários (autores) e nomes das vítimas.
Em consulta ao sistema Renajud, nesta
data, consta 122 veículos em nome da R., devendo os demandantes, em
incidental cautelar, indicar quais veículos deseja restringir a
transferência, bem como informar o valor dos mesmos, a fim de não
prejudicar o andamento da presente ação.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Novo Hamburgo, 09 de dezembro de 2014.
Ramiro Oliveira Cardoso
Juiz de Direito
[1]Fls. 49/51.
[2]Fls. 52/54.
[3]Causa espécie, aqui, a certidão de
fls. 62, onde indica que a retirada da carga não causará qualquer
prejuízo à perícia requisitada.
[4]Algo comum em nossa época, haja vista
a Síndrome do Pensamento Acelerado, um dos males da contemporaneidade,
onde não há reflexão e tempo na construção do pensamento.
[5]Talvez tenha em rincões deste Brasil,
afastados das grandes cidades e em áreas de extrema pobreza, como o
nordeste brasileiro, que foi muito bem ilustrado na obra de Graciliano
Ramos, onde até a Baleia (cachorro), pelo faro, tinha “mais importância
econômica” do que os filhos.
[6]A ideia de punição do lesante está
arraigada a um conceito ultrapassado e mal elaborado da responsabilidade
civil atual, apegada ainda ao direito penal (por todos, ver Maria
Celina Bodin de Moraes, in Danos à Pessoa Humana), além de fugir ao
solidarismo de mão dupla já defendido na presente sentença.
FONTE: JORNAL JURID
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