Para movimento negro, campanha #somostodosmacacos reproduz racismo
A
campanha lançada pelo jogador Neymar Jr. Gerou polêmica. De um lado,
artistas, jornalistas e até a presidenta Dilma Rousseff manifestaram
apoio à ideia de que “temos todos a mesma origem, e nada nos difere”,
conforme escreveu a presidenta,
pelo Twitter.
De outro, integrantes do movimento negro usaram as mesmas
redes sociais para criticar a campanha #somostodosmacacos.
O
professor de história e integrante da UNEafro Brasil Douglas Belchior
avalia que a postura do jogador Daniel Alves, que comeu uma banana
jogada contra ele, em partida realizada no último domingo (27), foi
“interessante, provocativa”, mas ele critica a campanha deflagrada em
seguida.
De acordo com Belchior, a associação de negros a macacos é uma
forma de reprodução do racismo.
Em seu blog,
ele divulgou texto que explica as origens dessa compreensão: a tese
evolucionista de que os seres humanos possuiriam diferenças provocadas
pela seleção natural, e de que africanos e aborígenes estariam mais
próximos dos macacos do que os europeus, por exemplo.
A
polarização foi acentuada ontem, quando a origem da campanha, iniciada
com a divulgação da foto de Neymar segurando uma banana, ao lado do
filho, foi revelada.
A imagem faz parte de uma campanha publicitária
criada pela agência Loducca, em resposta ao pedido do pai do jogador,
Neymar da Silva Santos, que procurou a empresa após o filho e Daniel
Alves terem sido vítimas de racismo, na final da Copa do Rei, entre
Barcelona e Real Madrid, no último dia 16.
No vídeo de divulgação
da campanha #somostodosmacacos, os idealizadores da proposta expressam
opinião sobre como deve ser enfrentada a desigualdade racial: “A melhor
maneira de acabar com o preconceito é tirar seu peso, fazendo a pessoa
preconceituosa se sentir sem poder”, diz a frase que aparece sobre
imagens de crianças negras jogando. “Uma ofensa só pega quando irrita
você. Vamos acabar com isso. #somostodosmacacos”, conclama, usando a hashtag que já virou produto da marca do apresentador Luciano Huck, que também publicou foto com bananas.
Pelas
redes sociais, a jornalista Aline Pedrosa defende a iniciativa: “Mesmo
sendo branca, me reconheço com traços dos meus ancestrais, que são
negros. Não nego minhas origens, muito pelo contrário, as estudo e as
exalto. Para mim, a mobilização significa união – todos somos um – e,
acima de tudo, desprezo a uma atitude vergonhosa como essa, e que,
sabemos, não rola só fora do Brasil, muito pelo contrário”.
O cineasta Joel Zito de Oliveira, que dirigiu o filme A Negação do Brasil,
que trata da representação dos negros na mídia, avalia a campanha como
um “equívoco” por esconder a negritude e não ser capaz de enfrentar o
racismo. Ele considera que a grande proporção obtida pela iniciativa
também está relacionada ao conteúdo dela. “Tudo que é feito, e que de
fato não incomoda e não muda a questão racial no Brasil, tende a ter
aceitação mais fácil”, afirma. “Branco comendo uma banana ou colocando
sobre a cabeça pode virar Carmem Miranda, carnaval. Com o negro é outra
coisa. Mas a postura da sociedade brasileira sempre foi no sentido de
evitar o confronto”, critica.
Ao ser questionado sobre como as
mídias sociais repercutiram o caso, ele foi otimista: “Elas podem ser
apropriadas para dar visibilidade a vozes que não tinham acesso às
grandes mídias”. Por meio dessas mídias, casos como a morte do dançarino
Douglas Rafael (conhecido como DG) e o desaparecimento do pedreiro
Amarildo vieram à tona. “A novidade não é o desaparecimento, a morte ou o
racismo. A novidade é que o questionamento das populações negras mais
pobres é feito nas mídias sociais e chega à grande mídia”.
Já Douglas Belchior diz que a hashtag
“tenta esconder as desigualdades raciais, a violência, o extermínio, e
reforça a ideia de que no Brasil se vive uma democracia racial”. Para
ele, a campanha cumpriu um “desserviço” ao mudar o foco da discussão
pública do assassinato do dançarino DG, no Rio de Janeiro, para uma campanha que propõe o apaziguamento dos problemas.
“Vivemos
no Brasil uma escalada assombrosa da violência racista. Esse tipo de
postura e reação despolitizadas e alienantes de esportistas, artistas,
formadores de opinião e governantes têm um objetivo certo: escamotear
seu real significado do racismo, que gera desde bananas em campo de
futebol até o genocídio negro, que continua em todo o mundo”, alerta.
Para a Agência Brasil,
a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(Seppir), Luiza Bairros, assinalou que a campanha é superficial e busca
transformar a imagem do macaco em algo positivo, quando tem um
significado essencialmente negativo para negros e negras. “O que existe é
uma tendência de considerar o racismo como um fenômeno superficial na
sociedade brasileira, ou em qualquer outro lugar do mundo; algo que se
manifesta como um dado isolado, como uma expressão de indivíduos que
praticam atos racistas”, avalia.
A ministra espera, contudo, que a
provocação seja “uma porta de entrada para que a sociedade possa
aprofundar as questões”. A lição a ser tirada, segundo ela, é que “o
combate ao racismo vai precisar de uma manifestação contrária de toda a
sociedade brasileira, mas para isso precisaremos ir mais fundo,
identificando outras repercussões do racismo, que não se expressam só no
futebol”.
As manifestações de racismo no âmbito do esporte,
sofridas também por Tinga, do Cruzeiro, e outros jogadores, não são
novas. Na década de 1910, jogadores do América chegaram a utilizar pó de
arroz para se parecerem com brancos. Já em 1924, o Vasco da Gama
redigiu a chamada Resposta Histórica,
carta em que nega a exigência da Associação Metropolitana de Esportes
Atléticos para que se desfizesse dos 12 jogadores negros, mulatos,
nordestinos ou pobres que atuavam na equipe.
Agora, 90 anos
depois, o Brasil está prestes a sediar a Copa do Mundo, e deve fazer uma
campanha contra a discriminação racial durante o campeonato, conforme anunciado pela
presidenta Dilma Rousseff, no domingo (28). A ministra Luiza Bairros
informou que a Seppir participa da elaboração da campanha, e espera que o
país “seja capaz de mandar para o mundo e para a sociedade brasileira,
especificamente, a mensagem de que o racismo não pode ser tolerado no
futebol nem em nenhum espaço da sociedade”.
Já Douglas Belchior
torce para que o mundial seja também espaço de visibilidade dos
problemas do país: “A Copa do Mundo coloca o Brasil na vitrine do mundo.
A posição dos movimentos é aproveitar esse momento para escancarar uma
realidade que é maquiada, no Brasil. Nós queremos demonstrar que vivemos
um genocídio, que vivemos sob a égide de polícias extremamente
violentas e que atingem sobretudo a população negra”.
O cineasta
Joel Zito espera que a campanha a ser veiculada seja capaz de aprofundar
a abordagem sobre a questão racial: “Aproveitar a oportunidade da Copa
para realizá-la é muito bem-vinda. Inclusive porque a sociedade
brasileira vai conviver com segmentos culturais com os quais nunca
conviveu. Segmentos que recebem, há anos, a ideia de que o Brasil vive
uma democracia racial. Ela [campanha] é necessária, bem-vinda, mas tem
que ser inteligente”, defende.
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